A economia russa depois das eleições

Ilustração: Dmítri Dívin

Ilustração: Dmítri Dívin

O país irá enfrentar, em breve, uma série de importantes desafios na área socioeconômica, e terá de tomar medidas impopulares.

A falta de condições para uma competição política real e as fraudes generalizadas nas recentes eleições parlamentares e presidenciais causaram em boa parte da sociedade russa dúvidas sobre a legitimidade do atual governo. É extremamente perigoso, pois o país irá enfrentar, em breve, uma série de importantes desafios na área socioeconômica, e terá de tomar medidas impopulares. A já difícil situação do país complicou-se ainda mais com a distribuição de generosas promessas durante as campanhas eleitorais.

As promessas foram mais numerosas do que nunca. O próprio presidente eleito, Vladímir Pútin, avalia que suas promessas de campanha só na esfera social demandarão 1,5% do PIB, mas especialistas falam de um valor muito maior. Por exemplo, o Centro de Pesquisa Macroeconômica do Banco de Poupança (Sberbank) calcula o valor de todas as promessas eleitorais em 4 a 5% do PIB, enquanto para a agência de classificação de risco Fitch, a quantia chegará a R$ 288 bilhões ou 8% do PIB, até o fim do mandato presidencial de seis anos.

As novas promessas completam a lista dos compromissos anteriores do governo, dos quais os mais onerosos são o previsto aumento dos gastos militares para 20 trilhões de rublos (R$ 10 bilhões) até 2020 e o aumento, já concretizado, de salários para policiais e militares e de pensões para os aposentados. Além disso, há ainda o desafio de financiar megaprojetos como os Jogos Olímpicos de Sôchi, o Fórum Ásia-Pacífico e a Copa do Mundo.

A situação seria preocupante mas não assustadora se a economia russa apresentasse um crescimento rápido e sustentado. Infelizmente, a perspectiva de aprofundamento da recessão na Europa, a esperada estagnação da economia chinesa e o crescimento econômico instável dos EUA criam um cenário externo desfavorável à economia russa, que depende muito das exportações de matéria-prima. Por mais otimistas que sejam as previsões oficiais, o crescimento do PIB russo não ultrapassará, nos próximos anos, 3 ou 4% ao ano.

Mesmo esses números serão possíveis somente se o preço do petróleo no mercado mundial se mantiver alto. O impacto dos fatores desfavoráveis externos será reforçado pelos problemas internos do país, surgidos em consequência da política que evita decisões arriscadas e impopulares, seguida pelo governo nos últimos anos.

Entre eles está a reforma da previdência social. O desafio de cobrir o déficit sempre crescente do fundo de pensões tem se tornado um dos maiores ônus para o orçamento federal nos últimos anos. Para reformar o setor de saúde e ensino, não bastam apenas decisões de índole administrativa e organizacional. Serão necessários avultados recursos financeiros, já que a Rússia fica atrás dos países desenvolvidos em despesas orçamentais com a saúde e educação.

 A intenção de aumentar os salários dos profissionais de saúde e de ensino médio e superior já foi anunciada, assim como a intenção de aumentar, já no próximo ano, a oferta de bolsas de estudos. Outros setores do funcionalismo público também obtiveram a promessa de aumento de salário. Os setores de saúde e ensino devem prioritários, já que atualmente a Rússia tem indicadores de expectativa média de vida e mortalidade infantil, que não condizem com um país que reivindica o título de grande potência. A reforma dos equipamentos urbanos também é urgente e exige grandes investimentos.

Aos problemas estratégicos podem se juntar dificuldades como a queda expressiva no superávit comercial do país. A Rússia não se tornou, até agora, um país atrativo para investimentos. Mais do que isso, durante a crise de 2008/2009 e nos últimos meses, o país tem assistido à fuga de capitais em larga escala. Como resultado, um possível déficit da balança comercial não será compensado com a entrada de capitais.

 Isso provocará inevitavelmente a desvalorização do rublo, com as consequências inflacionárias daí decorrentes, devido à alta dependência da economia nacional das importações de bens de consumo. Ao mesmo tempo, irão piorar  as condições para a modernização da economia nacional devido à importação de tecnologia avançada de países ocidentais e ficarão reduzidas as possibilidades de captação de empréstimos externos.

Mesmo assim, as promessas feitas devem ser cumpridas. Se há alguns anos o equilíbrio do orçamento federal era garantido por um preço do barril de petróleo de US$ 30, agora o mesmo só é mantido porque o preço do barril ronda os US$ 115 dólares. Uma prolongada e expressiva queda nos preços de petróleo provocará um colapso orçamentário. Por enquanto, com a tensão em torno do Irã, os preços do combustível se mantém favoráveis ao orçamento russo, mas não adianta esperar que eles continuem subindo.

Além disso, novas tecnologias de extração e transporte de gás, bem como a adoção cada vez mais ativa de fontes de energia alternativas e programas de economia de energia em países desenvolvidos poderão vir a causar, em uma perspectivas de médio prazo, uma redução na demanda por recursos energéticos russos.

Na economia não existem milagres. Para a solução dos inevitáveis problemas orçamentários, é preciso cortar as despesas ou aumentar a carga tributária. O primeiro caminho acarreta riscos políticos e não será aceito pelo governo face às dúvidas na sociedade sobre sua legitimidade e falta de consolidação das elites. Portanto, a solução é seguir o segundo caminho. Não foi à toa que Pútin, ainda na qualidade de candidato à presidência, mencionou, de passagem, a possibilidade de uma manobra tributária e expôs, a pretexto de fazer a justiça social, a ideia de instituir um imposto sobre bens de luxo, cobrar compensações pela privatização injusta e várias outras iniciativas do gênero.

 Todavia, aumentar os impostos é perigoso, porque, como se sabe, o empresariado russo paga ainda um grande preço pela corrupção no país. O governo ainda não fez nada para diminuir a corrupção. Além disso, o ajustamento estrutural da economia russa, que é vitalmente importante, e o desenvolvimento de inovações exigem incentivos fiscais em forma de diminuição dos impostos. Recentemente, tivemos uma experiência triste do aumento do imposto sobre os salários. Como resultado, as atividades econômicas no país diminuíram, e as empresas de pequeno e médio porte passaram a sonegar os impostos. Em última análise, foram arrecadados 300 bilhões de rublos (R$ 18 bilhões) a menos do que se esperava.

A solução do problema passa pela expressiva intensificação do crescimento econômico do país. Potencialmente, isso pode ser conseguido por meio de uma grande liberalização das atividades econômicas e diminuição da corrupção e da pressão sobre o setor privado. Mas o efeito da intensificação não se fará sentir de imediato. Infelizmente, o governo não se mostra disposto a seguir esse caminho. Então a vida vai ensiná-lo, contanto que não seja tarde! 

Andrêi Nechaev é presidente do banco Corporação Financeira da Rússia e foi ministro da Economia da Rússia entre 1992 e 1993.



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