Imagem: Nasa
Em Moscou, o dia 4 de outubro de 1957 parece ser uma data muito distante. Desde então, o país fez um invejável progresso quanto à viagem ao espaço. A Estação Espacial Internacional é prova de que, ao menos no que diz respeito ao campo tecnológico, a Rússia está bem adiante de muitos países desenvolvidos. No entanto, o dia em que o primeiro satélite foi lançado para o espaço é raramente lembrado no Kremlin, pois o Sputnik mostrou ao mundo que a União Soviética ganhou reconhecimento global de seu talento tecnológico, militar e científico. Esse foi o resultado de estratégias focadas em criação de indústrias modernas, expertise na área de engenharia e sistema avançado de educação. Duas décadas após a Rússia herdar o legado dos feitos científicos, não há praticamente mais nada para mostrar. Além disso, enquanto se discute sobre a necessidade de inovação, a elite dominante russa não percebe que o que a nação precisa mais que tudo é um momento Spútnik. Há necessidade urgente de um levante nacional que produza mudanças radicais. Não apenas para reestruturar a base tecnológica da economia, mas para mudar a estratégia socioeconômica completamente.
O declínio russo na ciência e na tecnologia é mais surpreendente que o progresso soviético feito meio século atrás. De 1991 a 2010, o número de pessoas envolvidas em pesquisa e desenvolvimento diminuiu pela metade. O drástico corte nos fundos do governo em pesquisa acadêmica não foi compensado nem pelo crescimento dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento feito por empresários. A parcela de empresas introduzindo novas tecnologias na Rússia é apenas 9,6% comparados aos 73% da Alemanha, 58% da Bélgica ou 47% da Estônia. Somente 1% das novas tecnologias desenvolvidas por empresas russas é financiado pelo governo, ao passo que 18% dos negócios gozam de suporte do estado na Áustria, 14%, na Itália e 13%, na Holanda.
De acordo com pesquisas, os empresários russos entendem que eles precisam inovar, mas não estão ávidos por investir em novos conhecimentos e equipamentos. A parcela de investimento privado no total dos fundos de inovação na Rússia é de cerca de 20%, enquanto no Brasil é de 55%. Esse encolhimento dos fundos é agravado pelo desembolso insuficiente do orçamento federal: eles dão um total de apenas 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto os vizinhos da Finlândia gastam 3,5% do PIB em ciência. Porcentagens de lado, segundo a The Royal Society da Grã-Bretanha, a Rússia perdeu seu lugar tradicional entre os 10 países líderes no mundo em publicações científicas.
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Ainda mais deprimente é a contínua fuga de cérebros. Dezenas de milhares de talentos russos já estão trabalhando fora do país. Eles logo serão seguidos por uma nova onda de imigrantes. Uma recente pesquisa conduzida em 46 regiões revelou que cerca de 20% dos russos, jovens em sua maioria, com boa educação e conhecedores da internet, consideram a imigração sua única oportunidade para independência e estabilidade. A novidade coloca um grande ponto de interrogação sobre a ambição do Kremlin de construir uma economia inovadora.
Essas manifestações de declínio científico e tecnológico têm feito a inovação ser prioridade para os assessores políticos do Kremlin, no entanto, eles estão encarando o desafio de um jeito soviético. O governo criou corporações subsidiadas pelo governo para a renovação de certas indústrias de alta tecnologia, como de aviação e construção de navios, e para o desenvolvimento de nanotecnologias. Também foram autorizados projetos de inovação financiados pelo governo. O maior deles é Skolkovo, que foi proclamado como o grande passo da Rússia em direção a uma economia baseada no conhecimento.
Assinado como lei federal pelo presidente Dmítri Medvedev, o projeto Skolkovo está destinado a se tornar foco nacional para esforços criativos e desenvolvimento de produtos e serviços internacionalmente comercializados, assim como um protótipo para novos centros científicos na Rússia. Os planejadores do Kremlin acreditam que a pesquisa e a infraestrutura educacional em conjunto com taxas e benefícios dignos de paraísos fiscais farão de Skolkovo um Vale do Sicílio russo dentro de três a cinco anos. Se o projeto será um sucesso ninguém sabe, mas oligarquias próximas ao Kremlin o apoiam alegremente como uma nova brecha nas tarifas e uma generosa fonte de dinheiro público.
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Porém, enquanto bilhões de rublos de contribuintes estão sendo sugados por companhias do estado e pelas futuras maravilhas de Skolkovo, centros científicos já existentes são subfinanciados, além do fato de que muitos deles ainda podem se orgulhar das pesquisas acadêmicas de classe social e de desenvolvimento de tecnologias reveladoras e de novos produtos. Para dar apenas um exemplo, pesquisadores russos criaram a tecnologia para manufatura de materiais de nanocristal para maquinário com engrenagens de alta fricção, que estão planejados para serem desenvolvidos no Ocidente apenas a partir de 2018.
A discrepância entre a necessidade urgente de salvar o que restou do antigo potencial científico da Rússia e o suntuoso gasto para projetos que têm mais a ver com os painéis falsos das vilas de Potémkin do que com centros de pesquisa é somente um dos muitos indicadores da relutância e da inabilidade da elite russa para reestruturar a economia russa dependente de recursos para uma baseada no conhecimento. Até agora o Kremlin não percebeu que não é apenas conquista científica, novas tecnologias ou bens de consumo competitivos que fazem uma economia moderna. Inovação é a integração de políticas econômicas, sociais, judiciais, educacionais, de meio ambiente e outras que encorajam a criatividade individual e melhoram a qualidade de vida.
De acordo com economistas do Banco Mundial, uma economia baseada em inovação prospera primeiramente por dinâmicos processos de descentralização no contexto de livre competição de empresas. Os Estados Unidos e a China tiveram sucesso em promover vibrantes atividades inovadoras por meio da criação de fortes incentivos e oportunidades para empreendedorismo, entrada e saída de mercadoria e exposição para competição internacional e no mercado interno. A tendência para a centralização e mais interferência do governo na economia retarda o progresso para reconstruir o potencial da Rússia, diz o Banco Mundial. Não é preciso dizer que mais controle do governo sobre a economia cria ainda mais corrupção – essa doença endêmica e poderosa segura qualquer progresso social e econômico na Rússia.
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O lançamento do satélite Sputnik foi o ápice dos esforços soviéticos para ser a primeira nação a entrar no espaço. Mísseis estratégicos foram uma garantia de sobrevivência na Guerra Fria. Essa percepção foi um poderoso motivo para a concentração da área de pesquisa e desenvolvimento e de potencial industrial na produção de mísseis para deter um ataque nuclear. O desafio foi claramente entendido não apenas pela liderança política, mas também pelo povo soviético, que não mediu esforços para fazer o país avançar industrialmente e tecnologicamente. Mas agora, meio século depois, o Kremlin repete a história e novamente a Rússia encara o desafio de "inovar ou morrer". Os membros da sociedade, obcecados em conseguir mais dinheiro a todo custo, não percebem que o desafio os afeta também.
Uma pesquisa feita no ano passado conduzida pela empresa de consultoria RBC mostrou que apenas 10% dos empresários russos acreditam que o programa de modernização do presidente Medvedev será realizado dentro dos próximos 10 anos. Eles consideram a burocracia e a corrupção como os maiores obstáculos para qualquer melhora no clima de investimento e na infraestrutura dos negócios. As barreiras seguintes para inovação são o sistema patente inadequado e a ausência de financiamento de capital de baixo risco. Até hoje, a prioridade máxima para a maioria das pequenas e médias empresas não é inovação, mas sobrevivência em um ambiente de mercado hostil e de competição injusta. No que diz respeito a grandes companhias russas, a sua principal preocupação é preservar o sistema atual de fazer grandes lucros basicamente às custas de indústrias de extração.
As realidades sociais e econômicas da Rússia não são condizentes com uma inversão no declínio da tecnologia. A tendência não pode ser brecada por pedidos de inovação ou por suntuosos gastos públicos. Pode ser revertida somente por um renascimento da conscientização do povo russo de que reestruturar a economia e torná-la baseada em conhecimento é a única opção para a sobrevivência da nação dentro da competição mundial. Parafraseando um ditado popular russo: "O homem não se benze até que um raio o atinja", é possível dizer então: "Não espere inovação até um momento Spútnik!".
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