Os perigos de uma revolução russa

Ilustração: Aleksêi Iorch

Ilustração: Aleksêi Iorch

Embora a insatisfação da população russa com as ações do governo esteja crescendo, uma revolução no país é pouco provável

“Se o movimento de protesto continuar com o atual nível de intensidade, ele poderá alterar os resultados da eleição presidencial em março”, escreveu o The New York Times em uma reportagem sobre as ações de protesto realizadas em Moscou e outras cidades da Rússia em 24 de dezembro. As manifestações de protesto contra os resultados das recentes eleições parlamentares suspeitas de fraudes continuam ocorrendo na Rússia e alguns veículos de comunicação ocidentais menos prudentes do que o periódico nova-iorquino chegam ao ponto de prever, para breve, a mudança de poder no país.


Talvez tenham sido inspirados pelo discurso de um dos líderes do movimento de protesto, o blogueiro Aleksêi Naválni, que disse, no comício na avenida Sákharov, em Moscou, estar vendo na praça “pessoas suficientes para ir e tomar o Kremlin e a Casa Branca (sede do governo russo) agora”, mas prometeu não fazê-lo, por enquanto.

Afinal, haverá ou não uma revolução na Rússia? E se houver uma revolução, que força política chegará ao poder? Na verdade, seria melhor não haver nenhuma revolução, pois nem todos os manifestantes estão tão resolutos quanto Naválni.

Por exemplo, uma das figuras notáveis da oposição e enxadrista de renome internacional, Garri Kasparov falou no comício da necessidade de uma reforma do “regime putinista”, abstendo-se, entretanto, de exortações extremistas em favor da queda do regime atual. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre Konstantin Kossiákin, um dos ativistas da “Frente de Esquerda”, que apelou aos manifestantes para declarar imediatamente uma greve geral e bloquear as principais estradas. Seus apelos não encontraram eco entre os manifestantes.

Os atuais “revolucionários” russos não têm um líder único, pois os interesses de diferentes grupos de oposição são diferentes. “Estamos sob bandeiras diferentes”, disse Kasparov em seu discurso no comício.

Os líderes de diferentes grupos de oposição oferecem soluções diferentes para os problemas políticos do país. Por exemplo, a proposta do ex-ministro da Fazenda, Aleksêi Kúdrin, de “entabular um grande diálogo com o governo” foi rejeitada com os gritos “Vergonha!”. O multimilionário Mikhail Prokhorov, que está disposto a disputar a presidência com Vladímir Pútin, não é visto como líder sério na sociedade e foi acolhido no comício com os gritos “Volta a Courchevel!”, numa referência ao escândalo sexual na estância francesa de Courchevel em 2007 do qual foi protagonista.

Prókhorov pagou na mesma moeda e apelidou de passeio ao ar livre a ação de protesto na avenida Sákharov. Assim, outro líder oposicionista em potencial falhou em conversar com as massas populares.

Nem Prókhorov, nem quaisquer outros políticos relevantes de tendência liberal e direitista e de tendência ocidental têm o apoio da população russa. Prova disso são os resultados das eleições parlamentares de 4 de dezembro. Suponhamos que as eleições em causa foram fraudulentas para favorecer o partido Rússia Unida, dirigido pelo primeiro-ministro, Vladímir Pútin.

Mas é impossível acreditar que todas as fraudes tenham tido como alvo o partido Iábloko, de Grigóri Iavlínski, a única agremiação política entre os partidos concorrentes ao pleito que pode ser considerada, embora com muitas ressalvas, como liberal e democrática. Essa sigla, aliás, não conseguiu assentos no novo parlamento, o que não pode ser dito sobre os comunistas (Partido Comunista da Federação da Rússia, KPRF, na sigla em russo), os socialistas, o Rússia Justa, e os nacionalistas de Girinóvski (Partido Liberal Democrático, LDPR, na sigla em russo).

Essa relação de forças mostra que as verdadeiras preocupações da oposição (temos em vista boa parte da sociedade russa e não políticos isolados) não estão na ausência ou insuficiência de instituições da sociedade civil ou de outros indícios de uma sociedade democrática moderna na Rússia.

Os resultados das recentes eleições parlamentares atestam uma vez mais que, se a atual oposição russa chegar ao poder, ela provavelmente começará a construir uma sociedade com justiça social baseada no modelo comunista e terá como base ideológica a ideia de ressurgimento da União Soviética de acordo com os postulados programáticos dos comunistas, na melhor das hipóteses, ou “nacionalismo étnico” apregoado pelo LDPR, na pior.

Os ativistas liberais merecem grande respeito por estarem fazendo grandes esforços para a democratização da sociedade russa. No entanto, os frutos de seus grandes esforços poderão cair nas mãos dos comunistas e nacionalistas e não daqueles que desejam mesmo eleições justas e mais liberdades civis. Se uma hipotética revolução tiver esse desdobramento, não vou participar dela. 

Vladímir Bábkin - jornalista, ex-editor da gazeta "Izvestia"

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