As mãos ásperas e inchadas de Lena Sarteto revelam um turbilhão de atividades. Enquanto a água ferve sobre o fogo no centro de sua tenda, ela cozinha um banquete para sua família e para os convidados. Sarteto está com pressa. Em poucas horas, seu pequeno grupo nômade do oeste da Sibéria, constituído por aproximadamente dez famílias da população indígena dos nenets, irá se locomover em direção ao norte.
É o início do verão polar e, aproveitando a luz quase contínua, a chamada Brigada Número 5, título oficial recebido pelo grupo durante os tempos soviéticos, levará o rebanho de 3 mil renas até as margens do mar de Kara. O plano é chegar ao Círculo Ártico em agosto. Depois, quando fugirem do frio cortante e retornarem ao oeste, os nenets trarão novamente suas renas à grama e ao musgo da aquecedora tundra.
É um ciclo antigo, que vem sendo cada vez mais ameaçado pelo avanço da Gazprom sobre a península de Iamal. À medida que a gigante russa da energia e maior exportadora de gás natural do mundo se aproxima da península com suas estradas, ferrovias, gasodutos e poços de exploração, vai transformando a paisagem da tundra russa.
Fica cada vez mais evidente o perigo que ela representa para a terra dos nenets. “Os peixes têm um sabor forte, sentimos enjoo após tomarmos água dos lagos. Nossas renas ficam enroscadas nos arames e pulam os gasodutos, quebram as pernas e morrem”, conta Sarteto. “Somos a última geração a levar uma vida nômade. Nossos filhos viverão em cidades, sem a tundra em suas vidas”, lamenta.
Na península de Iamal, encontra-se o campo de gás Bovanénkovo, uma vasta área com quase 5 trilhões de metros cúbicos de gás natural que a Gazprom deve começar a bombear no próximo ano. Torres de perfuração começaram a pontuar o horizonte e, para ajudar na exploração das fontes de gás, uma nova ferrovia de 520 quilômetros de extensão foi inaugurada no ano passado.
Para muitos dos 13 mil nômades que ainda vivem na península de Iamal, a grande ameaça é serem forçados a ficar em assentamentos permanentes, uma mudança no estilo de vida do grupo que vem sendo estimulada pelo governo do país.
Essa não é a primeira ameaça ao modo de vida dos nenets. Na época da União Soviética, eles foram obrigados a exercer uma espécie de criação coletiva. As tribos foram divididas em brigadas e forçadas a pagar impostos pela carne de rena. Milhares se mudaram para cidades da Sibéria, e os nenets precisaram lutar para manter as suas tradições.
“Somos um povo pequeno”, diz Iezingi Hatiako, 61 anos. “Não temos deputados para falar em nosso nome no parlamento, nenhum oligarca que nos dê dinheiro para nossa defesa legal”, completa.
Para Andrêi Tepliakov, porta-voz da Gazprom para a operação de Iamal, é difícil entender essa postura. “Não importa o quanto tentamos ajudá-los – oferecendo transporte, pagando salários pelo que historicamente fizeram de graça, construindo pontes sobre os gasodutos ou escolas e creches para os seus filhos – os nenets reclamam do mesmo jeito”, diz.
Lena e seu marido, por exemplo, recebem aproximadamente US$ 2,5 mil por mês, uma quantia bastante razoável nessa região da Rússia. Todo verão, os helicópteros da Gazprom sobrevoam os acampamentos nômades para buscar mais de 2 mil crianças nenets e levá-las a colégios internos em Iar-Sale, a capital da população da tundra. No entanto, Lena Sarteto diz que viveria sem esse dinheiro se pudesse ter a tundra sem interferências, apenas com a família ao seu redor.
Ela se vira para a imagem de madeira de sua divindade e repete suas preces, ainda que pareça uma atitude inútil: “Permita que a Gazprom vá embora logo e Iamal seja nossa novamente.”
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