Estocolmo, o lugar onde se entrega o premio Nobel da Literatura Foto: wikipedia.org
Neste ano, se o Nobel da Literatura for para a Rússia, ao menos não pegará os jornalistas tão desprevenidos como aconteceu com o pobre Ehrenburg. A poucas semanas da revelação do vencedor, a casa de apostas britânica Ladbrokes anunciou quem são os escritores com mais chances de ganhar o prêmio. Na lista constam os nomes de Viktor Pelévin e do poeta estimado Evtuchenko. Lev Denílkin, que escreve uma coluna muito popular na revista cultural “Aficha” e é considerado um dos críticos literários mais conhecidos e influentes da Rússia, qualifica o evento como um “acontecimento difícil de subestimar” e diz que “é impossível não pensar que todos podem ser coroados com o prêmio”.
Até agora, apenas cinco escritores russos foram dignos do prêmio máximo das letras internacionais: Ivan Bunin, em 1933; Boris Pasternak, em 1958; Mikhail Chólokhov, em 1965; Alexander Soljenítsin, em 1970; e o russo-americano Joseph Brodski, em 1987. Apenas Chólokhov, o terceiro a alcançar o prêmio, contava com o apoio da cúpula soviética. Bunin, de família nobre, emigrou para Paris após a Revolução Russa. O caso de Pasternak é bem conhecido, pois foi forçado pelas autoridades a renunciar ao prêmio. A reação soviética à premiação de Soljenítsin foi previsível: a KGB afirmou que, com a concessão do prêmio, o “Ocidente gratificava a contribuição política de Soljenítsin”. E o mesmo ocorreu quando o Nobel foi atribuído a Brodski: foi qualificado como um “ato político promovido por determinados círculos ocidentais com o objetivo de denegrir a política soviética”.
A medalha do prêmio Nobel da Literatura
Porém, voltemos a Pelévin e a Evtuchenko, e às apostas que os indicam como possíveis ganhadores. Méritos não faltam a nenhum dos dois. O escritor pós-soviético Viktor Pelévin (1962) não é desconhecido dos leitores espanhóis. Vários de seus romances foram traduzidos para o castelhano – “A Vida dos Insetos”, “Omon Ra”, “Homo zapiens”, “O mindinho de Buda” e “O elmo do horror” –, ainda que, lamentavelmente, nem sempre direto do russo. As obras de Pelévin podem ser classificadas, em um sentido amplo, como sátiras, mas com um viés mais cultural e metafísico do que político. Em seus textos, considerados pós-modernistas, combina aspectos da cultura pop e do pensamento esotérico. Pelévin cultiva a imagem de um eremita místico: poucas são as vezes em que aparece publicamente, desaparece por longos períodos de tempo (geralmente no Tibete) e quase nunca concede entrevistas.
Viktor Pelévin Foto: wikipedia.org
Evguêni Evtuchenko (1932), poeta, dramaturgo, romancista, ensaísta, fotógrafo e ator, se tornou o “cronista poético da mudança política na URSS”. No início da década de 1960, era muito popular na Rússia, e seus recitais (muitas vezes em companhia de sua então mulher, Bella Akhmadulina, e outros poetas, como Voznesénski e Okudjava) atraíam multidões que lotavam estádios. Seu poema “Babi Yar”, nome de um desfiladeiro nas imediações de Kiev, aborda o massacre realizado durante dois dias em setembro de 1941: mais de 35 mil judeus foram assassinados por nazistas. Esse poema, que serviu de inspiração para a 13a sinfonia de Chostakóvitch, é uma das obras nas quais alcança maior força lírica e foi também interpretada como uma crítica ao antissemitismo soviético. Seu livro em prosa “Não morra antes de morrer” foi traduzido para o espanhol, e nele mistura aspectos autobiográficos com ficção policial. Também acaba de ser publicada pela editora Visor uma antologia de poemas escritos por Evtuchenko que se chama “Maçãs roubadas”.
Evguêni Evtuchenko Foto: wikipedia.org
Tanto se a sorte sorrir para um desses autores como se as esperanças forem frustradas, esse é um bom momento para exaltar o trabalho de ambos os escritores. Além disso, seria uma oportunidade de começar a desvincular o prêmio Nobel na Rússia da emigração, da dissidência e das intrigas políticas. Também é uma ocasião propícia para relembrar a lista dos esquecidos russos, que incluem Tchekhov, Platonov e Nabokov.
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