Foto: AP
No final de março, Nova Délhi irá sediar a 4ª Cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O grupo passou a fase inicial de sua constituição. Nesse período, tanto a Rússia como o Brasil e a África do Sul foram alvo de especulações por, alegadamente, não fazerem jus a integrar esse grupo. Já a Índia tem sido persuadida a não se relacionar com os “regimes autoritários” da China e da Rússia, enquanto a África do Sul tem sido criticada por não possuir um potencial equivalente ao dos outros integrantes do grupo e não demonstrar, como o Brasil, ritmos impressionantes de crescimento do PIB.
A Rússia, com as exportações focadas na venda de matéria-prima, não é vista como boa companheira para a China dinâmica, que por seu turno é aconselhada a buscar um acordo com os EUA.
Evidentemente, cada um dos países do Brics tem sua própria trajetória histórica e situação sociopolítica. Em alguns aspectos, as relações bilaterais permanecem marcadas pela herança negativa dos conflitos e contradições do passado. É difícil, claro, esperar uma total unanimidade entre os líderes dos países do grupo em relação às questões correntes da agenda internacional. Em alguns casos, como o da Líbia, eles assumem posições idênticas, em outros, como o da Síria, se dividem, respeitando, contudo, os argumentos de seus parceiros.
Mas há um argumento mais convincente em favor do Brics. Sem um denominador comum dos interesses nacionais surgido no início do século 21, a criação de uma coalizão tão importante, com mais de 40% da população mundial, mais de 29% da superfície terrestre (sem a Antártida) e 25% do PIB mundial seria simplesmente impossível. Face à impotência dos organismos internacionais de regular efetivamente a economia e política globais, os países do Brics se declaram interessados em reformá-las. Conscientes do efeito limitado dos esforços individuais para o cumprimento desse desafio, eles procuram formas e mecanismos de ação coletiva.
O embaixador itinerante russo Vadim Lukov qualificou o Brics como “aliança de
reformadores”, tendo em vista seu empenho comum em reformar as principais instituições
internacionais, sobretudo aquelas econômicas e financeiras.
Os resultados da primeira fase
Seis anos após as
primeiras ações conjuntas e três anos após a primeira cúpula do Brics, podemos
constatar que o novo grupo está se organizando rapidamente. Mais do que isso, temos
todas as razões para dizer que a nova associação internacional, agora com cinco
integrantes, veio para ficar.
Seu principal elemento constitutivo foi a compreensão comum da necessidade de uma reforma da arquitetura econômica e financeira internacional.
Inicialmente, os países membros não tinham a intenção de estender suas discussões além dessa agenda e sobrecarregar o “barco” comum com uma responsabilidade excessiva, tentando ser pragmáticos e moderados na definição dos objetivos do grupo. Mesmo assim, não conseguiram deixar à parte as questões-chave da agenda internacional (desde a mudança do clima até o uso de fontes de energia renováveis).
O mecanismo de interação dentro do G-5 chegou rapidamente à dimensão de cúpula. Ainda assim, o Brics permanece como uma estrutura pouco institucionalizada e não formalizada, embora diversifique cada vez mais sua agenda e suas áreas de atividades e envolva um número cada vez maior de representantes dos órgãos de poder, meios acadêmicos e empresariais.
Atualmente, as consultas entre os países integrantes são mantidas não só em nível diplomático mas também entre os ministérios das Finanças, Economia, Agricultura e Segurança. As cúpulas passaram a ser acompanhadas de reuniões para discutir ideias e fóruns empresariais. Foi encontrado um mecanismo de interação entre os bancos de desenvolvimento dos países membros.
Começam a ser realizadas consultas entre os ministérios da Saúde. Nas estruturas dirigentes da ONU e outros organismos internacionais, os representantes dos países integrantes mantêm consultas à parte. Em outras palavras, a interação dentro do grupo tende a ultrapassar as expectativas iniciais.
O efeito de aproximação política e diplomática se faz sentir, favorecendo as trocas econômicas e comerciais em uma base bilateral. Se nos anos de crise, o intercâmbio comercial dos países do Brics também sofreu uma desaceleração, no pós-crise ele se recuperou muito mais rápido do que outros segmentos do mercado global. Com efeito, o intercâmbio comercial entre a Rússia e o Brasil aumentou em 18% em 2011, aproximando-se do nível recorde atingido em 2008 (US$ 7,16 bilhões e US$ 7,98 bilhões, respectivamente).
As trocas comerciais entre o Brasil e a China apresentaram um aumento de 37% e entre o Brasil e a Índia, 20%. O intercâmbio comercial entre a Rússia e a China aumentou em 42% em 2011, atingindo US$ 84 bilhões. Em 2011, o comércio bilateral entre Rússia e Índia esteve em baixa, crescendo, entretanto, muito nos anos anteriores (em 2007, o aumento foi de US$ 4,3 bilhões; em 2008, US$ 6,9 bilhões; em 2009, US$ 7,5 bilhões; em 2010, US$ 8,5 bilhões). As trocas comerciais entre a China e a Índia ultrapassaram, em 2011, US$ 63 bilhões de dólares (atingindo, em 2010, US$ 42,4 bilhões). A adesão da Rússia à OMC dará um novo impulso ao comércio entre esses países.
Apesar dos progressos, ainda não há razões para falar de uma ampla cooperação internacional em grandes projetos no âmbito do Brics. Também não é grande a cooperação humanitária. Será que podemos estar satisfeitos com os resultados alcançados nesse período? Poderão eles garantir que os países membros atuarão de forma solidária e conseguirão superar as divergências e conflitos herdados do passado? Poderão os resultados alcançados garantir a eficácia do grupo e reforçar sua influência no cenário mundial?
Não há uma resposta única para essas questões. Às vésperas de sua 4ª Cúpula, os
países do Brics fizeram tudo o que pode ser considerado necessário para a primeira
fase, mas nem tudo o que parece ser realisticamente possível. Em primeiro lugar,
não podemos dizer que o grupo decidiu sobre seu modelo institucional. Em
segundo lugar, não é clara sua posição entre as estruturas e mecanismos de
governança global. Em terceiro lugar, ainda não existem mecanismos que permitam
construir de forma eficiente a cooperação multilateral nas áreas econômica,
tecnológica e científica.
Prioridades para o futuro
Existe um cenário
favorável à entrada do Brics no grupo de organizações que irão constituir um “clube”
de regulação global do século 21. O grupo participa, de fato, da busca de novas
fórmulas de regulação global, colaborando com o G-8 e trabalhando no G-20, estruturas
que, aliás, também não são formalizadas.
Ao mesmo tempo, ele terá de prestar maior atenção à ampliação de seus contatos oficiais e de trabalho com organismos internacionais, sobretudo aqueles ligados à ONU. Tudo isso impõe aos países membros a necessidade de elaborar uma fórmula jurídica para formalizar seu estatuto e criar uma plataforma institucional para a cooperação com atores-chave das relações internacionais.
A julgar por suas atuais diretrizes, o Brics não tem a intenção de se
transformar em uma estrutura tradicional de integração econômica. Mas isso não significa que o grupo não precise de
ferramentas e esquemas para a concretização de grandes projetos multilaterais
que impliquem uma ampla cooperação industrial e em investimentos. O
Brics já tem uma grande carteira de propostas promissoras
nesse sentido. Todavia, sua implementação é impedida por falta de mecanismos
organizacionais e sistemas de apoio financeiro.
Neste caso, seria preferível usar um mecanismo semelhante ao usado pelo Sistema Econômico Latinoamericano (Sela), em que os países membros interessados em concretizar um projeto formam um “Comitê de Ação” especial.
Quanto ao esquema de financiamento, um ajuste do grupo sobre a cooperação dos bancos de desenvolvimento dos países membros poderia ajudar a elaborar mecanismos de financiamento.
Até agora, as funções de secretariado do Brics competiam à parte anfitriã da próxima cúpula, que mobilizava para isso seus diplomatas. A diversificação da temática e o volume crescente de atividades do grupo impõem a necessidade de haver um órgão permanente de coordenação que seja compacto, móvel e tenha imunidade contra a burocratização.
O Brics dificilmente poderá se manter afastado da problemática da segurança
internacional. Importa que seus países saibam reagir oportunamente aos riscos e
desafios de importância vital, entre os quais estão o tráfico de drogas nas
fronteiras, que em termos de baixas humanas equivale a conflitos armados
prolongados.
Os países do Brics estão na zona de ação dos dois principais centros de produção e distribuição de drogas: o afegão e o andino. Uma fraca interação entre os países atingidos pelas atividades do tráfico e entre as estruturas destinadas a combatê-lo poderá ter como consequência a erosão do Estado, da sociedade e da economia legal. Daí a óbvia necessidade de conferir regularidade à coordenação das ações das autoridades competentes dos países membros do grupo.
Quando avaliamos as perspectivas do Brics, não podemos nos permitir ter ilusões. O mundo está em uma fase de transição para uma ordem policêntrica. Em termos históricos, esse processo é muito longo.
Vladímir Davídov, acadêmico correspondente da Academia de Ciências da Rússia e
Diretor do Instituto de América Latina
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