Há pouco tempo estive em Moscou, mas também dessa vez não tive tempo suficiente para ver tudo que gostaria. Permaneci apenas três dias: de 31 de dezembro a 2 de janeiro. Decidi deixar de lado os monumentos e dedicar todo meu tempo às pessoas: aos amigos e à família que me acolheu em sua casa quando fazia intercâmbio.
Meu objetivo consistia em passar por todos os lugares em que meus amigos estariam celebrando a noite de Ano Novo sem gastar nenhum tostão, e assim cumprir minha promessa de ver todas as pessoas queridas em um curto espaço de tempo e, paralelamente, economizar algum dinheiro.
21h00
Comecei pela casa da família que me acolheu há alguns anos. É um casal com filhos gêmeos de 7 anos. Sempre celebraram o Ano Novo juntos, em casa, porque, segundo seu provérbio favorito, “diga-me como comemora o Ano Novo, e assim ele será”. Num dos cantos da sala, colocaram um pinheiro, colhido no bosque pelo pai, como manda a tradição familiar. Sua ponta chega até o teto e tem uma estrela que brilha quando está ligada; o resto da árvore está decorado com brinquedos antigos: carrinhos dos tempos soviéticos, figurinhas de chocolate, cosmonautas com bochechas rosadas e aves de papel. Depois da ceia as crianças foram dormir, e nós três continuamos na sala. Bebemos champanhe e assistimos televisão. Decidi deixar meus anfitriões antes da meia-noite, para dar a eles a oportunidade de comemorar o novo ano a sós.
23h40
O segundo ponto foi Lubianka, uma estação de metrô muito próxima à Praça Vermelha. Dali é possível ver os fogos de artifício sem entrar na aglomeração. Cheguei tarde e tive que correr para entrar no metrô. O trem estava a ponto de sair da estação e as portas do vagão estavam se fechando, por isso o maquinista me convidou para viajar ao seu lado. Foi a primeira vez na vida que viajei na cabine do maquinista! Ao fim da viagem, o maquinista me presenteou com uma garrafa de champanhe.
Saindo do metrô, continuei meu caminho em direção à rua Lubianka. Tive que passar por uma revista policial, onde as pessoas são obrigadas a deixar suas garrafas de bebida alcoólica. Meus amigos me esperavam do outro lado. Antes de entrar, escondi a garrafa de champanhe debaixo da blusa. Depois de ver os fogos de artifício, partimos e, de repente, meus amigos começam a escavar os montes de neve nas esquinas da rua.
- Escuta, não consigo encontrar nosso uísque, mas achei uma garrafa de rum! – comentou um amigo ao meter a mão na neve e tirar uma garrafa com um rótulo de Havana.
- Bom, pegue o rum, alguém encontrará nosso uísque também e assim será reestabelecida a harmonia universal – disse outro, feliz com a descoberta.
Agora entendo por que às vezes os russos não recolhem a neve das ruas: para esconder as garrafas dentro dela.
1h30
O terceiro ponto de parada foi uma casa noturna onde acontecia uma festa no estilo soviético. Depois de terminar a garrafa de rum com meus amigos, me despedi e fui andando para a festa. De repente, senti um cheiro insuportável e me dei conta de que alguns canos arrebentaram e a rua da festa havia se transformado em um rio de água fervente e lixo asqueroso. Um homenzinho vestido com um traje de obras tentava consertar o caos, já um pouco bêbado.
- Como posso chegar ao clube Dacha, na Boulevard Pokrovski, 18?
- Não é possível, está bem no fim da rua, a uns 700 metros. Terá que dar uma volta enorme... Bem, se quiser, posso levá-la.
- Mas como?
Não consegui dizer mais nada; o trabalhador me agarrou pelas mãos e me colocou sobre seus ombros. Caminhou cantando por todo o trajeto e ao chegar, me colocou no chão e disse “Feliz ano novo!”.
Dentro da casa noturna, as pessoas estavam vestidas com trajes dos anos 20 e dançavam swing. As paredes eram decoradas com fotografias de Gagárin, Lênin e trabalhadores felizes.
3h00
Fui para o outro lado da cidade, à casa de amigos arquitetos, onde os boêmios moscovitas faziam uma festa mais “intelectual”. A rua estava vazia. Pedi carona a uma viatura de polícia e 20 minutos depois cheguei ao apartamento de dois quartos, onde havia cerca de 50 pessoas.
Finalmente encontrei um amigo que estava jogando xadrez com um cachorro, completamente bêbado. Ainda me falta a última parada: uma “datcha” (casa de campo) nos arredores de Moscou, próxima a uma cidade chamada Lobnia, onde celebram o Ano Novo na “bania”, uma sauna no tradicional estilo russo.
Fazia frio, mas não havia neve. Após meia hora de espera passou um ônibus com cerca de 30 homens, todos vestidos de Papai Noel, que iam a Lobnia deixar seus trajes. Os coitados trabalharam o dia inteiro e agora voltavam para casa.
5h30
Desci do ônibus e fui ao encontro de meus amigos, que haviam terminado seu banho de vapor e nadavam em um pequeno lago perto da “bania”.
8h30
Um dos meus amigos me levou à sua casa para dormir. Na porta, nos deparamos com seus avós e nos sentamos para tomar chá com eles.
12h30
Acordei e olhei pela janela. Na rua, há um Papai Noel bêbado, talvez atrasado para pegar o ônibus com sentido a Lobnia. Seu bolso estava rasgado, e do furo caíam bombons. Dois vira-latas o seguiam, comendo os chocolates. Ventava muito e chuviscava. Os flocos de neve voavam para cima.
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