Ilustração: Natália Mikhailenko
O debate sobre este tema começou muito antes da eleição nos meios de comunicação russos e estrangeiros, bem como na comunidade de especialistas políticos. Por alguma razão, a visão predominante era de que as relações da Rússia com o mundo ocidental piorariam com o "novo" Pútin. O jornal britânico “The Guardian” mantém essa ideia até agora, acreditando que "na arena internacional, a Rússia continuará a desempenhar um papel negativo, combinando a busca dos seus próprios interesses estratégicos com tentativas de irritar os norte-americanos". Essas previsões combinam com o caráter "brejneviano" (referência ao político Brejnev, presidente da URSS de 1964 a 1982) do novo governo de Pútin.
Curiosamente, o líder esquerdista da oposição russa, chamado pela imprensa ocidental de "prisioneiro de consciência" devido aos 15 dias de estadia na prisão por vandalismo, o comunista Serguêi Udaltsov, mantém a opinião exatamente oposta. "Pútin é o político mais pró-ocidental da Rússia", declarou ele em entrevista ao jornal “Rússia Literária”. "Ele fechou bases militares soviéticas em Cuba e no Vietnã, autorizou a expansão da Otan no início dos anos 2000 em territórios da antiga União Soviética, tendo em sua composição as repúblicas bálticas, ele guarda o dinheiro do orçamento russo em títulos de ações dos EUA (títulos do Tesouro)."
Para o grande desgosto dos nacionalistas russos, os fatos apresentados por Udaltsov são verdadeiros. Para ser amigável nas relações com o Ocidente, pode-se atribuir aos passos de Pútin o consentimento com o desembarque de bases americanas na Ásia Central em 2001 e a cooperação com os países ocidentais na luta contra o Talibã no Afeganistão. (Em 2001, as bases regulares do Talibã foram destruídas não tanto pelas tropas norte-americanas quanto pela "Aliança do Norte" afegã, armada com armas russas.)
De onde vem esse sentimento de direção "anti-ocidental" que persiste com relação à política externa de Pútin? "Parece que neste caso estamos lidando com uma situação em que a própria mídia sustenta o mito criado por ela", comenta Stanislav Belkovski, famoso escritor e cientista político russo, que critica a posição de Pútin à qual se refere como nacional-democrática. "Pútin não é nenhum nacionalista, com ele a Rússia finalmente se transformou de uma potência mundial para um Estado tranquilo, com apenas ambições políticas regionais e mesmo assim não muito agressivas. Mas, porque a mídia no Ocidente fala sobre ele há tantos anos, as pessoas têm uma crença inconsciente na 'agressividade' de Pútin."
É interessante lembrar que o último presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, não pode se orgulhar de tantas amizades com o Ocidente para decisões da política externa, como Pútin. A principal conquista de Medvedev, a retomada das relações com os Estados Unidos, culminando na conclusão de um novo acordo sobre a redução de armas ofensivas, na verdade, foi realizada pelo presidente americano Barack Obama, que se recusou por algum tempo a ver uma ameaça na Rússia. Entretanto, mesmo não sendo presidente (e a política externa da Rússia quem define é o presidente), Pútin conseguiu manter várias importantes iniciativas na área. Uma delas foi melhorar as relações com a Polônia depois de uma visita conjunta dos primeiros-ministros russo e polonês em 2010 ao memorial dos combatentes poloneses que foram executados por ordem de Stálin em Katyn.
"Estou profundamente convencido de que a melhora das relações russo-polonesas é o projeto pessoal de Pútin", afirma o correspondente em Moscou do jornal polonês “Gazeta Wyborcza”, Vatslav Radziwinowicz. "E quando, logo após o encontro entre Pútin e o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, houve o acidente de avião com o presidente polonês, Lech Kaczynski, justamente Pútin envolveu-se pessoalmente nos desdobramentos da catástrofe." Esse é o estilo de Pútin: numa hora crítica, oferecer auxílio para um parceiro de amizades não muito fortes no momento e, desse modo, melhorar as relações. No caso da Polônia, foi a queda do avião presidencial, na situação do Japão, o desastre na usina nuclear de Fukushima, quando Pútin imediatamente sugeriu que a Rússia poderia repor a energia a gás que faltava para o país.
O que os críticos de Pútin podem contrapor a esses fatos? Normalmente, apenas uma referência ao passado de Pútin na KGB e uma analogia com Brejnev ou Stálin. E Luke Harding, do “The Guardian”, escreve sobre as eleições como "um momento brejneviano" de Pútin. Mas eis uma questão para os historiadores, e só para pessoas mais velhas: você pode se lembrar de pelo menos uma eleição em que Stálin ou Brejnev ganhou? Não. E você sabe por quê? Porque não houve eleição. Não houve processo para que eles apresentassem as suas candidaturas para o povo. O povo de Stálin e Brejnev não podia julgar por si próprio: sob a supervisão de agentes da KGB, o que levantava era a mão dos chefes do partido. As campanhas eleitorais de Putin, Campanhas que tanto irritaram a imprensa ocidental por seu primitivismo e teatralidade, não foram necessárias para Brejnev e Stálin. Mesmo um show não muito inteligente é um elemento da democracia de hoje. Com Brejnev a frente da União Soviética, a propaganda oficial riu perante as eleições americanas por causa de seu "primitivismo". E as pessoas simples secretamente invejavam esse primitivismo.
De fato, Pútin não é Stalin, não é Brejnev, tais analogias não falam em favor do profissionalismo dos seus autores, incapazes, como sempre, de ver a Rússia sem essas personagens familiares. A nova "Rússia de Pútin" não procurará conflitos com o Ocidente. A nova Rússia da "era Pútin" só quer ser um país normal e chato, com uma oposição não-radical, sem "alternativa revolucionária" e com relações normais com os seus vizinhos – desde a União Europeia e os EUA a Turquia, o mundo árabe e a China. E as relações com o Ocidente só vão piorar se este impuser à Rússia essa "alternativa revolucionária".
Dmítri Babitch, analista político da estação de rádio Voz da Rússia
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