Ilustração: Niyaz Karim
Durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, na semana passada, os empresários russos pareciam repetir um mesmo discurso, semelhante ao do governo. Usando palavras quase idênticas, os empresários queixaram-se dos canais internacionais de notícias sobre negócios, tais como Bloomberg e CNBC, quanto à “lacuna de percepção” entre a realidade russa e as visões internacional e ocidental sobre o país.
Quando questionados sobre os protestos populares após as eleições parlamentares na Rússia, no dia 4 de dezembro do ano passado, os empresários novamente afirmaram de maneira quase unânime que, em um país de 140 milhões de pessoas e cerca de 60 milhões de eleitores, algumas centenas ou milhares de manifestantes de rua representavam uma quantidade insignificante – embora alguns tenham admitido que tais cidadãos deveriam também ser ouvidos. Ainda durante o encontro, os empresários se abstiveram de responder perguntas diretas sobre o primeiro-ministro, Vladímir Pútin, ou sobre a política no país, e muito menos criticá-los. Esse comportamento não foi uma surpresa, levando em consideração o destino de oligarcas como Vladímir Gusínski, Boris Berezovski e Mikhail Khodorkovski.
Mas o que exatamente esses empresários querem dizer com “lacuna de percepção”? De certo modo, o governo russo, os empresários locais e os bancos de investimentos internacionais que operam no país têm notado que há anos os ativos russos são sub-valorizados em comparação a seus pares, tanto nos mercados desenvolvidos como em desenvolvimento.
Um exemplo clássico disso é a empresa de gás Gazprom, que há alguns anos foi por um breve período a maior empresa do mundo em termos de capitalização de mercado, enquanto os preços de commodities se mantinham elevados. Algumas pessoas no comando do governo e da Gazprom projetaram que a companhia logo passaria a valer o equivalente a US$ 1 trilhão.
Porém, é também de conhecimento geral que a Gazprom é usada pelo Estado para alcançar objetivos políticos. Isso leva à percepção de que a Gazprom não é gerida sob princípios fundamentalmente comerciais, o que impacta tanto sua linha de topo como de base – reduzindo consideravelmente seu valor de mercado.
Argumentos semelhantes podem ser aplicados a Rosneft e outras grandes empresas russas nas quais o governo detém a maioria da participação acionária.
O Estado, contudo, recusa-se a reconhecer essa razão para os relativamente baixos valores de mercado das empresas russas, preferindo culpar as supostas políticas ocidentais que teriam como objetivo o enfraquecimento do país.
Essas teorias conspiratórias reduzem a percepção da necessidade de mudanças internas e faz com que as empresas russas percam trilhões em capitalização e outras oportunidades.
Todos esses elementos são agravados pelo clima de negócios e péssima reputação da Rússia, que não melhorou sob o comando de Pútin. Especialistas russos dizem que a corrupção e a burocracia tornaram-se consideravelmente piores desde 2000 e agora impedem o desenvolvimento do país.
A política na Rússia e a constante série de notícias negativas que emanam do país enviam todos os sinais errados para o mundo externo. O desmembramento da empresa petrolífera Yukos e a prisão de Mikhail Khodorkovski, os diversos casos judiciários nos quais grandes empresas ocidentais perderam seu controle após investimentos consideráveis, e os mais recentes ataques a políticos, banqueiros, empresários ou jornalistas – todos esses fatores combinamos inibem os investimentos e fazem com que os preços dos ativos russos permaneçam abaixo do esperado. No ano passado, a BBC noticiou que empresários russos geralmente sofrem forte pressão para desistir de suas empresas. Ao se recusarem, eles não só perdem as companhias do mesmo modo, como acabam indo parar na cadeia. De acordo com a BBC, cerca de um terço dos empreendedores do país estão atrás das grades.
Porém, em vez de resolver o problema, o governo, muitos empresários e banqueiros internacionais preferem ignorar esses aspectos negativos e se concentrar exclusivamente nos negócios. De fato, embora esses indivíduos até apontem melhorias concretas para a Rússia, os correspondentes internacionais em Moscou, geralmente céticos, não aceitam sua versão da história, pois têm como contraponto a corrupção e a burocracia do país – frequentemente afirmando que a Rússia é um Estado de cleptocracia (isto é, governado por ladrões) e autoritário, cuja economia é baseada no petróleo. Ocasionalmente chegam a ressuscitar a antiga imagem da União Soviética.
Um dos paradoxos do Estado russo é que, embora possa parecer sob um ponto de vista externo forte e repressor para empresários rebeldes, é na verdade muito fraco – e provavelmente relutante – para criar um ambiente positivo para as empresas.
Infelizmente, a Rússia - como o Reino Unido depois da Segunda Guerra Mundial - perdeu um império e ainda não encontrou seu papel. O país continua sofrendo de arrogância imperial e mostra-se disposto a impor uma visão positiva sobre si para o resto do mundo. A Rússia simplesmente não entende que esse não é o caminho – e aí está o motivo para o fracasso de suas iniciativas voltadas à construção de uma imagem favorável.
Vladímir Pútin está promovendo agora uma campanha de estabilidade, mas nem ele nem a maioria dos russos entende quão rápido o mundo está se transformando e que a única opção é abraçar tais mudanças. Os países que não fazem ou não conseguem acompanhar tal evolução simplesmente ficarão para trás. É sobre essa verdadeira lacuna de percepção que os empresários russos em Davos deveriam ter falado.
Ian Pryde é fundador e diretor-executivo do grupo Comunicações e Estratégias da Eurásia, em Moscou
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