Foto:Reuters
No dia 5 de julho, a Venezuela completa duzentos anos de independência, o que será motivo de uma grande parada militar em sua capital, Caracas. A surpresa do desfile ficará por conta da apresentação de alguns dos exemplares da tecnologia bélica russa que o presidente Hugo Chávez adquiriu junto a Moscou nos últimos anos, entre eles os mais recentes modelos do tanque T-72 e o complexo antiaéreo S-300V.
Na verdade, o grande volume de compras de armamentos e tecnologia militar russa pelo país sul-americano não é nenhum segredo. Desde maio, jornais e blogs têm noticiado esse tipo de negociação com frequência. Publicou-se até fotos do material sendo carregado em navios cargueiros em São Petersburgo e de testes realizados pelas Forças Armadas venezuelanas com tanques e veículos de transporte, em instalações cobertas de neve: nas imagens, os militares se mostram animados, trajando sobretudos e chapéus com abas abaixadas.
Um desses veículos afirmou que “desde o dia 15 de maio, carregamentos de armas compradas pela Venezuela junto à Rússia em 2009 e 2010 têm chegado a Puerto Cabello. O primeiro continha uma quantidade desconhecida de baterias antiaéreas de cano duplo de 23mm modelo ZU-23-2, com munição. Espera-se a chegada de novas encomendas. A primeira delas inclui 30 tanques médios modelo T72B1, além de uma quantidade não sabida de veículos de infantaria modelos BMP-3 e 8x8 BTP-80A”.
“A chegada de canhões de 120mm modelo 2S12 Sani e de propulsores modelo 2S23 Nona-SVK também deve ocorrer em breve. Estima-se que as entregas sejam concluídas até 2014. Além dos armamentos já citados, os carregamentos incluirão obuses de 152mm de propulsão automática modelo 2S19 Msta-S, lança-foguetes de 122mm modelo BM-21 Grad e de 300mm modelo 9K58 Smerc e um sistema de defesa antimíssil modelo S-300”, concluiu a publicação.
Outras fontes afirmam que o ministério da Defesa da Venezuela pretende criar, até o fim deste ano, a 25ª Brigada de Infantaria, que seria equipada com os veículos modelo BMP-3 e com os veículos de transporte BTR-80, ambos de fabricação russa. Os dados são da agência de notícias Infodefensa. A formação dessa divisão é confirmada por jornalistas latino-americanos, para quem os recursos para sua criação já foram incluídos no orçamento do ano fiscal de 2011.
De acordo com a Infodefensa, a nova brigada seria posicionada em La Fria, no estado de Táchira, e integraria a 2ª Divisão de Infantaria. Em sua composição, estariam batalhões mecanizados, um grupo de artilharia, uma bateria de defesa antiaérea e uma unidade de apoio e abastecimento. Atualmente, a 2ª Divisão é composta pelas 21ª e 22ª brigadas, respectivamente de San Cristóbal e de Mérida.
O governo da Venezuela já gastou US$ 15 bilhões na compra de armamentos estrangeiros e de tecnologia bélica, segundo informações do Centro Russo de Análise do Comércio Mundial de Armas (CRACMA). Da Rússia, em particular, foram adquiridos 92 tanques T72M1M e 240 veículos modelo BMP-3 e BTR-80. Além disso, o Ministério da Defesa do país planejava comprar lança-foguetes múltiplos Smiêrtch e baterias de defesa antiaérea S-300.
Em outubro, a Rússia concordou em conceder à Venezuela um crédito de exportações no valor de US$ 4 bilhões para a compra de armamentos e tecnologia bélica de produção própria. Ainda não se tinha certeza com exatidão que tipo de equipamento o país pretendia adquirir, mas já se sabia que os russos enviaram 1800 sistemas portáteis de defesa antiaérea modelo Iglá-S. Hpa dois anos, a mesma transação foi realizada para a aquisição de 92 tanques T-72 e de uma quantidade desconhecida de Smiêrtch. Nos últimos anos, segundo o CRACMA, Hugo Chávez adquiriu US$ 5 bilhões em equipamentos militares, incluindo 24 caças Su-30MK2V, helicópteros Mi-17V5, Mi-26T2 e Mi-35M2 e cem mil fuzis Kaláchnikov.
O volume dos novos pedidos pode ser aumentado em até US$ 5 bilhões, afirmou o primeiro-ministro Vladímir Pútin em reunião ministerial realizada em 5 de abril do ano passado para tratar de questões relacionadas ao desenvolvimento do complexo industrial de defesa da Rússia (no dia 15 de abril deste ano, o jornal espanhol La Vanguardia publicou outro valor: US$ 11 bilhões).
Os pedidos foram feitos em 13 diferentes empresas, incluindo a IzhMash e o escritório KBP. Com isso, Caracas pretende adquirir 92 tanques universais T-721 – estima-se que Hugo Chávez necessite de 600 novas unidades, o que pode gerar pedidos adicionais, como do modelo T-90S, por exemplo – baterias de defesa antiaérea S-300V e outros armamentos.
O crescimento acelerado das compras de armamentos russos feitos pela Venezuela nos últimos cinco anos é justificado por observadores pelo fato de que os EUA têm se negado a vender armamentos para o país sul-americano, com a alegação de que suas relações com Cuba e Irã, países considerados por Washington como párias, são “extremamente próximas”.
Originalmente, Caracas tinha a intenção de adquirir, junto à espanhola EADS-Casa, dez aviões de transporte C295 e dois de patrulha C2-195 por cerca de 1,7 bilhões de euros. No entanto, o negócio foi impedido pelo veto de Washington ao envio de peças de empresas americanas para a confecção dos aviões que seriam vendidos para a Venezuela.
De acordo com as palavras do então ministro das Relações Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, os motivos do fracasso da negociação são econômicos: a substituição por parte da Espanha, de componentes americanos por outros nacionais, faria com que o negócio se tornasse deficitário. O governo venezuelano, porém, afirma que a motivação foi política. Com isso, Chávez passou a procurar novos parceiros na área da tecnologia bélica.
Em setembro de 2009, ele anunciou a criação de um sistema escalonado de defesa antiaérea. O plano prevê a inclusão de equipamentos russos de curto, médio e longo alcance. O sistema de baterias Tor-M1 já foi instalado na Venezuela. Há ainda negociações em andamento para o envio do sistema de médio alcance Buk-M2E e do sistema de longo alcance S-300V. Além disso, o chefe da República Bolivariana anunciou a intenção de ter pelos menos um avião anfíbio modelo Be-200 com adaptações para combater incêndios.
Além disso, há boatos de que negociações vêm sendo feitas para a compra de um carregamento de veículos BMP-3 e de 24 caças Su-300MK2/Su-35 – nesse caso, a Venezuela seria o primeiro comprador desse modelo –, dez helicópteros Mi-28N e 12 lança-foguetes Tor-M2E. Para completar, Caracas manifestou interesse na compra de lança-foguetes de defesa costeira, aviões de patrulha marítima série Il-114, embarcações de modelo 14310 Mirazh e lanchas de desembarque 12061 Murena-E. Permanece em aberto a questão da possível aquisição de submarinos 877EKM, da série Varchavianka ou de sua modificação posterior.
Na Venezuela, estão sendo construídas três fábricas: uma de fuzis Kaláchnikov, outra para produzir munição – a produção anual do país supera os 50 milhões de unidades – e uma terceira para manutenção de aviões e helicópteros de tecnologia russa. Em maio de 2010, 45 oficiais das Forças Armadas locais iniciaram estudos no Instituto de Engenharia de Tanques de Omsk. A preparação de condutores de tanques para o exército venezuelano está relacionada ao acordo fechado em setembro de 2009 entre os dois países a respeito do envio de blindados e de outros equipamentos semelhantes.
Em junho de 2010, a empresa estatal CAVIM (em português, Companhia Anônima Venezuelana de Indústrias Militares) iniciou a construção de outro centro de manutenção de helicópteros russos na cidade de Acarigua, no Estado de Portuguesa, a 341 km de Caracas. Neste ano, a Rossoboronexport, agência estatal russa de compra e venda de material bélico, enviou seis técnicos ao local para treinamentos com os helicópteros modelos Mi-171, Mi17B-5, Mi-25 e Mi-35, conforme contrato selado em outubro de 2006. Após sua instalação, o centro tornou-se o maior do gênero para a realização deste tipo de atividade na América Latina.
Quando se faz a conta da quantidade de armamentos e de tecnologia bélica que a Venezuela comprou e ainda pretende adquirir da Rússia, a pergunta que surge é: para que todas essas armas? Muitos observadores consideram que Hugo Chávez não quer repetir o destino do chefe de Estado da Líbia, Muamar Kaddafi. Por conta das sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU contra Trípoli, em retaliação ao atentado contra um avião comercial escocês em 1988, o exército da Líbia possuía apenas armamento obsoleto, especialmente em termos de defesa antiaérea. Após a retirada das sanções, ele não teve tempo de obter as armas que havia encomendado junto a Moscou. E o preço que pagou por isso foi caro.
Há outro ponto de vista. Os armamentos russos são imprescindíveis para que Chávez consiga “exportar” sua revolução bolivariana. Em um de seus relatórios oficiais, os EUA afirmam abertamente que a Venezuela colabora com forças armadas ilegais de extrema esquerda da Colômbia, que estão incluídas na lista americana de organizações terroristas.
Três anos atrás, Raúl Reyes, um dos principais líderes do grupo rebelde colombiano FARC, foi morto no Equador pelas Forças Armadas da Colômbia. Em seu computador, foram encontradas provas de que Chávez apoiava o movimento financeiramente e estudava armá-lo. A Espanha também afirmou que o governo da Venezuela ajudou a estabelecer conexões entre as FARC e a organização terrorista ETA. Por isso, tanto Washington quanto Madri temem que os mísseis e os Kaláchnikov vendidos para a Venezuela apareçam em lugares além das fronteiras do país.
Tendo ou não fundamento esse tipo de suspeito, o fato é que a atitude independente tomada por Hugo Chávez em relação à política interna e externa da Venezuela, tão popular entre os moradores do país, pode se tornar pretexto para uma possível agressão vinda de países mais fortes – ou que se considerem como tal. Na parada militar do dia 5 de julho, a demonstração de poder do exército venezuelano com o armamento russo, deverá ser, para alguns, uma surpresa desagradável.
Víktor Litóvkin é editor-chefe da revista Nezavisimoie voiennoie obozrenie (do russo, “Observador militar independente”).
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