Quem liga para as eleições da Duma?

Ilustração:  Aleksêi Iorsh

Ilustração: Aleksêi Iorsh

Alguém ainda acredita que as eleições do dia 4 de dezembro para a Duma (a câmara dos deputados da Rússia) sejam relevantes? Se alguém pensar que sim, deve pertencer a uma reduzida minoria, já que o anúncio de que Vladímir Pútin está retornando à presidência na próxima primavera tem consumido toda a atenção do cenário político.

Com Pútin e Dmítri Medvedev predestinados a se tornarem os próximos codirigentes do todo-poderoso Executivo russo, quem se importaria com a composição de um órgão legislativo inferior, cuja única função, de acordo com a crença generalizada, é imprimir as ordens do Executivo – um corpo que seu próprio porta-voz define como não sendo um “lugar para discussões políticas”?

A Duma tem importância – assim como a eleição que define seus integrantes –, principalmente na elaboração do orçamento do Estado. Além disso, oferece uma plataforma adequada para as regiões pleitearem suas necessidades perante o governo federal. Isso atrai à Duma inúmeros lobistas que representam interesses específicos.

Toda região ou cidade grande vislumbra a necessidade de ter um representante na Duma. Além disso, a posição de deputado na Duma carrega consigo algum prestígio – bem como imunidade. Muitos empresários ricos procuram se filiar à Duma para elevarem seu perfil público e se protegerem de processos criminais. Os parlamentares brigam – literalmente – pela oportunidade de ser eleitos, geralmente vitimando alianças políticas durante a disputa. Por exemplo, ao saber que tinha sido excluído da lista eleitoral do partido Rússia Unida, um velho membro do partido, Serguêi Chichkariev, ofereceu suas habilidades legislativas ao Partido Comunista. Depois de uma avaliação cuidadosa, os comunistas recusaram a generosa oferta.

Especialistas preveem que a composição da próxima Duma seguirá a fórmula “3+2”. Quer dizer: apenas três partidos políticos irão superar a margem de 7% exigida para entrar na Câmara Baixa do parlamento e formar facções de pleno direito na Duma. Além disso, outros dois partidos irão obter entre 5% e 7% dos votos e, de acordo com mudança recente na lei eleitoral, ocuparão um ou dois assentos. 

A santíssima trindade dos partidos cuja presença na Duma é apenas uma garantia será composta pelo Rússia Unida, pelo PC (Partido Comunista) e pelo PDL (Partido Democrático Liberal). Entendendo que seus lugares na Duma estão garantidos – e cientes de que não terão permissão para constituir bancadas cujos tamanhos ameacem o domínio do Rússia Unida –, o PC e o PDL decidiram conduzir campanhas eleitorais moderadas. 

Os programas eleitorais de ambos representam a convencional mistura de generosos gastos públicos com uma leve crítica ao Rússia Unida – mas não a Vladímir Pútin pessoalmente. Nenhum dos programas inclui quaisquer propostas ousadas ou mesmo originais. Aguardando ansiosamente pela eleição, o PC conta com a lealdade perene de seu público e com uma sólida rede de organizações partidárias regionais, enquanto o PDL, como de costume, irá se aproveitar das divertidas aparições televisivas de seu líder, Vladímir Jirinóvski.

O partido Causa Direita, depois de expulsar seu líder e principal patrocinador, Mikhail Prôkhorov, em um golpe interno, perdeu qualquer chance de entrar na Duma, e a eleição será particularmente difícil para o partido Rússia Justa. Depois da saída de seu líder, Serguêi Mironov, do comando do Conselho Federal, o partido perdeu suas fontes administrativas do passado. Além disso, as deserções de altos membros do partido e financiadores o têm enfraquecido ainda mais. 

Assim, o inesperado vencedor da próxima eleição pode vir a ser o moribundo partido Iábloko. De acordo com rumores que circulam por Moscou, a gestão presidencial não abandonou completamente a ideia de ter um partido liberal na próxima Duma. Depois de exterminar o projeto Prôkhorov, o Kremlin voltou sua atenção ao Iábloko e decidiu nomear o respeitado economista Grigóri Iavlínski, considerado liberal, como líder do partido. O Iábloko pode, portanto, se unir ao Rússia Justa e se tornar o segundo “minipartido” na Duma, seguindo a fórmula “3+2”.

A grande dúvida que resta é se o Rússia Unida será capaz de vencer a maioria constitucional. No passado, para alcançar essa posição, o partido contava com dois importantes fatores: a popularidade de Pútin e a excelente máquina de campanha eleitoral do Rússia Unida. Neste ano, dois fatores adicionais entraram no jogo: a Frente Popular da Rússia de Pútin e a liderança de Medvedev na lista eleitoral do Rússia Unida. 

Mas o burburinho em torno da criação da Frente Popular não conseguiu, até agora, aumentar os índices decrescentes do Rússia Unida e, pelo menos por enquanto, a substituição do nome de Pútin pelo de Medvedev nas cédulas de votação tem apenas confundido os dirigentes da campanha. 

Os acontecimentos recentes apresentam um desafio para o próprio Medvedev. Por um lado, como presidente, ele prometeu garantir uma eleição limpa e honesta. Por outro, seu futuro na política depende agora dos resultados que o Rússia Unida obtiver em dezembro. 



Evguêni Ivanov é comentarista político em Massachusetts e redator do blog The Ivanov Report.

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