Foto: Kommersant
Couro, hard rock, desdém pelas regras de trânsito, vento no rosto, talvez uma eventual barriga de cerveja... São muitas as características associadas à cultura dos motociclistas, mas o ativismo político não costuma ser uma delas. No entanto, uma recente manifestação feita em Moscou – acontecimento raro, porém não único – levantou dúvidas sobre a capacidade desse grupo de se organizar em prol de objetivos políticos, como já fizeram os motoristas de carro.
Durante o protesto, realizado em junho, cerca de 200 motociclistas se uniram em
frente à sede da polícia local para exigir uma investigação detalhada do
acidente, ocorrido no início do mês, em que um luxuoso Porsche Panamera
dirigido por um empresário se chocou contra Rauf Abzalov, de 43 anos, ferindo-o
gravemente. Os manifestantes, que cruzaram o Anel dos Jardins (avenida circular
localizada no centro de Moscou) e se reuniram na avenida Ulitsa Petrovka,
agiram por receio de que o inquérito tenha sido arquivado, informou o co-organizador
Iúri Nekrasov.
Os policiais não permitiram que os motociclistas entrassem no prédio, mas entregaram
uma petição ao chefe da polícia Vladímir Kolokoltsev, que estava indignado com
o protesto não autorizado, de acordo com o jornal “Moskovski Komsomolets”. Embora
nenhuma sentença tenha sido proferida após a manifestação, após duas semanas a
polícia deu aos representantes da comunidade informações atualizadas sobre os
progressos da investigação.
Por enquanto, o descontentamento dos motociclistas aparentemente foi resolvido.
Entretanto, a categoria pode se tornar uma força a ser considerada nos meses
que antecedem as eleições parlamentares para a Duma (câmara dos deputados na
Rússia), em dezembro. O
primeiro-ministro Vladímir Pútin a inseriu no contexto político ao se misturar
aos Lobos da Noite de Moscou, o mais antigo e maior clube de motociclistas da
Rússia.
“O número de motociclistas está aumentando. E qualquer um de nós poderia estar
no lugar de Nekrasov”, disse Aleksandra Korol, co-organizadora do protesto de
junho, explicando os motivos que levaram à realização da manifestação. O
argumento dela faz sentido, pois o número de acidentes de trânsito com motos também
sobe, mesmo que em pequenas proporções. Durante os primeiros cincos meses de 2011, a polícia de Moscou
registrou 322 incidentes, índice ligeiramente superior aos 317 casos
registrados no mesmo período do ano anterior, segundo um porta-voz da filial moscovita
da Agência Federal de Trânsito.
“Estamos cansados de ter uma imagem negativa”, disse Nekrasov. “Por alguma razão, culpar os motociclistas pelas colisões se tornou uma prática comum. E não queremos que o motorista saia impune do que fez. O protesto que fizemos também foi proposto por outros grupos, incluindo os amigos de Abzalov, que haviam discutido o acontecimento em fóruns virtuais”, disse.
Para Viatcheslav Lisakov, líder do grupo de direitos dos motoristas Svododa
Vibora (Liberdade de Escolha), embora o protesto tenha alcançado o seu
objetivo, protestar do lado de fora da sede da polícia e atrapalhar o trânsito
não foi a maneira correta de expressar insatisfação. “Eles deveriam apenas ter
escrito uma carta aos promotores do caso”, afirmou ele, que é membro da Frente
Popular da Rússia, novo grupo político criado por Pútin em maio.
De acordo com ele, os motociclistas não se tornarão uma força política ativa até que se unam a uma organização já existente, como a Frente Popular da Rússia, por meio da qual teriam a possibilidade de integrar o sistema político e ter uma representação na Duma. “Por que gritar debaixo da janela quando se pode entrar pela porta?”, explicou o líder dos motoristas.
“Os motociclistas não são um grupo político. O que os une é a paixão pelas motos”,
disse David Konstantinovski, diretor do Centro de Cultura, Ciência e Educação Sociológica.
“Contudo, muitos deles são jovens, ativos e maduros para constituírem uma
força”, completou. Apesar disso, nenhum
grupo da oposição manifestou interesse nos motociclistas. Os organizadores do
protesto insistiram que não havia interesse político algum por trás da
iniciativa – e os demais participantes concordaram com a afirmação, mesmo
aqueles que mantêm vínculos com políticos.
“Não queremos entrar na política. E não precisamos de regalias”, disse
Aleksandr Zaldostanov, presidente do clube de motociclistas Lobos da Noite. Conhecido
como “Khirurg” (em português, cirurgião), ele já se encontrou com Pútin
diversas vezes, incluindo no verão do ano passado em Crimeia. Na ocasião,
dirigindo um triciclo, o primeiro-ministro guiou uma fileira de motociclistas a
uma convenção. Zaldostanov disse que só tem sentimentos bons e respeito por
Pútin, a quem chama de “o único integrante do governo do qual não sente
vergonha”.
A luta continua
Embora a cultura da motocicleta na Rússia tenha cerca de 20 anos de existência, foi só há pouco que os seus membros começaram a promover ações de cidadania. E Nekrasov espera que a classe siga lutando por seus direitos. “Essa é uma onda de ativismo clara e direcionada”, disse.
Recentemente, cerca de cem donos de motos de Kaliningrado protestaram contra o
aumento dos impostos sobre o veículo em dezembro de 2009 – na ocasião, cerca de
60 dos participantes cancelaram de forma conjunta suas licenças para dirigi-lo.
Dois meses depois, a classe se uniu em uma manifestação composta por 12 mil
descontentes com as políticas econômicas do então governador Georgi Boos, que
acabou perdendo o cargo. Nos últimos meses, eles se juntaram aos motoristas de
carro para protestar contra o aumento do preço do gás em diversas regiões, inclusive
em Tchita, no leste siberiano.
A iniciativa deles não é surpreendente, pois outros grupos sociais também vêm assumindo posturas públicas. Dentre eles, destacam-se os professores, que também fizeram uma manifestação em junho, e os quase 5,5 mil jogadores de futebol que se reuniram na praça Manej, em dezembro, acusando a polícia de má conduta na investigação de um assassinato.
“As pessoas que anteriormente se mantinham à margem agora estão se
posicionando”, disse Andrei Dozorov, líder do Baldes Azuis, um grupo de
motoristas que se opõe ao uso abusivo das luzes azuis de emergência dos carros
oficiais do Estado. “Percebemos que as manifestações produzem resultados”. Recentemente,
o grupo obteve uma vitória: a Justiça russa cassou a licença de um motorista do
Ministério da Defesa que, em maio, bateu o carro – com a luz azul piscando – em
outro veículo e fugiu do local, em Moscou.
Segundo ele, a recente tolerância das autoridades com os protestos públicos não
autorizados pode ser apenas uma manobra pré-eleitoral. De fato, durante a
década passada, o governo ganhou fama por reprimir qualquer movimento do gênero.
“Pode ser só uma forma de melhorar a imagem do Estado e demonstrar que eles se
importam com o povo”, disse Dozorov. “Quando as eleições terminarem, a repressão
pode voltar”, concluiu.
O artigo foi originalmente publicado no jornal The Moscow Times
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
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