Medvedev, o animador de torcida

Ilustração: Aleksêi Iorch

Ilustração: Aleksêi Iorch

Seria errado concluir que o presidente Dmítri Medvedev espera que lhe deem de bandeja o cargo de primeiro-ministro em 2012 como pagamento pelos serviços e por sua lealdade. Na verdade, o atual presidente está trabalhando duro para conquistar essa posição.

Ainda em novembro de 2011, Medvedev participou de três eventos no Extremo Oriente. Presidiu em Khabarovsk uma sessão do Conselho de Estado que discutiu o aumento do papel das regiões na modernização da economia, encontrou-se com a imprensa do Extremo Oriente, também em Khabarovsk, e visitou o comitê público formado por partidários e membros regionais do Rússia Unida, em Iakútia.

As três reuniões foram praticamente idênticas, e fechadas pelo encontro do Rússia Unida. A coletiva a jornalistas foi anunciada como a primeira de uma série a ser realizada ao longo do mês. A principal ideia passada por Medvedev é que a Rússia já avançou muito em seu esforço rumo à modernização e poderia conquistar mais ainda por meio de um desenvolvimento econômico inovador, reduzindo a dependência do país por matérias-primas e melhorando suas instituições políticas.

Em todas essas reuniões, Medvedev não se comportou como presidente nem como primeiro-ministro.

Enquanto o premiê Vladímir Pútin atribuiu recursos financeiros do governo e fez promessas concretas quando presidiu minicongressos do Rússia Unida, o papel de Medvedev tem sido pintar um quadro positivo da atual conjuntura e agir como “o motor moral do desenvolvimento”, como ele mesmo diz.

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As regalias que Medvedev proporciona custam pouco e são, em sua maioria, de natureza simbólica – como, por exemplo, dar anualmente aos aposentados e estudantes do Extremo Oriente viagens grátis à porção europeia da Rússia, algo que Pútin havia prometido vários anos atrás – sem entregar.

As palavras de Medvedev aos governadores, que atuam como lobistas regionais durante a campanha eleitoral, são um slogan apropriado para a debate sobre modernização. O presidente disse: “A Rússia é um país onde é impossível sobreviver sem grandes projetos que ajam como um motor para o desenvolvimento”.

Embora seja discutível se são realmente “motores do desenvolvimento”, é inegável que projetos tais como o Nord Stream (o gasoduto do mar Báltico), os Jogos Olímpicos de Sôtchi 2014 e os planos para a chamada “Grande Moscou” (que vão transferir os prédios administrativos do governo para fora do centro da capital) fornecem um mecanismo pelo qual Pútin pode canalizar as receitas de gás e petróleo do país às contas bancárias de seus amigos oligarcas.

Do mesmo modo, o plano para desenvolver o turismo no Cáucaso do Norte é uma maneira eficaz para o governo de Moscou comprar a lealdade das elites políticas locais e seus amigos.

A prática tornou-se marca registrada do mandato Pútin-Medvedev. Os benefícios foram distribuídos de modo a satisfazer o apetite cada vez maior da elite empresarial fiel a Pútin, tais como o empresário do setor energético Guennádi Timtchenko, Arkádi e Boris Rotenberg, e o diretor do Banco Rossia, Iúri Kovaltchuk. Esses indivíduos, conhecidos como “oligarcas negros”, cuja prosperidade depende de suas estreitas alianças com o Kremlin, têm ganhado força considerável desde 2008.

Enquanto isso, o mesmo período foi marcado por contratempos para os “oligarcas brancos” da velha guarda, proprietários de grandes empresas reconhecidas internacionalmente.

Eles receberam uma importante injeção de fundos do Estado durante a crise econômica, mas pagaram por isso com a sensível perda de controle sobre seus ativos.

Durante a reunião de Medvedev com os governadores da região oriental da Rússia –encontro que era basicamente uma reunião do Conselho Federal –, vários outros grandes e extremamente onerosos projetos foram mencionados: uma ferrovia de alta velocidade de Moscou a Iekaterinburgo, uma terceira linha na ferrovia Transiberiana, uma ponte para a ilha Sakhalin, entre outros.

Nenhum oligarca tem interesses instituídos em muitos desses projetos clientelistas, aparentemente transformando-os em “programas do povo” a serem explorados pela elite política regional. E, como todos sabem, esses projetos não são concebidos para serem implantados, mas para criar a impressão de que as propostas de todos vêm sendo ouvidas e levadas a sério.

O que é impressionante é a forma como esses projetos, no valor de bilhões de dólares, se materializam repentinamente pouco antes das eleições para satisfazer o crescente apetite da elite política e econômica.

Aplicar dinheiro de forma imprudente em projetos de alto valor como esses também acaba reduzindo o conflito entre os clãs políticos, que seriam resultado da disputa por recursos limitados – sobretudo porque o dinheiro é prometido em nível regional, e não federal.

O importante é que Medvedev, seja na qualidade de vice-primeiro-ministro, quando dirigiu projetos nacionais de 2006 a 2008, ou como presidente, passou anos como uma espécie de diretor de relações públicas trabalhando dentro da limitada autoridade que lhe é concedida.

E nada mudou agora que ele é o principal candidato a primeiro-ministro.

Seu papel continua o mesmo no sistema político dominado por um único indivíduo: seu cargo pode mudar, mas, na essência, ele permanecerá um mero animador de torcida para os projetos executados pela “Rússia Ltda.”, liderada por Pútin.

Nikolai Petrov é acadêmico do Centro Carnegie de Moscou.

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