Mil e uma noites, versão Moscou

Salto alto, álcool, pouca roupa e um improvável controle de entrada. Boates de Moscou escancaram a face consumista do país.

Sábado, meia-noite.

Uma típica madrugada de junho em frente à luxuosa casa noturna Rai (em português, “paraíso”), instalada no antigo terreno da lendária fábrica de chocolate Krásni Oktiabr. À beira do rio Moscou, aparece uma carreata de BMWs de alta cilindrada e Ladas em péssimas condições. Modelos sobre saltos altíssimos, muitas das quais recém formadas no colégio, desfilam em direção à maior boate de Moscou.

A Gazeta Russa relata uma viagem cheia de surpresas pelas baladas de Moscou.

DJs que ditam as paradas de sucesso, ícones da cultura, personalidades da vida pública, jovens em busca de diversão. A cena noturna russa está sempre cheia de novidades e os clubes são o retrato dessa nova vida, que mescla tendências ocidentais e regionais. Analisada sob a ótica dos clubes, entretanto, a sociedade atual pouco ou nada lembra a soviética e seus costumes, que há 20 anos caíam para dar espaço ao novo Estado russo. Dos excessos de luxo de novos ricos que acumularam grandes fortunas com as privatizações à falta de pretensões de uma juventude que só quer ser feliz, uma palavra define esse cenário: reinvenção.

Na porta, Vladímir, o leão de chácara responsável pelo famigerado “face control” (o controle dos frequentadores de acordo com a beleza, a vestimenta ou a carteira), barra uma garota. “Onde você quer ir?”, pergunta. “Eu e minha amiga temos que entrar na área VIP”, diz, segura de si e com a cabeça erguida. “Vocês podem ir, mas desde que tenham reservado uma mesa”.

No dia anterior, o namorado da moça pagou o equivalente a R$ 3 mil pela reserva. Assim, ela tem permissão para entrar, junto com a amiga e sua minúscula saia de oncinha e salto alto. As casas noturnas faturam entre R$ 460 e R$ 11,6 mil por pessoa com reservas de mesas em áreas VIP.

Domingo, 4h38

Amanhece. Em frente à Rai, clientes negociam o preço da corrida com taxistas ilegais, enquanto na Rooftop a festa ainda está para começar.

A locação é semelhante: uma fábrica abandonada à margem do rio Moscou. Porém, lá dentro reina um ambiente completamente diferente. Em vez do “face control” existem listas de presença. No lugar do estilo kitsch clássico, os frequentadores se deparam com velhos muros de tijolo. Quanto à música, são batidas arranhadas.

Os clientes são, em média, cerca de dez anos mais velhos que os frequentadores da Rai. A maior parte tem mais de 30 anos. As mulheres são mais elegantes: saias de oncinha e saltos exagerados são raros. A vodca com Red Bull custa o equivalente a R$ 30, e hoje é dia da dupla alemã de techno Pan-Pot comandar a pista. Um pouco antes das cinco, o dj Tassilo Ippenberger se posiciona diante das pickups.  

A multidão toda suspira e acompanha a batida minimalista. É a segunda vez que Tassilo toca nessa noite. “A cena techno russa é relativamente nova, mas está se desenvolvendo rapidamente. Moscou e São Petersburgo estão na moda!”, diz ele. 

5%


do público deixou de frequentar casas noturnas de Moscou devido ao aumento dos preços na entrada e das bebidas, segundo dados comparativos de 2007 e 2010.

No fim dos anos 1990, foram inaugurados os primeiros megaclubes nos moldes das boates ocidentais. A clientela consumista e ávida por vida noturna não deixava escapar nenhuma oportunidade de se divertir.

Dançar até o fim da manhã era moda, todas as festas de médio porte contavam com a presença de dançarinas e MCs (mestres de cerimônia). O público era constantemente surpreendido por anjos glamorosos ou tigresas dançando em gaiolas sobre a pista.

Estabilidade era um conceito desconhecido pela cena na época. Clubes brotavam como cogumelos e fechavam um ou dois anos depois. Alguns acabaram até em chamas: no início de 2008, um incêndio tomou conta do Diáguilev, uma espécie de Studio 54 de Moscou que abriu como l’Opera dois anos depois.

Hoje, as festas perderam um pouco da extravagância. O desejo de exagerar a qualquer custo quase não existe mais, e as pessoas preferem curtir a noite de forma discreta.

Em vez de seguirem as propostas dos clubes, agora são os clientes que ditam as regras. Por meio de redes sociais e meios informativos, selecionam as festas que desejam frequentar a cada noite. “Antes as festas eram mais coloridas, extremas e impensadas”, reflete Andrêi Sailer, produtor musical do Solianka.

Nome tirado de uma sopa regional, Solianka significa exatamente o que os brasileiros costumam chamar de “salada russa”: uma mistura improvável de diferentes elementos. “Como já se subentende pelo nome Solianka, somos exatamente como a sopa russa, para onde acaba indo tudo que se encontra na despensa”, brinca Andrêi.

8%


dos moscovitas vão para a balada na capital mais de uma vez por semana, enquanto 17% não saem nunca ou muito raramente.

O clube, que atualmente traduz as novas tendências entre os jovens formadores de opinião e o público descolado,  continua aberto mesmo depois de um ano de existência porque, enquanto outros lugares exageram nos preços, no Solianka prevalece outro princípio. “A coisa mais importante é a música, e é com ela que queremos atrair um público legal”, explica Sailer. O que o Solianka quer é trazer gente inteligente e bem-humorada, e a moda é um fator à parte.

A meta dos proprietários, a longo prazo, não é modesta. “Queremos reconhecimento em nível internacional”, afirmam. Para eles, o Rai e outros paraísos da noite moscovita não são uma competição no mesmo patamar: “Para eles só interessa dinheiro e pouca roupa. Aqui estamos preocupados com quem busca coisas diferentes.”

CLUBE: ROOFTOP

MÚSICA: MINIMAL TECHNO


À margem do rio Moscou, a balada tem excelente música e público descontraído. A pista fica aberta até tarde e os preços são bem salgados (um coquetel não sai por menos de R$ 35). Quem já virou os bolsos do avesso ganha um bis gratuito do barman.

CLUBE: SOHO ROOMS

MÚSICA: HOUSE-POP


A casa faz jus ao estereótipo da vida noturna de Moscou: riquinhos, loiras oxigenadas e caviar negro ao som de euro-house. O face control é severo: se você não parecer rico, esqueça! Um copo de vodca custa o equivalente a R$ 46.

CLUBE: ROLLING STONE BAR

MÚSICA: DEPENDE DA FESTA


Localizado perto do Rai, tem público completamente diferente – jovem e descolado – e shows quase todas as sextas-feiras. As paredes escuras são forradas de capas da revista que dá nome ao local. Uma atração são as garotas dançando sobre o balcão do bar.

CLUBE: SOLIANKA

MÚSICA: DE NEW WAVE A HARD TECHNO/SCHRANZ


No reduto dos modernos, jovens de 18 a 22 anos revivem toda a cena do século 20, de músicas manjadas a hard techno, e o público se diverte como se não houvesse amanhã. Glamour e brilho proibidos.

CLUBE: ARMA 17

MÚSICA: HOUSE, TECHNO


Instalada em uma antiga fábrica de latas, é a casa noturna mais europeia de Moscou, com entrada paga e face control. Os djs de techno Marco Carola (Itália) e Ricardo Villalobos (Chile) são habitués nas pickups, e o prédio vibra com o sistema Funktion-One.

CLUBE: PROPAGANDA

MÚSICA: FESTAS DIVERSAS

Funcionando desde 1997, é um restaurante durante o dia e, a partir das 23h, sem as mesas, vira uma pista onde se dança até cair todas as noites. O controle na entrada é imparcial e o preço das bebidas, acessível.

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