Foto:Aleksandra Gurkova
Nos últimos anos, a capital russa perdeu cerca de 700 edifícios históricos em razão da política urbanística do ex-prefeito Iúri Lujkov. Os motivos são evidentes: uma nova construção sai sempre mais barata do que uma restauração. No fim do ano passado, o governo da cidade mudou e o novo prefeito, Serguêi Sobiânin, interrompeu o processo de novas construções no centro histórico. “Os monumentos arquitetônicos, porém, continuam sendo demolidos”, disse Iúlia.
Um dos exemplos mais claros da arbitrariedade das construtoras é o do edifício citado acima, de propriedade da família Chakhovskie. No território desse complexo histórico, está situado o teatro-ópera Guelikon, cujas antigas instalações estavam se tornando insuficientes. A administração do teatro decidiu, então, construir uma nova sala, demolindo um antigo pavilhão pertencente à área da propriedade.
Os ativistas do Arkhnadzor demonstraram na Justiça que a demolição desse edifício era ilegal. A decisão do tribunal foi apoiada também pela Câmara Pública da Federação Russa. No entranto, em março de 2001, o comitê de assessoria ligado ao novo prefeito de Moscou aprovou um projeto de reconstrução que previa a demolição dos edifícios históricos do século 18 e a consequente construção de salas mais modernas para o teatro, com financiamento da prefeitura.
A partir daquele momento, os ativistas do Arkhnadzor começaram a fazer vigília, se revezando, dia e noite, na frente do teatro por um período de três meses. “A demolição começou de forma inesperada às 6h, na madrugada do dia 17 para o dia 18 de junho. Os trabalhadores da obra perceberam que havia apenas dois dos nossos voluntários ao lado do edifício e demoliram o pavilhão em dez minutos”, contou Iúlia. Agora, a tarefa dela e de seus companheiros é não permitir que o edifício principal seja reconstruído.
O Arkhnadzor foi criado em fevereiro de 2009, quando ativistas dos diferentes grupos moscovitas dedicados aos estudos e à proteção dos patrimônios culturais de Moscou decidiram unir esforços e se juntaram em uma única organização. Hoje, cerca de cinco mil pessoas fazem parte do movimento.
“Há dez anos, parecia que o estudo do patrimônio nacional não passava de um passatempo para crianças ou idosos, enquanto todas as pessoas ativas se voltavam para questões políticas”, recorda Natália Samover, outra coordenadora. “Com o passar do tempo, uma nova geração foi educada, em condições de liberdade. Agora, pessoas desse grupo, de estudantes a diretores de empresas, se juntam a nós para reclamar o direito de ter uma pátria e uma cultura”.
Os organizadores do projeto realizam reuniões mensais com os novos membros para explicá-los sobre como podem contribuir com a causa. “Tanto os participantes de ações isoladas como os coordenadores de Arkhnadzor são voluntários”, explica Natália. “Para se unir à nossa turma, é preciso ter vontade de trabalhar”.
Os voluntários que têm formação em arquitetura ou em história da arte examinam o centro de Moscou para detectar monumentos arquitetônicos. Os advogados, por sua vez, preparam os pedidos a serem apresentados junto ao tribunal e ao Comitê para Proteção do Patrimônio Arquitetônico de Moscou. A seção de projetos sociais organiza eventos socioculturais e a equipe de operações, encabeçada por Iulia, participa de ações diretas. “A coluna vertebral do nosso projeto é composta por umas 150 pessoas. E o número cresce a cada dia”, garantiu ela.
Pável Konovalov tem 25 anos e teve conhecimento da existência do Arkhnadzor por acaso na última primavera, enquanto passeava com sua mulher e seu filho pequeno pelas ruas antigas da capital. Naquele dia, 17 de abril, o Arkhnadzor tinha organizado um evento de divulgação chamado “Histórias Moscovitas”.
“Desde que não me tirem a minha pesca, sou uma pessoa passiva, mas é impossível se esconder de uma multidão de mil pessoas”, brinca Pável, ao se lembrar do primeiro contato que teve com os defensores do patrimônio nacional. “Ao lado de casa, havia cartazes informativos com fotografias dos monumentos e guias com alto-falantes. Eles haviam organizado um magnífico museu ao ar livre”, conta.
De acordo com Natália Samover, os moscovitas não conhecem bem a própria cidade. “Para chegar a defender os monumentos arquitetônicos, é preciso apreciá-los e, para isso, é necessário saber que eles existem”, comenta. O movimento organiza diversos eventos – festas, visitas guiadas, exposições, conferências – para que os moradores da capital possam não somente conhecer o seu patrimônio histórico, mas também obter informação sobre os problemas da metrópole.
“Não calculamos quantas pessoas têm participado de nossas atividades culturais, mas muitas delas vêm até nós quando disparamos o sinal de emergência e bloqueamos o acesso das máquinas aos monumentos históricos”, conta Natália. Na verdade, Konovalov não costuma participar dessas ações, mas já emprestou o seu carro diversas vezes para os voluntários que fazem vigília em frentes aos edifícios. “Eles passam muito frio quando têm que realizar essa tarefa durante a noite”, explica.
A maior vitória do Arkhnadzor até agora aconteceu no verão do ano passado. No fim de maio do ano passado, em um distrito antigo de Moscou chamado Zamoskvoretchie, vários edifícios do século 17 localizados no bairro Kadáchevskaia Slobodá começaram a ser demolidos. A Torgproduktservice, empresa responsável pelo investimento, não contava com o apoio integral da administração local. “O plano para construção de um complexo de prédios de luxo infringia tanto a legislação federal como a local. As forças empresariais tentaram se apropriar do patrimônio público de uma forma selvagem”, explica Natália.
Já que o Comitê para Proteção do Patrimônio Arquitetônico não tomava uma atitude, os voluntários do Arkhnadzor decidiram cuidar do assunto. Durante um mês, representantes de diversos movimentos políticos, religiosos e sociais, todos com ideias bem diferentes, defenderam dia e noite os edifícios históricos, impedindo o avanço dos tratores. Os simpatizantes da causa levavam comida e chá em garrafas térmicas. Pela primeira vez em vinte anos, uma manifestação em defesa do patrimônio arquitetônico conseguiu reunir aproximadamente 700 pessoas. Finalmente, o tribunal emitiu uma ordem judicial estipulando o fim da obra.
Nos próximos anos, está prevista a demolição de aproximadamente quarenta edifícios no centro histórico de Moscou. Alguns deles contêm elementos reconhecidos como patrimônio cultural. Por isso, o Arkhnadzor não se renderá e continuará patrulhando as ruas e reunindo documentação.
Enquanto isso, as velas colocadas ao lado do descampado, onde estava o pavilhão do século 18, estão lentamente queimando e Iúlia tem pressa de voltar pra casa. Hoje, quatro dias após a demolição do edifício histórico, o registro do Ministério da Cultura recebeu uma inscrição que confirma que o antigo pavilhão era um monumento de importância federal.
Isso significa que o Arkhnadzor voltará a redigir pedidos à Justiça, solicitar entrevistas com o governo e lutar pela reconstrução do edifício agora demolido. “Não podemos abandoná-lo porque um caminhão passou por cima dele”, disse Iúlia. “Agora se trata de uma questão de honra para nós. Continuaremos nosso trabalho até o fim”.
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