Foto: Reuters / Vostock Photo
A notícia de que Steve Jobs, presidente da Apple, foi obrigado a renunciar o cargo, aparentemente por motivos de saúde, foi recebida com tristeza. Os especialistas exaltaram-no não apenas como a força motriz por trás de uma das companhias mais valiosas do mundo, mas também como um visionário do setor e até mesmo o maior empresário dos últimos 20 anos – ou de todos os tempos.
Todo esse louvor é
justificável ou apenas exagero? A Apple certamente se destaca em comparação a
empresas como Microsoft e Google, que também são altamente bem-sucedidas, mas
nunca fizeram a cabeça ou conquistaram o coração de seus usuários. Na verdade,
fora do mundo dos negócios, nunca sequer chegaram perto de criar um culto a
seus diretores ou produtos. Podem
ser respeitadas, até mesmo temidas, mas jamais foram idolatradas.
Há uma grande lição a ser aprendida com Steve Jobs e com a Apple, tanto por outras
empresas quanto por
países como a Rússia, que está tentando pegar uma carona nas últimas tendências tecnológicas. Entretanto, apesar de seu conhecimento tecnológico, muitas
pessoas envolvidas nessa indústria são lamentavelmente ignorantes em relação à
história ou jovens demais para
ter experimentando qualquer coisa em primeira mão. Na verdade, muitos produtos
modernos não são tão revolucionários – ou bons – quanto parecem.
Veja o exemplo do IPod. O grande aparato revolucionário em termos de
música em movimento foi o walkman da Sony. Antes dele, só existiam os aparelhos
de som portáteis, do tipo ghetto blasters,
ou aqueles rádios pequenos à pilha. O título do clássico álbum ao vivo da banda
inglesa Deep Purple, “Made in Japan” (em português, “Produzido no Japão”), de
1972, era uma sátira sobre a péssima qualidade dos eletrônicos do Extremo
Oriente. Como os tempos mudaram!
O walkman representou um grande avanço por causa de sua impressionante qualidade de som. Eu ainda prefiro o peso e a sensação do meu velho e abrutalhado walkman ao visual elegante e austero dos meus dois iPods. Obviamente, o iPod é mais compacto. Não é necessário carregar pilhas e cassetes e a última versão do seu modelo clássico, com capacidade de 160 GB, consegue armazenar até 40 mil músicas. Mas, para os verdadeiros fãs de música, os melhores walkmans tinham duas vantagens: excelentes fones de ouvidos e melhor resposta de frequência, o que inclui os tons inaudíveis, que são importantes para a total apreciação da música.
Leia mais:
O Walkman Professional, do início da década de 80, elevou os aparelhos de som a outro patamar e foi adorado pelos aficionados por tecnologia e pelos jornalistas em virtude de sua fantástica qualidade de gravação e de reprodução, além da durabilidade – deixei o meu cair no concreto duas vezes e ele não sofreu qualquer dano. A Sony parou de produzi-lo somente em 2002.
Outra coisa que o iPod – e grande parte dos computadores – não consegue fazer é
instantaneamente repetir o trecho de uma música ou de um discurso como era
possível na maioria dos velhos gravadores de fita, apertando o botão “rewind” (em
português, “rebobinar”)
enquanto o som ainda estiver rodando. Esse é um recurso imensurável para os músicos e também
para os jornalistas transcreverem suas entrevistas, mas experimente fazer isso com uma gravação digital no computador para escutar os ruídos do
disco rígido tentando lidar com a situação.
O verdadeiro produto revolucionário da Apple foi o iTunes, não o iPod. Esse
programa salvou a indústria fonográfica da extinção e colocou a Gestão de
Direitos Digitais (do inglês Digital Rights Management, ou DRM) sobre uma base
mais sólida. Mas, em um caso clássico de captura
regulatória, os legisladores de todo o mundo ocidental compraram o argumento de
que a internet deve ser um ambiente livre para todos em vez de fazer seu
trabalho corretamente e proteger o ganha-pão de quem produz música, filmes e
livros.
A ideia de que a cópia e a distribuição de filmes e de música digital é diferente das fotocópias de livros e regravação de música em fitas cassetes foi desde o princípio enganosa e também levou a diversas iniciativas de proteção dos direitos autorais. Além do mais, as consequências deste pensamento vêm se tornando cada vez mais graves, haja vista a vasta quantidade de notícias e informações de má qualidade que poluem o ambiente virtual. Ironicamente, os governos ocidentais apoiam as queixas das empresas sobre a pirataria na China, mas ficam aquém quanto à proteção dos direitos de propriedade intelectual em seus próprios países.
Ainda assim, é muito difícil argumentar contra o fenomenal sucesso da Apple. A empresa fabrica produtos atrativos e com alta margem de lucro, comprados por milhões de pessoas de todo o mundo. Copiar esse truque não é fácil, mesmo para as multinacionais, e a liderança pode facilmente passar de uma companhia – ou de um país – a outra.
Tentativa doméstica
A Rússia está tentando se modernizar e emplacar o seu projeto Skôlkovo, nos arredores de Moscou, que pretende ser uma espécie de resposta ao Vale do Silício americano. Contudo, um grande ceticismo paira no ar dentro e fora do país. Os russos têm poucas empresas de sucesso nos setores de petróleo, gás, metais, mineração e bancos. Além disso, as companhias tecnológicas primam pela inexpressividade.
Em vez de estar inserido em um contexto de reformas nacionais adequadas, o Skôlkovo tem abordagem, como de costume, soviética: um projeto que, liderado pelo governo, subsiste por meio de extensos recursos financeiros disponibilizados pelo próprio Estado. O oligarca russo e acionista do TNK-BP Viktor Vekselberg afirmou que o Kremlin tinha prometido investir US$3 bilhões na iniciativa ao longo dos próximos três anos. A meta é arrecadar a mesma quantia em fontes privadas, incluindo as multinacionais: Siemens, GE e Nokia-Siemens prometeram construir centros de pesquisa e desenvolvimento na região, além de investir até US$ 50 milhões.
O problema é que as melhores e mais brilhantes mentes da Rússia estão saindo do país. Cerca de 40 mil russos trabalham no Vale do Silício e estima-se que até 100 mil pessoas emigrem todos os anos. Também cabe lembrar que desenvolver uma única droga nova custa em torno de US$ 500 milhões – logo, três ou seis bilhões não serão suficientes para promover um grande progresso.
Os líderes russos não entendem de ciência e
tecnologia. Medvedev e Pútin
disseram que o dinheiro investido
em P&D deve produzir resultados e não ser desperdiçado, mas o risco é parte fundamental do jogo. É
impossível haver qualquer garantia de sucesso nesse campo e o progressos
científicos e tecnológicos são geralmente frutos do acaso, não podem ser
planejados.
A Rússia, que desperdiçou anos,
desde a época de União
Soviética, na busca mal-sucedida por uma visão nacional, está aprendendo
a expor seus objetivos no cenário internacional, mas trilhar este caminho será muito mais difícil.
German Gref, ex-ministro da Economia e agora presidente do Sberbank, a maior
instituição financeira da Rússia, afirmou, durante o programa de entrevistas de Vladímir Pozner,
que seriam necessários ao menos 15 anos para se desenvolver uma indústria doméstica de carros.
Na semana passada, a AvtoVaz, um dos maiores fabricantes de carro da Rússia,
deu um pequeno passo ao contratar Steve Mattin, que já trabalhou com a
Mercedes-Benz na Daimler Chrysler e na Volvo, como seu projetista-chefe. Agora
é esperar para ver se ele conseguirá dar uma de Steve Jobs e transformar a
imagem da AvtoVaz em uma empresa de carros tão tecnológica e atrativa quantos
os produtos da Apple.
Ian Pride é fundador e diretor-executivo
do grupo Comunicações e Estratégias da Eurásia, em Moscou
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: