Votamos apenas por desaforo

Ilustração: Niyaz Karim

Ilustração: Niyaz Karim

Os resultados das recentes eleições parlamentares não agradaram a uma ampla camada da sociedade russa com acesso à internet e chamada, portanto, de “Rússia da Web”, ao contrário da outra parte que está colada à televisão e é chamada de “Rússia da TV”. Boa parcela dos russos mais instruídos e informados se sentiu enganada ao assistir aos episódios de fraudes eleitorais registrados em vídeo e postados na web já no dia da votação parlamentar na Rússia, que aconteceu em 4 de dezembro.

As explicações dadas pelas autoridades no sentido de que os vídeos em que aparecem pessoas depositando nas urnas as cédulas de votação previamente preenchidas teriam sido filmados em seções eleitorais fictícias ou em apartamentos particulares não foram a melhor resposta nessa situação. Obviamente, esses fatos - testemunhados inclusive por observadores eleitorais - exigem pelo menos uma condenação e a promessa de serem cuidadosamente investigados.

Os casos de fraude em Moscou e São Petersburgo foram ainda mais revoltantes. A diferença entre os resultados oficiais e os das pesquisas de boca de urna foi de 15% a favor do partido Rússia Unida.

No entanto, os protestos contra os resultados das eleições foram espontâneos e não incentivados pelos três partidos oposicionistas que conseguiram assentos no novo parlamento - e também reclamaram de vários casos de fraude até saberem de seus resultados. Os dois primeiros dias de protestos em Moscou e São Petersburgo terminaram com a prisão de centenas de pessoas e a condenação do ativista da oposição Iliá Iáshin e do blogueiro Alexêi Naválni. Ambos foram condenados a 15 dias de prisão.

As perspectivas de alastramento do descontentamento social parecem ser mínimas, e isso não se deve apenas à chegada do inverno - poucos se atreveriam a protestar na rua no inverno russo, a menos que se trate de uma questão de importância vital. Podemos, por enquanto, falar de uma irritação crescente, mas não claramente formulada, com a conduta da elite governante, personificada pelo Rússia Unida.

A sigla cometeu uma série de erros graves em sua campanha eleitoral e não pôde reagir devidamente às questões indigestas que normalmente surgem em qualquer país em uma época de dificuldades econômicas. Nem anunciou claramente sua posição em relação ao combate à corrupção, comumente associada à burocracia governante. Por último, na fase final da corrida eleitoral, o partido poderia ter planejado melhor sua tática eleitoral e evitado cometer infrações tão flagrantes. Isso lhe permitiria obter uma maioria relativa dos votos e lhe daria, para padrões europeus, uma vitória mais pura sobre a oposição que, por seu turno, não conseguiu apresentar um slogan eleitoral mais atrativo nem um novo líder interessante e carismático.

Os programas eleitorais da oposição foram obscuros e seus representantes foram apáticos nos debates televisivos. O aumento dos votos atribuídos aos partidos da oposição pode ser explicado não por uma boa campanha eleitoral, mas pelo desejo dos eleitores cansados do Rússia Unida de votar contra o partido somente por desaforo.

Mas revoluções não nascem do desejo de votar só por desaforo nem das manifestações de multidões ideologicamente heterogêneas e compostas de nacionalistas, anarquistas, estudantes, jornalistas e aventureiros. Desses tumultos só pode nascer uma revolta insensata e passageira que rapidamente perderá seu ímpeto revolucionário. A chamada oposição “não sistêmica” não tem um líder carismático, capaz de atrair e organizar as pessoas insatisfeitas com o atual governo, em uma sociedade atingida há muito pela apatia política.

O aspecto demográfico também merece destaque. A Rússia é um país de idosos em comparação com os países árabes, impulsionadores da “primavera árabe”. A idade média dos egípcios é de pouco mais de 20 anos, enquanto a idade média dos russos está bem perto de 40 anos. Geralmente, aos 40 anos, poucos estão inclinados a protestar na rua. Além disso, na Rússia, os jovens têm mais oportunidades de ascender socialmente do que em países pobres do Oriente Médio como Egito, Síria e Iêmen.

As autoridades devem aprender a reagir oportunamente à irritação acumulada na sociedade e a dialogar com os grupos de protesto. Se isso não acontecer, jovens começarão a votar apenas por desaforo contra o Rússia Unida, podendo eleger comunistas que não escondem suas simpatias por Stálin e seus métodos de governo. Se essas pessoas chegarem ao poder, a “Rússia da Web” simplesmente deixará de existir, tal como as eleições livres e mais ou menos competitivas.


Gueórgui Bovt é um comentarista político baseado em Moscou

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