Foto: TASS
O financiamento imobiliário continua crescendo na Rússia, após a queda observada em 2009. De acordo com os resultados dos três primeiros trimestres de 2011 – ao contrário das previsões pessimistas –, os russos receberam empréstimos imobiliários num valor total de 396,6 bilhões de rublos, duas vezes mais do que o índice registrado durante o mesmo período no ano passado, segundo dados apresentados pela Agência de Empréstimo e Financiamento Imobiliário (AEFI). De acordo com a previsão da agência, até o fim do ano os créditos imobiliários irão atingir a marca dos 640 bilhões de rublos, chegando perto do nível pré-crise.
Não é uma taxa recorde de crescimento: em 2010, o mercado hipotecário cresceu 3,6 vezes, embora o motivo tenha sido o fato de que, em 2009, os empréstimos sofreram um impasse devido à falta de ativos líquidos dos bancos. A recuperação do mercado em 2011 foi ajudada pela moderação dos programas de hipoteca dos bancos e pela redução de suas taxas de juros – de acordo com informações da Penny Lane Realty – a um mínimo histórico: em média, 11,9% em rublos, e 9,6% em dólares americanos; essas são as duas principais moedas utilizadas na concessão de créditos imobiliários. Além disso, a demanda acumulada também desempenhou um papel importante nesse cenário, já que, durante os tempos de crise, os russos foram adiando grandes aquisições por crédito para momentos de maior prosperidade.
“O financiamento imobiliário se tornou evidentemente mais acessível”, diz Aleksandr Osin, economista-chefe do Finam Management Company, sugerindo que “70 a 80% do aumento foi gerado pelo programa estatal de apoio a empréstimos imobiliários” no valor total de 250 bilhões de rublos, instituído para apoiar o nível favorável das taxas abaixo dos 11% em rublos e estabelecer restrições no pagamento inicial (ou entrada) – não mais do que 20% do valor do imóvel. O diretor geral do Centro de Análise da Miel Holding, Vladislav Lutskov, menciona a “situação favorável dos preços do petróleo nos primeiros seis meses de 2011”.
De acordo com os dados da AEFI, o aumento de cerca de empréstimos é observado em todas as regiões do país, incluindo o extremo leste e a Sibéria. Em termos de capital, a maior parcela das transações hipotecárias tradicionalmente pertence a Moscou e à sua região, onde os cidadãos possuem os maiores rendimentos da Rússia e onde está concentrado um terço dos bancos de varejo: segundo a AEFI, esse ano, a instituição já concedeu empréstimos imobiliários num valor total de 80 bilhões de rublos. Em Moscou, de acordo com os dados do Serviço Federal de Inscrição Estadual, Cadastro e Cartografia da Rússia (Rosreestr, da sigla em russo), a maioria dos financiamentos são registrados no mercado de imóveis já existentes. Esse é o mercado menos arriscado – o novo proprietário recebe imediatamente os documentos confirmando seus direitos de propriedade e pode se mudar para o imóvel imediatamente.
Pagando
três vezes mais
Ksenia, 28, é diretora de arte em uma agência publicitária e se mudou para Moscou há seis anos. Durante todo esse tempo, alugou uma casa na capital, mas em maio decidiu pedir um empréstimo imobiliário. O apartamento de um dormitório, com 20 metros quadrados, próximo à estação do metrô Preobrajenskaia Plochtchad, relativamente perto do centro e próximo a seu local de trabalho, custou a ela 3,7 milhões de rublos. Segundo Ksenia, 3 milhões do montante foram emprestados por um banco e o restante – 700 mil – ela deu do próprio bolso como entrada.
“O empréstimo é concedido em dólares americanos a juros de 9,5% ao ano. É uma taxa baixa – para fazer um empréstimo em rublos, me oferecerem um plano com juros de 12% anuais”, conta. A duração do empréstimo é de 25 anos, com pagamentos mensais iguais no valor de mil dólares por mês, com os juros cobrados pelo empréstimo já embutidos nessa quantia. Durante esse período, o apartamento permanece sob posse do banco.
Ao pegar um empréstimo imobiliário em moeda estrangeira, Ksenia irá pagar um valor mensal menor; no entanto, assumiu um grande risco: seu salário é pago em rublos. Durante os últimos três anos, a taxa de câmbio em relação ao dólar caiu até 30%, com um dólar chegando a custar 31 rublos, e é impossível prever o que vai acontecer nos próximos 25 anos. “Eu peguei o empréstimo imobiliário em dólares, porque me encaixei nas restrições do banco, dentre as quais não daria mais do que metade da minha renda mensal oficialmente comprovada. Para pegar um empréstimo em rublos, eu iria exceder esse limite”, explica. Por esse mesmo motivo, ela estendeu a quitação do empréstimo ao período máximo oferecido pelo banco.
As pesquisas mostram que, em geral, os russos não consideram os empréstimos imobiliários vantajosos, principalmente por causa dos juros excessivos, e, quando fazem acordos desse gênero, tentam quitá-los antes do tempo. Os banqueiros explicam que o juros é calculado com base na taxa de inflação anual (8-10%) e em sua margem, embora o financiamento em si saia por muito menos. “O valor a ser pago pelos próximos 25 anos vai encarecer o apartamento em 300% quando comparado ao custo original”, diz Ksenia. O excedente será, parcialmente, reembolsado pela valorização do imóvel, ainda que os analistas não prevejam nenhum grande aumento no valor dos imóveis similar ao anterior (quando, ao longo de 20 anos, o preço médio do metro quadrado no mercado de imóveis existentes cresceu de 150 para 7000 dólares). Entretanto, por causa do déficit de residências prontas em Moscou, os imóveis continuam subindo de preço.
Por enquanto, Ksenia não tem esperança de obter o retorno do empréstimo, mas o valor do pagamento mensal se adequa às suas condições: “Costumava pagar 25 mil por mês pelo aluguel do apartamento; agora meus gastos aumentaram um pouco, mas, por outro lado, fazem parte das despesas com o meu apartamento”. Além disso, ela confessa que parte do seu salário “é pago por fora”, portanto pode usá-lo para cobrir os gastos adicionais, caso haja uma maior desvalorização do rublo. No pior dos cenários, segundo ela, poderá refinanciar a dívida, por exemplo, no AEFI, que usa fundos estatais para adquirir créditos problemáticos de bancos, ou poderá vender seu apartamento para o banco. No entanto, se ela decidir finalizar a transação ainda nos primeiros cinco anos, o banco não irá retornar os pagamentos mensais, pois estes serão utilizados para saldar os juros restantes.
Imóveis recém-construídos: uma aquisição arriscada em troca da economia proporcionada
O empréstimo imobiliário não é o principal meio de adquirir um imóvel na Rússia: de acordo com a AEFI, a participação do crédito imobiliário no mercado é, neste ano, de apenas 17,4% em relação a todas as transações imobiliárias. Os russos fazem a maioria das aquisições imobiliárias participando de projetos de construção com capital próprio ou investindo no mercado imobiliário ainda em fase de construção, isto é, em edifícios novos com vários andares, o principal tipo de residência nas cidades russas.
A lógica desse sistema de construção é a seguinte: uma empresa anuncia o início de uma construção e vende apartamentos de um prédio que ainda não existe; o edifício é então construído de acordo com a quantidade de dinheiro arrecadado. É vantajoso tanto para os compradores – o preço nessa fase é 30-60% mais baixo do que após o término da construção –, como para as incorporadoras, que conseguem capital para desenvolver o projeto durante o período de construção – de 2 a 5 anos – em vez de tomar um empréstimo que os custaria de 10-13% em juros ao ano. Além disso, o comprador não precisa apresentar qualquer documento relacionado à sua renda e pode pagar a maior parte do valor do apartamento por meio de um plano de parcelamento, às vezes até mesmo sem juros, mas apenas até o final da construção. Caso não consiga pagar o valor integral, o comprador pode revender seus direitos sobre o imóvel em construção e, assim, obter seu dinheiro de volta com um lucro considerável.
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Os Levachovs compraram um imóvel nesse esquema: em 2008, adquiriram um apartamento de 40 metros quadrados com dois dormitórios, localizado a 7 quilômetros de Moscou, por 3,05 milhões de rublos. “Era uma época de crise, os bancos pararam de ceder empréstimos imobiliários, e a Azbuka Jilia Company – interessada em vendas – ofereceu esse programa para nós”, conta Tatiana Levachov. De acordo com os termos da transação, o casal pagou 60% do custo total de uma só vez e o restante foi dividido em parcelas de 72 mil rublos por mês, a serem pagas durante pouco mais de um ano e meio. Desse modo, como diz Tatiana, eles pagaram apenas 7% a mais em relação ao custo inicial de 2,8 milhões de rublos. Levando em consideração o aumento do preço dos imóveis novos na região de Moscou, que é em média de 10% ao ano, o excedente pago já foi compensado.
Na Rússia, a maioria dos chamados imóveis econômicos é construído sob a mesma lógica, uma vez que grande parte dos russos não possuem muitos recursos financeiros. Esse é também o principal veículo de investimento entre as pessoas que detém uma pequena poupança e intenção de revenda. Seu principal ponto negativo é o fato de ninguém garantir que a incorporadora terá recursos financeiros suficientes para concluir a construção ou de que a empresa não passa de um bando de vigaristas. Nesses casos – agora raros, devido ao endurecimento da legislação e à consolidação do mercado – os compradores simplesmente perdem seu dinheiro ou só conseguem recuperá-los judicialmente com muita dificuldade. Além disso, o comprador só pode registrar um apartamento como sua propriedade depois do registro oficial do novo imóvel pelas autoridades, o que leva cerca de dois anos depois de ter adquirido a propriedade.
Planos
para Moscou
Ao longo dos últimos 20 anos, a cidade Moscou cresceu muito em termos de construção civil, aspecto favorecido pelo rápido aumento dos preços dos imóveis: em 20 anos, o preço de um apartamento em Moscou aumentou, em média, 70 vezes, uma valorização de até US$390 mil, e o metro quadrado passou de US$$ 150 para até $ 7 mil, de acordo com cálculos realizados pelos analistas da Incom Corporation. Paralelamente, a política de planejamento urbano da capital permaneceu inalterada desde 1984, resultando no acúmulo de problemas relacionados ao transporte. No ranking IBM 2011, por exemplo, a cidade de Moscou ocupou o primeiro lugar na Europa na classificação das piores cidades para os proprietários de carro.
O novo prefeito da cidade, Serguêi Sobiânin, decidiu reduzir a construção civil na capital tanto quanto possível, cancelando – segundo ele – 200 contratos de investimento no valor total de 35 bilhões de rublos, que haviam sido firmados sob as ordens de seu predecessor, Iúri Lujkov. Também foi decidido liberar a construção em massa de moradias apenas em alguns distritos, e somente desde que vias de acesso sejam construídas nessas áreas. Assim, a oferta no mercado vai diminuir, o que, sem dúvida, provocará algumas alterações no mercado imobiliário da capital. Mas, a longo prazo, o fator mais influente será a decisão tomada pelo prefeito e pelas autoridades federais, e anunciada em junho: dobrar o território da capital e transferir parte dos centros administrativos para essas novas áreas.
O prefeito da capital prometeu que seus procedimentos terão um impacto positivo na transparência dos processos da construção civil e na solução dos problemas dos compradores enganados – ou seja, aqueles que pagaram por seus apartamentos em imóveis novos construídos até 7 anos atrás, mas que ainda não tiveram acesso a eles por fraude das incorporadoras ou pela lentidão das obras. De acordo com o governador Boris Gromov, até 2011, a região de Moscou – onde os “esquemas enganosos” de construção eram populares – tinha 39 imóveis residenciais não concluídos desse tipo, alguns deles localizados no território anexado. Sobiânin prometeu resolver esses problemas da mesma maneira usada em Moscou, onde encontraram novos investidores para concluir os projetos.
Investimentos
Especulativos
As decisões do prefeito
foram percebidas pelo mercado imobiliário residencial como um sinal para elevar
os preços, que caíram até 30% imediatamente após 2008 e ainda não retornaram
aos níveis anteriores. Ainda assim, são apenas os novos imóveis econômicos
localizados no território que será anexado a Moscou que estão tendo seus preços
valorizados agora. Em três meses, o preço dos apartamentos nessa área aumentou
até 15%, diz Igor Laditchuk, representante de uma grande incorporadora na
região de Moscou – Morton Group of Companies. E esse não é o limite, já que,
segundo suas previsões, o status da capital irá acrescentar cerca de 30% aos
preços iniciais dos apartamentos em prédios recém-construídos na região de
Moscou. De acordo com os dados da Knight Frank, é a diferença de preço entre os
imóveis nos arredores da Moscou e aqueles situados a diversos quilômetros da
capital. “Esse aumento é embutido no preço, independente do mercado em geral. O
que acontece é que 80% das empresas e negócios na Rússia estão concentrados na
capital; essa é a razão para o aumento do custo dos imóveis localizados na ‘Nova
Moscou’”, reflete Vladímir Yakhontov, diretor administrativo da Miel Zagorodnaia
Nedvijimost.
Os especialistas afirmam que, devido às flutuações cambiais na Rússia, os investidores privados têm aplicado seu dinheiro em metros quadrados. E os investimentos mais rentáveis são especificamente os imóveis de classe econômica em edifícios recém-construídos na região de Moscou. Sua participação no mercado é de até 80% da demanda relacionada a moradia na região de Moscou, afirma Grigori Kulikov, presidente do Conselho Administrativo da Miel Holding. Não há nada surpreendente nisso: a diferença entre os preços dos apartamentos em Moscou e na região de Moscou é de, pelo menos, duas vezes mais. De acordo com os cálculos do portal de análise IRN.ru, a média de preço de 1 metro quadrado em um imóvel econômico na capital custa 160 mil rublos, enquanto na região de Moscou sai por 65 mil rublos. Portanto, “as pessoas praticamente fazem fila para adquirir esses imóveis”, diz Irina, que visitou o escritório de uma empresa de construção. Um representante da Morton Company, que está construindo 470 mil metros quadrados de imóveis na “Nova Moscou”, diz que alguns investidores privados compram de 10 a 15 apartamentos de uma única vez – enquanto os imóveis estão na planta e o terreno ainda está sendo preparado.
Paralelamente, aqueles que compraram imóveis como investimento não desejam receber seus lucros agora, esperando maior valorização futura, segundo opinião de diversos representantes de incorporadoras. Yakhontov concorda que a variante mais rentável é investir dinheiro na "Nova Moscou": “Agora, todos os investimentos estatais e de empresários serão gastos no desenvolvimento dessa região, o que significa que o custo dos imóveis ali irá aumentar a um ritmo muito mais rápido do que em qualquer outro lugar. Por enquanto, não há nenhum plano mestre de desenvolvimento do território. Mas assim que ele for apresentado e os programas começarem a ser implementados, os preços vão começar a aumentar, independente da situação financeira mundial”.
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