Lucros vs. qualidade

Foto:smeshariki.ru

Foto:smeshariki.ru

Animação russa Smecháriki ganha espaço em outros países, mas pode perder profundidade para se adaptar aos parâmetros internacionais.

Na parede do escritório da produtora Riki em São Petersburgo, há uma lista de exigências destinada aos tradutores chineses: a empresa está fazendo a adaptação dos novos capítulos da série Smecháriki,  que está sendo exibida no país asiático desde março deste ano. Há três anos sendo comercializado no Exterior, o desenho animado se tornou o primeiro produzido na Rússia a atingir as grandes emissoras de TV ao redor do mundo. A partir do verão, o programa deverá ser exibido em outros países. 

A "voracidade" desses mercados fará com a Riki aumente o ritmo de criação das animações. Como resultado, em 2012, há a possibilidade de que o estúdio aumente sua capacidade de produção em sete vezes, de 35 para até 245 minutos por mês.

“Na China, estamos sendo visto por até sete vezes mais espectadores do que na Rússia – são 35 milhões contra cinco milhões – mesmo com uma audiência menor. Isto ocorre em razão do tamanho da população do país", explica Iliá Popov, produtor-geral do grupo Riki. Em agosto, nos países da CEI (Comunidade dos Estados Independentes), da Europa Central e da África, Smecháriki começará a ser transmitido por um dos maiores canais infantis internacionais: a Nickelodeon. 

É claro que o acesso aos mercados estrangeiros é muito atraente à produtora: o público é muito maior para um único item a ser comercializado. Nesses locais, não existem problemas de falta de canais de veiculação, que são comuns na Rússia. Portanto, o mercado chinês está pronto para aceitar vários outros desenhos animados. 

Smecháriki agradou os distribuidores estrangeiros porque se baseia na ideia de tolerância e de um mundo sem violência. E não tem vilões: os personagens se dedicam a superar os desafios do mundo sem brigar uns com os outros. Ainda assim, o público estrangeiro não entende certos contextos. 

“É inútil explicar aos canais estrangeiros que a série foi concebida para um público de quatro a 16 anos de idade e também para os adultos. Eles não acreditam que você pode colocar tamanha complexidade e profundidade em produtos infantis. Por isso, no Exterior, Smecháriki é colocado como um produto para crianças de seis a oito anos”, afirma Popov. 

Além disso, o desenho tem muitas falas, gestos e ações que só os russos conseguem entender. Por isso, no caso da China, a adaptação demorou mais de três meses, mas a Riki não quer mais congelar o produto por um período tão longo. A saída para isso é evidente: os chineses sugeriram produzir o desenho animado desde o início com histórias que possam ser assimiladas por todos os países. Agora, a empresa está decidindo o que fazer no futuro: seguir a orientação ou deixar tudo como está.

 “Os pais riem porque as crianças não entendem o sentido de Smecháriki”, conta Nadejda Kuznetsova, diretora do estúdio de animação computadorizada Peterburg, quer produz o desenho. Na série, há uma série de situações com mensagens que os adultos conseguem perceber, mas seus filhos não. Seu episódio mais “adulto”, “O Sentido da Vida”, se refere ao filme Dead Man, de Jim Jarmusch: planos longos gerais, personagens deitados na neve e questões existenciais: “Qual é o sentido de se lavar de manhã? Para ficar animado? E qual é o motivo para ficar animado no período da manhã?...”.

"Alguns dos títulos da série têm referências, como ‘Efeito Avó’ (bábushka, avó em russo), uma referência ao filme Efeito Borboleta (bábotchki, borboleta em russo). Neste episódio, os personagens também viajam no tempo. Mesmo que as crianças de seis e oito anos não percebam esse contexto e entendam apenas o sentido mais óbvio da trama, estão bastante dispostas a refletir o sentido da vida junto aos personagens.”

"A animação deve ser interessante para o adulto e compreensível para a criança" – está escrito nas instruções para a criação de cenários de Smecháriki. Essa abordagem, característica legada da animação soviética, permitiu o desenho ganhar um público muito amplo – de crianças de dois anos até alunos de 14-15 anos, bem como adultos. Assim, a audiência média do desenho animado mostrada no canal STS mostra que o número de telespectadores de 16-54 anos supera o número de crianças entre 6-15 anos: cerca de 600 mil ante 500 mil, respectivamente.


Qual é o grande dilema, então? Por um lado, Smecháriki é direcionado principalmente para a Rússia e a CEI (Comunidade de Estados Independentes) e a saída para o estrangeiro é um projeto paralelo. No entanto, a vantagem do desenho no mercado local consiste justamente em possuir uma identidade local, porque não é razoável competir com a Disney e outras multinacionais, cuja tecnologia foi pensada desde o início para ser acessível para todo o mundo. Mesmo assim, em cada país elas têm concorrentes locais, com características próprias.

 

A perspectiva de se tornar um nome de marca internacional não isenta Smecháriki de problemas no mercado interno. Ainda líder entre as séries russas, perdendo apenas para as franquias da Disney, o desenhocomeçou a perder Ibope para a concorrência. Todos os produtores de desenhos animados ganham mais de 80% de sua receita com licenciamentos para produtos infantis: iogurte, sucos, chocolate, agendas. Esse mercado cresceu em torno de 25% a 30% nos últimos três anos – em alguns casos, em que os desenhos são novidade na mídia, ainda mais rápido.

 

O veloz crescimento de Smecháriki, cujos índices foram registrados em um mercado praticamente sem concorrência, é coisa do passado. Atualmente, a série cresce em torno de 15% ao ano. Para não perder a posição de liderança, a Riki deverá aumentar as vendas de produtos licenciados em 2,5 vezes – dos atuais US$ 200 milhões a US$ 500 milhões, equivalentes a 10% do mercado – até 2015. E, para isso, é preciso mudar a estratégia e passar de empresa monomarca para multimarcas.


A animação na Rússia


Até hoje, na Rússia, o setor de animação inexiste como indústria. Produzem-se longas-metragens que dão um bom dinheiro aos cinemas e há projetos destinados unicamente para festivais, sem a menor expectativa de êxito comercial. Mas quase ninguém trabalha com o formato de série, que proporciona contato constante do público, permitindo uma venda consistente de licenças. 

 

O motivo para isso é que não há vantagem em se produzir esse tipo de programa. Os canais não tendem a colocar programas infantis no ar, já que eles não podem ser divididos em blocos com intervalos comerciais – isso é permitido na Europa, onde as emissoras criam seus próprios desenhos. Na Rússia, as animações só vão ao ar por obrigação, já que os canais têm que dedicar 10% de sua grade para programas infantis. Mas, como esses blocos fixos de programas não trazem vantagens comerciais, é mais e barato ocupa-los com produções estrangeiras. As animações russas podem custar de US$ 100 a US$ 150 por minuto, enquanto os custos no Ocidente são em torno de US$ 7, incluindo a tradução – e, segundo estimativa da Movie Research, seriados com atores são ainda mais baratos.


Em geral, os desenhos russos têm apenas um caminho para atingir um público amplo: o programa líder em audiência entre o público infantil, "Boa Noite, Crianças!", que tem um público de cinco milhões de pessoas e, em sua parte final, exibe um curta-metragem de animação. Graças ao formato de tempo específico da atração, de 6,5 minutos, os filmes nacionais têm nesse caso uma vantagem competitiva em relação aos estrangeiros, normalmente mais longos. 

 

Smecháriki também conseguiu estar no horário bastante popular das manhãs do canal STS, principal resposta das crianças quando respondem à pergunta: "Qual o canal que você sintoniza para ver desenhos animados?". Mas, em geral, apenas 14% dos minutos das séries animadas na Rússia são destinados a produtos russos (esses dados incluem a exibição de DVDs, mas dão uma noção da situação atual da animação na TV do país).


Apesar de tudo isso, a concorrência entre as empresas de animação, tanto locais quanto estrangeiras, é cada vez maior por causa das perspectivas promissoras do mercado russo de licenciamentos. Se a LIMA (Licensing Industry Merchandisers' Association) estima que 60% das vendas de produtos infantis estão concentrados no setor de licenciamentos nos Estados Unidos e, na Europa, essa fatia corresponde a cerca de 40% do mercado, na Rússia é de apenas 15%. No entanto, em contraste com a estagnação vista no resto do mundo, o setor cresce rapidamente. E já se sabe quem são seus principais participantes.


Metade do mercado, que equivale a um volume de US$ 1,5 a US$ 2 bilhões, de acordo com as principais representantes do setor, pertence à Disney, dona de parcela semelhante de participação no mercado global. Onze desenhos animados da companhia americana estão no top 23 no ranking de marcas mais comercializadas na Rússia: dois deles – As Princesas Disney e Ursinho Puff – estão em primeiro e terceiro lugares, respectivamente. Smecháriki fica na segunda posição, com 10% do mercado. Luntik, do estúdio Melnitsa, é a outra série russa presente na lista, permanecendo em nono lugar.

 

Também exibida nos intervalos de “Boa Noite, Crianças!”, Macha e o Urso, do estúdio Animakkord, iniciada em 2009, ficou atrás de Smecháriki nas vendas de produtos licenciados e não foi incluída na lista em virtude de seu pouco tempo de mercado. No entanto, em termos de audiência, as duas séries estão quase empatadas. Outros participantes notáveis desse mercado ​​são as agências de licenciamento ELC, Plus License, Kidz Entertainment/EEMC A/S e RIO, que representam os interesses das principais marcas ocidentais.


Material publicado com direitos autorais 

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies