Aleksêi Venedíktov, editor da emissora de rádio Eco de Moscou, fala sobre o veículo e sobre liberdade. Foto: TASS
Em junho de 1990, Gorbatchov assinou uma lei de imprensa que permitia a abertura de emissoras privadas. Meus colegas das emissoras estatais não suportavam mais fazer propaganda oficial e, assim, decidiram seguir um novo caminho. Reunimos toda a papelada para abrir a emissora e obtivemos o primeiro registro dentre todas as solicitações. Isso foi em 22 de agosto.
Na época, eu trabalhava como professor em um colégio. Eles me ligaram e perguntaram: “Você está em Moscou? Está de férias? Pode trabalhar uma semaninha conosco?”. Respondi: “Não escuto rádio, não tenho ideia do que é e não entendo como isso possa funcionar sem a presença de fios. Mas irei sim, por que não?”. Quando cheguei, me perguntaram: “Conhece alguém do departamento de educação?”. Disse que sim. “Conheço o chefe do departamento, que já me concedeu vários prêmios”. “Ligue para ele e entreviste-o no dia 29 de agosto”. Essa foi a minha primeira entrevista no Eco de Moscou.
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Essa rádio surgiu como uma fonte de informação alternativa. Era 1990 e, na União Soviética, uma série de acontecimentos se desenrolavam sem que os meios de comunicação oficiais os anunciassem. Logo depois de um mês da fundação da emissora, o Conselho Presidencial discutiu a urgente necessidade de fechar a rádio. Tínhamos sidos os únicos a informar que, em setembro, as tropas estavam se aproximando de Moscou. O governo foi forçado a se justificar e disse que o Exército estava apenas ajudando a fazer a colheita nos entornos da cidade. Gorbatchov ficou indignado: “Mas qual é essa emissora pirata que fala o que não deveria ser dito?” Naquela época, ficávamos na rua Nikólskaia, a duzentos metros da muralha do Kremlin. Foi a primeira vez que fomos atacados pelo governo de Moscou e, assim, ganhamos popularidade lentamente.
Em agosto de 1991, me enviaram ao Soviete de Moscou, ao Estado-maior da resistência e, logo em seguida, à Casa Branca, sede do governo. Como era politicamente instruído e lia bastante, não tive dificuldade em saber quem deveria entrevistar. Quando uma pessoa conhecida como Lujkov passava por mim, gritava em meu microfone, que pesava uns quatro quilos: “Iúri Mikháilovitch!” A verdade é que, para um professor de história, é fácil trabalhar com informação. A pessoa com quem vou conversas é, para mim, como um estudante. Há vários tipos. Quando vejo Pútin, noto que tive uns dois alunos assim em cada classe em que dei aula.
Durante o golpe de Estado, passei dois dias inteiros na Casa Branca. Temos que levar em conta que, naquela época, não existiam celulares. No terceiro dia, ao voltar de lá, depois de uma noite louca, encontrei um dos meus colegas na entrada da rádio. Falando no telefone; ele me disse, enquanto segurava o telefone: “Quer entrar ao vivo?”. Tinham cortado o sinal, mas nossos engenheiros, como o lendário artesão russo Levchá, haviam feito ligações entre os fios de modo que estávamos conectados através de um telefone. Isto é, transmitimos nosso programa por meio de um intercomunicador.
Em 1994, ficou claro que deveríamos criar um negócio sério. O público esperava mais qualidade, mas as equipes técnicas eram ultrapassadas, os salários eram muito baixos e não podíamos contratar ninguém. Começamos a buscar investidores. Finalmente encontramos dois grupos: os banqueiros Weiner, de Chicago, e o Gusínski, que acabara de adquirir o canal de televisão NTV. Os Weiner nos dariam mais dinheiro, mas exigiam controle sobre a política da redação. O Gusínski nos concederia menos, mas dizia: “Que os jornalistas escolham o chefe de redação”.
Decidimos, então, escrever nos estatutos da rádio que os jornalistas deveriam eleger o chefe, enquanto o conselho de acionistas se limitaria a aprovar tal decisão. Ou seja, eles não tinham o poder de designar quem seria o editor-geral sem perguntar aos jornalistas, assim como havia ocorrido no NTV. Por isso, vendemos o pacote de ações ao Gusínski, que cumpriu com todas as suas obrigações.
Mais tarde, o Eco de Moscou e o NTV passaram a ser controlados pelo Gazprom Media. Eu sabia de todos os detalhes dessa negociação e me encontrei com Volóchin e com Pútin. Entendia que as autoridades haviam tomado a decisão de controlar a política editorial de todos os canais de televisão e de rádio. Primeiro foi a vez do NTV, depois da ORT (Canal Um). Essa nacionalização encoberta era um processo consistente. Da mesma forma, a polícia fiscal e os tribunais arbitrais também atuavam, e assim por diante.
Nenhuma ação foi acidental; pelo contrário, eram todas coordenadas. Estava bem consciente de que, por trás disso tudo, havia uma decisão política. Eles apanhavam os reféns e colocavam um investidor atrás do outro na cadeia. O que era possível fazer contra isso? Nada. Por isso, dizia aos meus companheiros que tínhamos que continuar trabalhando como se nada estivesse acontecendo – e que se fechassem nosso veículo, logo saberíamos. Também dizia a eles que a minha tarefa era pensar nessas coisas enquanto todos encarregariam de continuar trabalhando.
Aos que estavam acima de nós, comuniquei: “Não vamos nos meter na política de vocês, mas, se cometerem erros, nós os criticaremos”. Pútin escutou o recado e o resultado foi justamente esse: fizemos críticas. Na realidade, meu acionista não era a Gazprom, mas sim Vladímir Pútin. Eles me disseram: “Seu acionista está no Kremlin. Vocês nos trazem benefícios econômicos, mas não nos interessam as questões internas”.
Em agosto do ano 2000, fiz uma entrevista com Pútin, na qual ele me disse claramente que o chefe de redação era o único responsável sobre tudo que acontecia na emissora. Embora também soubessem que para manter tudo funcionando, o Eco de Moscou tenha que gozar de uma certa reputação, Hillary Clinton ou Barack Obama não dariam entrevista a uma emissora da Gazprom. Mas o fariam para um veículo independente. Expliquei isso de uma maneira bem clara tanto a Senkévitch quanto a Pútin, mas me parece que eles veem o Eco de Moscou como um negócio, no sentido amplo desta palavra.
Versão resumida da entrevista concedida a Elena Vánina para a revista russa Aficha.
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