Ilustração: Serguêi Iólkin
O presidente confirmou seu comprometimento com os valores democráticos universais e também deixou claro que o acordo feito com Pútin não era vergonhoso para o povo. Medvedev esclareceu que ambos concordaram em inverter suas posições, mas que tudo poderia mudar caso o ânimo da população mudasse com a notícia. Assim, Medvedev tentou basicamente fazer com que toda a operação parecesse mais democrática do que a impressão causada no Congresso do Rússia Unida.
Repito aqui um trecho do discurso de Medvedev durante a entrevista: “As decisões do Congresso do Rússia Unida são apenas recomendações. Recomendações de um partido político para apoiar duas pessoas nas eleições e nada mais. A escolha é do povo. Qualquer líder político pode fracassar nas eleições”. Durante sua entrevista, Medvedev foi fiel ao seu princípio de evitar os extremos, tentando traçar um equilíbrio entre a direita e a esquerda do espectro político.
Ele basicamente perseguiu dois objetivos. O primeiro foi deixar claro que nenhuma discordância entre ele e Pútin colocará a soberania da Rússia em perigo. Foi muito importante para ele esclarecer esse tópico, pois, durante muitos anos, a oposição liberal e certos grupos estrangeiros tiveram a esperança de que uma ruptura entre Pútin e Medvedev pudesse ser tão devastadora quanto as divisões dentro da equipe de Gorbatchov. Isso não aconteceu.
Na entrevista, Medvedev também disse que essa prática – dois homens trabalhando pelo bem da organização política – não era uma exclusividade da Rússia. Ele desenhou paralelos com Hillary Clinton e Barack Obama. Esses paralelos poderiam estar aparentemente errados, porque existia uma concorrência real entre os dois políticos citados; mas, na essência, Medvedev está certo. As elites ocidentais, ainda que diferentes nos detalhes, são excepcionalmente unidas nas questões de princípio, tais como controle e contenção do poder, bem como quem irá controlar o dinheiro. Nesse caso, a Rússia não é muito diferente de outros países civilizados.
O segundo objetivo da entrevista foi mobilizar o eleitorado, ou seja, dizer às pessoas que “ainda nada foi decidido”. Esse objetivo é muito mais difícil de ser atingido do que o primeiro. O problema é que a Rússia ainda está bem longe de ser uma democracia multipartidária completamente funcional e o próprio Medvedev reconheceu isso diversas vezes – assim como Pútin também já havia feito.
Em países civilizados, a democracia é vista com uma dose de imprevisibilidade limitada, o que significa que, mesmo perdendo poder, é certo que o partido não vai enfrentar repressões e não haverá redistribuição da propriedade privada.
Na Rússia, o sistema político ainda não está estável, mais precisamente porque o país passou por certos momentos de turbulência nos anos 80 e 90, quando a propriedade privada passou, de fato, para outras mãos.
Na Rússia, a estabilidade política é vital para a atividade econômica da sociedade. Como não há garantia de que a propriedade privada não será redistribuída, a elite russa está constantemente tentando controlar o poder político em vez de partilhá-lo com novatos.
No geral, eu diria que a entrevista do presidente foi realista. Medvedev não é um novo Mahatma Gandhi ou Martin Luther King. Ele é normal; eu diria que é um político comum e moderno, em busca de seu objetivo dentro de suas competências e das oportunidades que foram dadas a ele considerando a história do país. De certo modo, Medvedev cumpriu sua função.
Em 2008, quando ele chegou ao poder, deu um fim ao evidente surto nacionalista da época. Em 2009, lançou um programa de concorrência dentro do sistema político. Ele nunca conseguiu implantá-lo até o fim, mas tentou, e creio que a história acabará valorizando essa iniciativa.
Nós já podemos tirar algumas conclusões de sua carreira como presidente, que está entrando no estágio final. Medvedev fez o que pôde. Não podemos repreendê-lo por não fazer aquilo que não estava a seu alcance.
Dmítri Babitch é colunista da agência de notícias RIA Nóvosti.
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