Rússia adota parto anônimo para diminuir abandono de recém-nascidos

Rússia pretende institucionalizar uma rede das chamadas “portinholas de bebês” ou “janelas de esperança”

Rússia pretende institucionalizar uma rede das chamadas “portinholas de bebês” ou “janelas de esperança”

Preocupada em reduzir o número de recém-nascidos abandonados pelas mães, a Rússia pretende institucionalizar junto às maternidades e hospitais infantis uma rede das chamadas “portinholas de bebês” ou “janelas de esperança”. Trata-se de uma espécie de guichê em que uma mulher que tenha dado à luz pode deixar, anonimamente e sem a possibilidade de ser identificada e responsabilizada judicialmente, seu bebê recém-nascido, que posteriormente poderá ser encaminhado para adoção.

Enquanto a nova Duma de Estado (câmara dos deputados do parlamento russo) se prepara para examinar o projeto de lei destinado a legalizar a prática de “portinholas de bebês”, em Sôchi, cidade no litoral do mar Negro e sede das Olimpíadas de Inverno de 2014, uma menina foi deixada em um hospital nessas condições no final de novembro, e já foi levada para adoção.

As “janelas de esperança” já funcionam em Perm, nos Urais e devem surgir, com o apoio financeiro do governo, em São Petersburgo, Krasnodar, Omsk, Tomsk e Novossibirsk, assim como nas regiões de Rostov, Kirov e Iaroslavl.

Um pacote de emendas à Lei nº 124, destinadas a legalizar a prática de “portinholas de bebês”, já deu entrada na Duma de Estado, mas a iniciativa ainda causa polêmica na sociedade.

Infanticídio contra a vontade

Segundo a Procuradoria Geral da Rússia, mais de 200 crianças por ano morrem pelas mãos dos próprios pais. Na maioria dos casos, as mães infanticidas citam como causas do crime a pobreza e problemas cotidianos.

“No grupo de risco estão as famílias disfuncionais e pais adolescentes”, esclarece Oksana Verévkina, chefe do setor de proteção à criança e ao adolescente da polícia de São Petersburgo. Segundo Verévkina, este ano, somente em São Petersburgo, foram registrados seis casos de morte de recém-nascidos, dos quais alguns de morte violenta.

“A taxa de incidência de infanticídios evidencia uma crise da família e impõe a necessidade de solucionar o problema da proteção à maternidade”, afirma Elena Kótova, presidente da Fundação de Caridade de Perm para a Defesa dos Direitos da Criança à Vida e Educação na Família.

Neste ano, na região de Perm, foram encontrados sete bebês mortos. Geralmente, o crime de infanticídio é cometido por mulheres abandonadas que já têm filhos. “Elas matam seus bebês recém-nascidos por medo de não poderem alimentar sua já grande família”, disse Kótova. “Elas estão com medo de que o nascimento de mais um bebê leve sua família à miséria e que os órgãos de tutela lhes tirem seus filhos mais velhos.”

“Essas mulheres costumam esconder sua gravidez e preferem dar à luz clandestinamente em casa”, diz a diretora do serviço de bebês prematuros do  Centro de Saúde Infantil da Academia de Ciências Médicas da Rússia, Irina Beliáeva.

Parto anônimo é uma saída de emergência

É para essas mulheres que foi criado um serviço de parto anônimo. “Uma mulher que deixar seu bebê recém-nascido nessa “portinhola de bebês”, pode, depois, ir a um tribunal e provar que, naquele momento, essa foi a melhor solução para  sua criança. Também pode provar, através de testes de DNA, que é sua mãe e levá-la, o que não seria possível se ela tivesse deixado sua criança no lixo”, diz Elena Kótova.

“Se uma mulher sente não poder cumprir seu dever de mãe, ela deve ter a possibilidade de abandonar anonimamente sua criança. Se existe a possibilidade de dar à luz anonimamente em uma maternidade, é bom”, diz Irina Kholódnaia, delegada do Encarregado de Direitos da Criança em São Petersburgo.

“Mas a mulher nessa situação dificilmente desejará atravessar a cidade para dar à luz em um hospital de forma anônima”, assinala Kholódnaia, acrescentando que nem todos os povoados têm hospitais públicos ou privados onde se pode dar à luz sob a condição de anonimato.

Para Elena Kótova, a “janela de esperança” é apenas uma solução de emergência: “Seria melhor que a portinhola de bebês estivesse sempre  vazia e os bebês nunca fossem deixados no lixo”.

“Se houver alguma esperança de que, ao invés de matar o bebê, sua mãe o abandone de forma anônima, salvando assim sua vida, não vejo nada de mau nisso”, afirma Borís Altchúler, presidente da Comissão de Assuntos Sociais da Câmara Pública da Rússia.

Questões não resolvidas

 

“A instalação de “janelas” para os bebês abandonados não resolve o problema dessas mulheres. É preciso ajudar a tempo as mulheres grávidas em situações de crise”, afirma o arcipreste Gueórgui Róchin. “Os meios de comunicação, organizações estatais, igrejas, escolas e entidades sociais devem fazer o possível para que a instalação dessas “janelas” não venha a acontecer no país”, completa o religioso.

Alguns especialistas receiam que a institucionalização dessaa prática venha a provocar um abandono infantil maciço. “As “portinholas” podem ser usadas por mulheres que ainda hesitam em se desfazer de seus filhos e ainda podem ser persuadidas a ficar com a criança”, diz a psicóloga Natália Semiónova. “Temos muitos serviços de prevenção do abandono infantil. Eles funcionam bem e fazem com que as crianças permaneçam na família. A legalização da prática de “portinholas de bebês” poderá estimular as mulheres a deixarem suas crianças.”

O Encarregado de Direitos da Criança junto à Presidência, Pável Astákhov, afirmou repetidamente que, em muitos países, as “portinholas de bebês” são proibidas ou sua eficácia ainda não foi provada.

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