Recep Tayyip Erdogan Foto: GettyImages
Em uma entrevista recente à revista Time, o premiê deu a entender que, se finalmente aceito pela União Europeia, o país poderia muito bem se tornar um parceiro menos complacente e mais exigente.
E por que não? Erdogan e sua equipe possuem uma visão para a Turquia que, embora ainda se trate de um trabalho em progresso, é muito mais coerente, inspiradora e completa do que quaisquer líderes da UE – invariáveis, monótonos e indecisos – poderiam sugerir para seu povo. É a perspectiva de um país que sinceramente defende o Islã e, ao mesmo tempo, está confortável com outras crenças, opiniões e costumes.
A agenda de Erdogan é baseada em valores, em difundir a influência política e econômica do país pelo Mediterrâneo e tomar suas próprias decisões para o futuro. Isso vai além de se juntar a um grande grupo de nações díspares, tentando, em vão, resgatar um Estado com a população do tamanho de Istambul, e, paralelamente, alimentar a burocracia de Bruxelas que pretende ditar o formato dos ovos para os fazendeiros na Dinamarca e regular a venda de álcool para populações indígenas da Lapônia, na Finlândia.
Que o sistema secular e severo da Turquia, garantido e apoiado pelos militares, estava fora de sintonia com os novos tempos, já estava claro antes mesmo do ex-prefeito de Istambul se destacar na cena política nacional na década de 1990. Mas também é certo que a elite secular e adoradora de Ataturk – fundador da República da Turquia – não conseguiu compreender isso.
Agora, o Partido Justiça e Desenvolvimento de Erdogan conseguiu cessar o movimento anterior. Nas palavras de um amigo meu, professor de ciência política em uma das principais universidades privadas da Turquia, “o primeiro-ministro está usando slogans democráticos para mudar o sistema e, assim, consagrar a posição de liderança dos muçulmanos na política da Turquia durante os anos, senão pelas décadas que estão por vir”.
Erdogan conduz uma implacável caça às bruxas contra os militares – e recebe aplausos da UE por remover os fardados da política. Ele pede eleições diretas para presidente, preparando-se para escorregar na cadeira de chefe de Estado e, em breve, dar continuidade a sua carreira futuro adentro.
Mas o que mais deveria preocupar a todos é sua perseguição a jornalistas – há dezenas deles na cadeia, frequentemente sob acusações frágeis ou forjadas. O primeiro-ministro também enche o Judiciário de simpatizantes do Justiça e Desenvolvimento.
Sua política externa parece errática e propensa a slogans – na melhor das hipóteses –, ou até imprudente. O gosto do primeiro-ministro da Turquia pelo populismo e pela adulação popular também é motivo de preocupação.
Ao mesmo tempo, é preciso admitir uma coisa – ele sabe a hora de parar. Erdogan voltou atrás na sua promessa de visitar a faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, em solidariedade aos palestinos, embora as autoridades egípcias estivessem prontas para abrir as fronteiras para ele. Recentemente, também implantou radares norte-americanos em solo turco, em conformidade com as imposições da Otan.
Por esses motivos, ainda não é possível julgar o futuro do independente líder turco. Ele pode muito bem se tornar um grande reformador, influenciando sociedades muçulmanas por todo o mundo. Mas também pode se mostrar um político com fome de poder que irá arruinar a democracia turca e desestabilizar o Mediterrâneo.
Konstantin von Eggert é comentarista da rádio Kommersant FM.
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