A pobreza do povo e a popularidade de Pútin

Ilustração:  Aleksêi Iorsh

Ilustração: Aleksêi Iorsh

A prosperidade econômica despertou o ativismo político russo, mas a situação financeira de muitos no país continua a ser precária e é possível que Pútin não consiga cumprir suas promessas de melhorar a vida da população.

Uma das piadas mais atuais do comediante irlandês Jason Byrne é a que diz que a recessão é tão grave que as pessoas se queixam de não poder sair de férias mais de duas vezes por ano.

A anedota não tinha muita graça durante o período anterior às eleições presidenciais russas, no dia 4 de março. Em 2009, o PIB do país caiu 7,9% - a maior queda entre os países do G-20. Antes disso, a economia russa nunca havia deixado de crescer desde o início do século.

Mas os russos continuam pobres. "O Mundo em 2012", seção da Economist dedicada a calcular o que o ano reserva ao mundo, prevê um PIB per capita de 13.650 dólares neste ano na Rússia. O valor é 4 mil dólares mais baixo do que o previsto para a Grécia, que sofreu com uma recessão de mais de cinco anos e tem previsão de receita de 17.710 dólares per capita em 2012.

A maioria dos analistas russos e ocidentais atribui a popularidade nacional do primeiro-ministro Vladímir Pútin ao aumento da qualidade de vida e da renda per capita desde 2000, quando assume seu primeiro mandato.

Mas a base de apoio a Pútin é muito frágil. A maior parte dos economistas afirma que o governo experimentou um fracasso colossal no trabalho de diversificação da economia e que a política econômica consiste principalmente em redistribuição das receitas de exportação.

O resultado é que, desde 2000, houve um aumento no preço da cesta básica. O país depende mais que nunca das exportações de energia e ainda existem enormes bolsões de pobreza.

O russo médio, entretanto, tem uma opinião diferente, que segue a linha da citação de Napoleão que diz: "Não quero um bom general, quero um com sorte". Ele acredita que Pútin é um vencedor, o oposto de seus antecessores Boris Iéltsin e Mikhail Gorbatchov, que lutavam contra os baixos preços do petróleo.

Os protestos na Grécia refletem principalmente os problemas econômicos e, em certa medida, também o tradicional extremismo político do país. Na Rússia, os protestos são puramente políticos e começaram apenas depois das alegações de fraude nas eleições parlamentares de 4 de dezembro de 2011.

A grande maioria dos russos não tem a menor noção dos riscos na falta de diversificação da economia, do aumento estrondoso da burocracia e da corrupção, de uma possível recessão global e europeia, da forte dependência dos bens de consumo e do processo de transformação energética global motivado pelo óleo de xisto (tipo de petróleo não convencional) e pelo gás. Poucas pessoas entendem que as promessas de campanha de Pútin sobre orçamentos generosos simplesmente não têm sentido e são insustentáveis.

Além disso, muitos acreditam na "estabilidade", principal slogan da campanha eleitoral de Pútin, sem entender que esse princípio significa "estagnação" em um mundo globalizado.

Mas o analfabetismo econômico e o desejo de estabilidade após os anos 90 não são as únicas razões pelas quais muitos russos votam em Pútin. Para entender qual é sua base eleitoral, é preciso recordar que o atual nível de renda per capita é muito recente. De fato, até a década de 90 não havia nada parecido com uma sociedade de consumo em nenhum ponto da antiga União Soviética.

Hoje parece difícil acreditar, mas enquanto os privilegiados da era soviética tinham apartamentos e casas maiores e mais confortáveis do que o resto da população, mesmo os altos dirigentes do partido comunista nunca tiveram carros, televisores, rádios, geladeiras ou máquinas de lavar equiparáveis aos ocidentais. Essa classe de pessoas não possuía nem mesmo suas próprias casas, tudo pertencia ao Estado.

Também é verdade que as lojas especiais para a elite ofereciam mais do que podia comprar a gente normal, mas sua oferta não podia ser comparada a qualquer supermercado ocidental. Artigos domésticos comuns simplesmente não estavam disponíveis e todos os turistas, diplomatas e estudantes estrangeiros tinham que trazer seus próprios estoques de plugues de tomada, papel higiênico e pasta dental.

Assim, enquanto os norte-americanos e europeus têm décadas de experiência com todos os confortos modernos, os russos de hoje são a primeira geração que pode desfrutar da sociedade de consumo, o que constitui a principal razão para suas demonstrações ostensivas de consumismo.

No entanto, ao mesmo tempo, as pessoas percebem a fragilidade no contexto do turbulento passado do país. Os russos pagam milhares de dólares mensais de hipoteca e por causa de sua economia tão apertada são, provavelmente, mais vulneráveis ​​à recessão do que seus pares ocidentais. Isto é ainda mais palpável em regiões distantes de Moscou e São Petersburgo. Também por essa razão, o governo continua insistindo em manter a estabilidade.

Como ocorre em outros países, uma melhor qualidade de vida leva a uma maior participação política, e esse processo parece irreversível na Rússia. Além disso, o governo terá grandes dificuldades em manejar uma economia com muitas problemos estruturais em um ambiente global cada vez mais difícil e competitivo.

Ian Pryde é o fundador e diretor-executivo de Eurasia Strategy & Communications em Moscou



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