Foto: Reuters
Vzgliád:
Os
defensores russos de Muammar Gaddafi confirmam que na Líbia socialista de
Jamahiria o PIB per capita atingiu até 14 mil dólares, não havia gastos de
serviços públicos, davam um incentivo financeiro aos recém-casados, distribuíam
empréstimos sem juros, parte dos remédios era concedida gratuitamente e o
estado ajudava jovens a comprar apartamentos para as famílias. Isso tudo é
verdade?
Veniamin Popov: Realmente, para o
povo, havia uma série de benefícios e muitos tinham um alto nível de renda. O
que explica porque Gaddafi estava no poder há 42 anos. O principal do regime de
Gaddafi era que ele se chamava de líder da revolução líbia. Ele não ocupava o
cargo oficial. Quando era necessário dar uma resposta à sociedade, mas ele não
queria, dava a palavra ao primeiro-ministro, pois ele era a "face não
oficial". Mas, na verdade, ele tinha tudo nas mãos. Essa experiência
existe desde 1977. Além dos benefícios sociais, Gaddafi enviou um monte de
dinheiro para atividades terroristas e subversivas.
Vzgliád: O assassinato de Muammar
Gaddafi é um momento divisor de águas para o país, como vai ser de agora em
diante?
VP: A situação será muito
complicada. Alguns focos de resistência continuam do mesmo jeito. As
resistências não serão tão organizadas, mas as ações subversivas vão continuar.
No entanto, o mais importante é como organizar todo o país novamente. Deve
haver algum tipo de núcleo unificador. Esse país é composto de várias peças e
das mais diversas tribos, que ainda são muito influentes até hoje. Quando o
poder passou para as mãos do Conselho Nacional de Transição (CNT), eles não
conseguiram criar um governo. O motivo é que cada cidade exigiu ter mais postos
nos ministérios que outras.
As milícias mais organizadas são a dos
islamistas. Eles são a única força que, na ausência do regime, pode tomar algum
tipo de decisão. Eles têm armas. Por isso ainda não se sabe como a situação vai
se desenrolar no futuro. Agora, os relacionamentos entre os próprios rebeldes
armados começam a se esclarecer. Não é fácil trazer tudo a um denominador comum
e apresentar uma ideia que uniria todos os líbios. Em primeiro lugar, é preciso
construir uma vida pacífica, mas isso é difícil: há muitos mortos, e isso
significa vingança. Além de muitas ruínas.
Vzgliád: Você ficou de algum modo sensibilizado quando soube da morte de Muammar Gaddafi, com quem teve de negociar mais de uma vez?
VP: Há algo de sinistro quando se
mostra um homem assassinado e todo o mundo fica feliz. Talvez a história depois
coloque tudo em seu devido lugar. Eu entendo a mentalidade das pessoas que lutaram
e morreram lá. Mas, junto a isso, mostrar o cadáver o tempo todo na televisão
não produz uma impressão das mais favoráveis. Depois de algum tempo, a imagem
de hoje vai mudar. Então nós teremos a realidade de forma objetiva. Como disse um
dos meus amigos líbios, ainda não está claro como a situação se desdobrará finalmente
na Líbia e quem realmente ficará no poder. Para isso acontecer vai levar algum
tempo.
Não podemos excluir o fato de que, quando for realizada uma eleição em maio na
França e os socialistas chegarem ao poder, eles ainda estarão envolvidos na
investigação, porque Paris tem feito parte nessa guerra. Do mesmo modo que foi
relatado que, primeiro, aviões da Otan bombardearam os dois carros com Gaddafi,
e depois houve o tiroteio.
Talvez fosse novamente uma operação conjunta. Não é por acaso que a secretária de Estado dos Estados Unidos Hillary Clinton disse que Gaddafi ou foi morto ou capturado. Ela parecia saber alguma coisa, tinha alguma informação. Os detalhes vazaram depois.
Vzgliád: Especialistas acreditam
que após a eliminação de Gaddafi não pode ser descartada uma completa
desintegração do país.
VP: Eu não gostaria disso. Este cenário é muito sombrio. Entre os líbios há muita gente sensata. Mas uma relação transparente pode levar realmente muito tempo, quem é o dono real, e quem pode unir o país. Hoje, essa força não é visível. Há demasiados interesses tribais, cidades separadas, há um perigo real. Mas a própria vida pode obstruir uma escolha em favor de que se reconstrua a economia arruinada mais rápido e se estabeleça uma situação normal. Mas certamente haverá confronto. É o destino de toda revolução. Começar uma revolução, assim como a guerra, é sempre fácil, mas o que acontece em seguida é sempre difícil dizer.
Vzgliád: Na sua opinião, por que Gaddafi,
embora ele tivesse a chance, não deixou o país, mas preferiu aceitar a luta?
VP: Ele mesmo disse que não iria
deixar a Líbia. Apesar da excentricidade, ele tinha o seu próprio sistema de
valores e atitudes. E depois, ele foi por 40 anos proprietário de um estado
muito rico, seu líder absoluto. Ele podia fazer tudo o que queria. Além disso,
ele era um político muito adaptável e tomou medidas que deveriam impedir que
ele tomasse o destino de Saddam Hussein. Mas todo político tem o seu Waterloo.
Vzgliád: Qual a probabilidade de
que, após sua morte, Gaddafi se torne um mártir aos olhos dos habitantes do
país?
VP: O modo como ele será lembrado pelos líbios vai depender do que aguarda o país no futuro. Se a vida for pior, então Gaddafi torna-se um mártir e um herói. Se a oposição conseguir criar um estado democrático, então o coronel, aos olhos dos habitantes do país, continuará a ser um ditador.
A Líbia como um estado só existiu na presença de Gaddafi, ele conseguiu unir o
país de uma maneira incompreensível para nós. Mas o mundo mudou, a era da
globalização chegou. Os jovens querem agora participar na direção do governo, e
não somente ouvir o que seus líderes têm a dizer. A época dos líderes terminou
para sempre, e Gaddafi foi o último de seus representantes.
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