Troika, a medida certa na vodca e no poder

Em frente ao prédio da Universidade Estatal de Moscou, Ana posa para foto Foto: Arquivo pessoal

Em frente ao prédio da Universidade Estatal de Moscou, Ana posa para foto Foto: Arquivo pessoal

Nossa leitora Ana Carolina Barth chegou à Rússia em 2006, aos 19 anos, para estudar relações internacionais. Formou-se no ano passado pela Universidade da Amizade dos Povos e hoje, aos 24, vive no Brasil, de onde nos envia um relato saudoso e faz planos de voltar a Moscou para um mestrado.

“Poder, não pode. Mas se você quiser muito, podemos dar um jeitinho”. Essa era uma frase típica do meu professor de gramática e literatura russa nos anos de faculdade em Moscou. Um tipo vivido, inteligente e nada hipócrita.

O que ele queria dizer com isso é que um “não” na Rússia nunca é definitivo. Da entrada em casas noturnas a requerimentos de visto, a primeira resposta que se ouve no país é: “não é possível”, “é proibido” ou “em circunstância alguma”. Porém, após um bate-papo ou uma troca de favores, tudo se resolve. Mais do que corrupção, isso é cultural.

Depois da Revolução Russa de 1917, o direito e as leis eram consideradas burguesas e contra o povo. Cada caso era um caso e cada um tinha julgamento diferente. No período socialista, pregou-se e tentou-se praticar a abolição do direito e do Estado.

A turma de relações internacionais durante a formatura, em 2011 Foto: Arquivo pessoal

Assim, a Rússia acabou desenvolvolvendo um instituto jurídico não muito usual no Ocidente, que é a Justiça Arbitral, onde qualquer cidadão maior de idade e mentalmente autossuficiente pode arbitrar para a solução de disputas sem intervenção de um juiz de direito ou qualquer outro órgão estatal.

Ana mostra o diploma Foto: Arquivo pessoal


Não havia uma lei que se aplicava a todos, e isso reflete na sociedade russa atual. Então, mais do que estruturas de frases ou nomes de autores russos, naquelas aulas eu aprendi a entender a cultura russa.

Serguêi Vladimirovitch sempre carregava consigo uma garrafa de 250 ml de “Putinka”, vodca que, não por acaso, é fabricada por uma companhia estatal. Ele dizia que era a medida perfeita para três dias.

Uma garrafa de vodca Putinka, a preferida do professor Serguêi Vladimirovitch Foto: Arquivo pessoal

O número três na Rússia é um muito forte, quase místico. “Troika”, por exemplo, é a palavra russa que designa um comitê de três membros. O termo se originou de um carro homônimo conduzido por três cavalos alinhados ou, mais frequentemente, um trenó puxado por cavalos. Na política, é usado para indicar aliança entre três parceiros do mesmo nível ou com o mesmo intuito. Ficou conhecida também durante a era soviética, quando uma comissão de três pessoas condenava cidadãos sem julgamento adicional. Além disso, no dia a dia, a troika também significa a quantidade perfeita de pessoas para rachar uma garrafa de vodca.

Tudo isso não se aprende em aulas convencionais. Serguêi Vladímirovitch raramente usava o quadro negro e o giz. Contava muitas anedotas, histórias de sua vida sexagenária e impressões russas. E entre contos de Púchkin e Tchekhov, essas aulas me trouxeram um conhecimento que não se aprende em livros.

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