Para primeiro-secretário, encontro de Pútin e Temer não deve gerar novos acordos

Fachada da embaixada brasileira em Moscou, construída em “estilo russo” no século 19/ Foto: Marina Korobkova_Focuspictures

Fachada da embaixada brasileira em Moscou, construída em “estilo russo” no século 19/ Foto: Marina Korobkova_Focuspictures

Sem novos encontros desde 2006, quando uma delegação russa veio ao Brasil, a CAN (Comissão Brasil-Rússia de Alto Nível de Cooperação) deve se reunir em 17 de maio em Moscou, presidida pelo vice-presidente brasileiro Michel Temer e o primeiro-misnitro russo Vladímir Pútin. Sobre a CAN e as reuniões de cooperação bilateral que vão ocorrer na data precedente, falou à Gazeta Russa o primeiro-secretário da Divisão de Europa II do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, José Eduardo Fernandes Giraudo.


Como são as reuniões que vão acontecer em Moscou?

 

Temos com a Rússia parceria estratégica que tem três mecanismos de implementação e um deles é a CIC, a Comissão Intergovernamental Brasil-Rússia de Cooperação Econômica, Comercial, Científica e Tecnológica, que substituiu a antiga “Comista”, desde a União Soviética, e que coordena as atividades bilaterais em todas as 7 subcomissões: de energia; espacial; científico-tecnológica; de agricultura; de economia e comércio; educacional, cultural e desportiva; e de assuntos de defesa.

Em teoria, essas comissões devem se reunir de 2 em 2 anos, mas acaba não acontecendo. Elas são presididas em nível vice-ministerial. Do lado brasileiro, quem preside atualmente a CIC é o embaixador Ruy Nogueira, secretário-geral das relações exteriores. A última CIC foi realizada em Brasília em outubro de 2010, co-presidida pelo então secretário-geral, hoje ministro, António Patriota, e do lado russo, pelo primeiro vice-ministro dos negócios estrangeiros, Serguei Denisov.

A CAN  (Comissão Brasil-Rússia de Alto Nível de Cooperação) é uma instância superior à CIC, co-presidida pelo vice-presidente da República, do lado brasileiro, e pelo presidente do governo ou primeiro-ministro, pelo lado russo. A última reunião da CAN foi realizada em 2006 em Brasília e co-presidida pelo então vice-presidente José Alencar e pelo então primeiro-ministro Fradkov. Infelizmente, o presidente José Alencar adoeceu e não pôde viajar à Rússia. Em 2009 chegou a ser marcada uma edição da CAN em Moscou, o vice Alencar teve que se submeter a uma cirurgia e a reunião teve que ser desmarcada e acabou acontecendo em Moscou só uma reunião ampliada dos co-presidentes da CIC.

A CIC se reporta à CAN, que é uma instância superior co-presidida pelos vice-chefes de Estado. Também se reporta à CAN um terceiro mecanismo, o Mecanismo de Consultas sobre Segurança e Estabilidade Estratégica - este de diálogo político, no nível vice-ministerial e que é co-presidido pelo lado brasileiro pela sub-secretária geral de política I do Itamaraty, embaixadora Vera Machado e pelo lado russo por seu homólogo, Ryabkov, um dos vice-ministros dos negócios estrangeiros da Rússia. A CIC não discute política, como esse mecanismo. Não discute, por exemplo,  crise no Oriente Médio ou aquecimento global. Esses dois mecanismos se reportam, idealmente a cada dois anos, à CAN. O ideal também era que a CIC ocorresse em um ano e a CAN no outro e que elas se revezassem entre as capitais dos dois países, mas como o calendário ficou bagunçado e faz tempo que não ocorre a CAN, provavelmente – mas isso não está totalmente certo ainda -, os três mecanismos se encontrem ao mesmo tempo neste ano e no mesmo lugar. Foi feito um convite ao vice-presidente Temer, que já aceitou.

Então o que vai ocorrer simultaneamente será a CIC, o o Mecanismo de Consultas sobre Segurança e Estabilidade Estratégica e a CAN?


Na verdade não vai acontecer uma reuniao da CIC em Moscou, mas uma reunião ampliada dos co-presidentes da CIC, ou seja, uma mini-CIC. Em Moscou haverá uma reunião menor, do embaixador Ruy Nogueira, do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, embaixador Andrei Denisov, e dos presidentes das comissões. Então não serão realizadas as reuniões temáticas da CIC. A CIC do ano passado envolveu cerca de 80 pessoas, e agora só vai haver cerca de 20 de cada lado. Além disso, haverá o mecanismo político, que é uma reunião muito simples entre a embaixadora Vera Machado e seu homólogo, que vão discutir política internacional. No dia seguinte os presidentes desses mecanismos vão relatar ao vice-presidente Temer e ao primeiro-ministro Pútin o que foi dicutido e decidido no dia anterior.

Provavelmente vá haver um encontro bilateral, um têt-a-têt entre os dois, num momento em que eles possam reservadamente passar seus recados, inclusive de seus presidente, que se encontraram há pouco na China.

Tem algum assunto especial a ser tratado na pauta das reuniões neste ano?

Existem assuntos que da pauta que foram discutidos na última reunião e que serão retomados. Alguns tiveram avanços, outros ainda não, porque em menos de seis meses não houve tempo para maturar muita coisa. No caso brasileiro, entramos no ano com vários tipos de restrição orçamentária, foi um semestre especialmente complicado na arena internacional, mas ao mesmo tempo os presidentes se encontraram na China  e tem várias coisas positivas acontecendo. Concretamente, não deverão ser assinados acordos novos, apesar de temos acordos praticamente prontos para assinatura, mas parece que o protocolo russo não prevê nesse tipo de reunião a assinatura de acordos, e eles ficariam para a proxima visita presidencial.

Quais os principais acordos que esperam por aprovação?

Tem um sobre cooperação jurídica internacional em matéria penal, que está sendo negociado entre nosso Ministério da Justiça e o deles, um acordo de cooperação audiovisual, sobre organização de jogos olímpicos e paraolímpicos etc. A lista é longa, e desses apenas 3 ou 4 estariam prontos para serem assinados em curto prazo.

Entre os acordos que foram assinados no ano passado em maio do ano passado no encontro entre os presidentes Lula e Medvedev, teve um acordo importantíssimo de propriedade intelectual resultante das atividades da cooperação técnico-militar, que tem a ver com a transferência de tecnologia dos programas conjuntos na área técnico-militar. Isso é importante já que estamos comprando helicópteros da Rússia, a Rússia está participando da licitação do FX-2, e outras licitações em vista. Esse acordo encontra-se no Ministério da Defesa e ainda não foi submetido ao Congresso Nacional.

Em 2008, no Rio de Janeiro, teve também mais uma série de documentos que foram assinados, documentos bastante importantes. Nós temos um mecanismo de diálogo entre os bancos centrais do Brasil e da Rússia com vistas a estabelecer um sistema de pagamentos em moedas locais, que está sendo discutida também no âmbito do BRIC, e que embora não se tenha ainda texto ou previsão, tem avançado: já foram missões do nosso banco central a Moscou, já vieram russos aqui para ver como funciona nosso acordo de países do Mercosul, e a gente tem algo em andamento parecido com a China.

Nosso marco jurídico na cooperação com a Rússia é muito extenso. Por exemplo, foi ratificado e entrou em vigor no ano passado o acordo para a obtenção de vistos de curta permanência, o que foi importantíssimo. Foi feito um esforço no sentido de restabelecer uma conexão aérea direta entre o Brasil e a Rússia. A conexão foi estabelecida por uma empresa russa, a Transaero, que chegou a operar durante três ou quatro meses no final do ano, mas aparentemente não houve o retorno financeiro desejado e a operação foi descontinuada.

No ano passado houve uma reunião em que foi definido um plano de ação na área de nanotecnologia. Os dois ministérios de ciência e tecnologia estão em contato e têm tido bastante progresso. A Rússia parece que é o país que mais investe em nanotecnologia per capita e eles estão muito avançados nisso. Na área espacial nós também temos todo o interesse, e são três vetores: cooperação na área de veículos lançadores de satélites, o outro seria o sistema Glonass, que é o GPS russo, e a fabricação de satélites. É uma área que tem bastante avanço no diálogo, na troca de missões, inclusive com o voo do major Pontes, que deu bastante ibope e foi um marco importante. Afinal, o Brasil tentou fazer isso com outros países antes e não conseguiu.

Na sua opinião, a descontinuidade do voo direto não é uma derrota?


O copo está metade cheio, metade vazio. Eu prefiro, nesse caso, ver o copo metade cheio. São razões comerciais, e há várias companhias aéreas que descontinuaram voos para o Brasil nos últimos anos. Por exemplo, a SAS Scandinavian não voa mais para o Brasil, a Alitalia não voa mais para o Rio de Janeiro, só para São Paulo, porque essa rota não dá dinheiro e a gente não está mais numa época em os governos possam subsidiar essas empresas aéreas. Nos tempos da gloriosa Variag, ela voava para todo canto do mundo, mesmo que desse prejuízo, mas hoje em dia não funciona mais assim. Só o fato de terem tentado fazer essa linha, e de ela ter funcionado por um tempo, já é um ganho.

Com relação ao acordo de vistos, e aí é minha convicção pessoal, eu acho que é um grande progresso, porque não se pode fazer uma parceria estratégica, ou querer ter um volume de negócios de 10 bilhões de dólares anuais, como é a nossa pretensão com a Rússia, e nós não estamos longe de alcançá-la, não se pode ter uma cooperação na área tecnológica, na área educacional, se os brasileiros não visitarem a Rússia e os russos não visitarem o Brasil. Porque é preciso criar uma porosidade, mesmo na área de negócios. Não se pode ter apenas o grande holding brasileiro ou russo, é preciso ter o pequeno exportador, o pequeno empresário brasileiro visitando a Rússia, o pequeno empresário russo visitando o Brasil, é preciso ter turismo bilateral. Eu estou convencido de que a facilitação dos vistos, mais uma ligação aérea confortável é muito importante.

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