Cena do filme Zhmurki, que retratou os criminosos dos anos 90/Foto: Kinopoisk
“Não eram pessoas que tinham perdido o juízo. Bem, a princípio parecia que tinham, mas naquela época todos eram assim. Mas logo muitos amadureceram e a coisa melhorou, permitindo que a vida seguisse normalmente. Os meus conhecidos dizem que, quando os outros grupos acabaram com eles e a polícia começou a nos proteger, a situação se tornou ainda mais tensa. Mas não sei ao certo, pois já havia partido”.
Essas são as palavras de um dos empresários que nos anos 90 tinha um mirante próximo aos reservatórios de Borísovskie, no sudeste de Moscou. Ele fala do grupo de Orekhov com certa simpatia, mas se recusa a revelar seu nome e, quando questionado se estaria disposto a se apresentar no tribunal, sorri: “Eles já não estão mais aqui e não vou me meter nessa história”.
O passado da organização criminosa de Orekhov, igual ao da maioria de seus
“companheiros de guerra”, é cheio de mistério e cercado de todos os tipos de
mitos. Nem os representantes da ordem pública são consistentes em suas
declarações: alguns afirmam que os integrantes do grupo eram considerados a
escória no mundo da bandidagem; outros garantem que os “meninos do sudoeste”
foram os primeiros a se tornar civilizados e a se dedicar a negócios legais,
abandonando as atividades criminosas.
A gangue iniciou sua história na época da perestroika.
Era constituída por jovens musculosos das academias do distrito de Orekhov-Borísovo,
que decidiram recriar a realidade com a ajuda de barras de ferro, pistolas e
outras armas. Os tradicionais criminosos soviéticos tentaram orientar suas
ações, mas um conflito entre “pais” e “filhos” rapidamente se instalou no sul
de Moscou, resultando na convincente e sangrenta vitória dos mais novos.
Os “garotos” ganharam seu primeiro dinheiro assaltando caminhoneiros. Logo,
passaram a extorquir donos de lojas e restaurantes. No início dos anos 90, o
grupo de Orekhov já tinha passado a controlar a maior parte dos golpistas e dos
ladrões de casas e carros. Serguêi Timofeiev, ex-condutor de tratores e
instrutor de academia – chamado de Silvester por ter músculos semelhantes aos
do ator Sylvester Stallone – conseguiu superar o feudalismo criminal e uniu os grupos
criminosos que estavam dispersos.
Além de ter certo dom pedagógico, Timofeiev também era dono de uma forte veia
capitalista e de talento para negociar. Graças a ele, os rebeldes de Orekhov estabeleceram
contato com a Solntsevskaia, outra conhecida organização criminosa que havia
surgido na mesma época no distrito de Sólntsevo, em Moscou, e também era dedicada
à extorsão. “É verdade que exigiam muito dinheiro de nós”, recorda o empresário,
“mas era sempre a mesma coisa”.
Na intenção de fazer grandes negócios, ou por ter confiança excessiva em seus
protegidos, Silvester acabou sendo vítima de uma armadilha. A “Terça-feira Negra”
de Timofeiev aconteceu no dia 13 de setembro de 1994, quando sua Mercedes 600
explodiu no centro de Moscou. Algumas fontes dizem que o assassinato foi
organizado por pessoas próximas ao magnata russo Borís Berezovski. De acordo
com outra versão do crime, Silvester foi morto por seu antigo companheiro Osia,
que está sendo julgado. O famoso criminoso Viatcheslav Ivanov, o Iapontchik, morto
em um atentado há dois anos, também chegou a ser mencionado no caso.
Seja como for, depois do assassinato de Timofeiev, o sul de Moscou presenciou o
aparecimento de uma nova onda criminal, dessa vez pela disputa de seu posto. O
grupo original se dividiu em cerca de dez a quinze pequenos bandos liderados por
criminosos mais rebeldes, alguns deles com apenas 20 anos de idade. Não se sabe
então se Butorin/Osia, ex-boxeador que havia prestado serviço militar no Batalhão
de Engenharia da Construção, foi apenas um dos muitos líderes ou o diretor de cena
daquele espetáculo sangrento que atuava sob o princípio de “quanto menos
pessoas restarem, mais sobrará para nós”.
“Foram tempos muito ruins”, recorda nosso entrevistado. “Hoje aparecia um e
você tinha que pagá-lo; amanhã era outro e precisávamos pagá-lo novamente. E
assim foi por vários anos seguidos. Depois que o meu sócio foi espancado e
quase morreu, dei-me conta de que era hora de ir embora. Fiquei cinco anos sem
pisar em Moscou. Agora, trabalho como taxista”.
No fim das contas, os próprios bandidos fizeram o trabalho da polícia,
exterminando-se uns aos outros. A maioria dos líderes mais fortes de Orekhov morreu
em uma guerra que havia sido organizada por eles mesmos. Quando, no início dos
anos 2000, vários seguidores de Orekhov foram autuados, quase não havia
verdadeiros líderes entre os acusados, sendo que a maioria era indivíduos de
segundo ou terceiro escalão nas organizações.
Àquela época, Butorin já estava preso – não em seu país, mas na Espanha, onde tinha sido indiciado pelo uso de documentos falsos e por porte ilegal de armas. Depois de cumprir a pena na ensolarada Península Ibérica, ele finalmente será julgado por um tribunal russo. No entanto, restam poucos criminosos como ele, vivos e cumprindo pena.
Um deles é Vladímir Barsukov (Kumarin), o conhecido líder do grupo de crime organizado de Tambov, que tentou emplacar a imagem de empresário respeitável na segunda metade da década de 90. Mesmo tendo negado constantemente envolvimento com a organização, ele foi condenado em 2009 a 14 anos de prisão. A maioria dos anti-heróis do final do século passado já partiu desse mundo – e algumas dessas mortes, por sinal, agora são atribuídas a Butorin.
Osia também nega categoricamente sua culpa, mas quase não restam dúvidas de que ele será condenado no julgamento final. Embora a acusação o acuse de dezenas de assassinatos e sequestros, basta comprovar dois ou três episódios para o que o tribunal dê a um criminoso desta categoria a sentença de prisão perpétua.
Se as guerras convencionais só terminam quando o último soldado é enterrado, como dizem por aí, as criminais terminam apenas no momento em que o último participante sobrevivente for para a cadeia. A condenação de Butorin será uma das últimas medidas para acabar com essa batalha. Além disso, espera-se também a extradição de Dmítri Belkin (apelidado de Belok), atualmente na Espanha, “sócio” dele no comando do grupo de Orekhov. Com esses dois acontecimentos, o capítulo dos selvagens anos 90 enfim será encerrado.
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