Caricatura:Dmítri Divin
Há quatro anos, o pouco conhecido Anatóli Serdiukov foi inesperadamente nomeado ministro da Defesa. Naquela época, muitos observadores presumiram que a principal missão do ex-oficial de impostos seria colocar os assuntos financeiros dos militares em ordem. Os gastos da Defesa tinham crescido continuamente na primeira metade da última década, sem qualquer resultado tangível, e seu predecessor, Serguei Ivanov, tinha declarado que as reformas militares haviam acabado. Porém, após 18 meses no cargo, Serdiukov percebeu a necessidade de reformas radicais, já que pôde observar por si mesmo o quanto as forças armadas tinham se deteriorado - conclusão que se tornou ainda mais evidente depois do desempenho decepcionante do exército na guerra entre a Rússia e a Geórgia em agosto de 2008.
Em suma, as reformas de Serdiukov pretendem acabar com o exército soviético e construir outro, mais moderno, em seu lugar. O exército surgido daí deve ser capaz de conter novas ameaças à segurança do país e, ao mesmo tempo, refletir as atuais realidades econômicas e demográficas. Embora não se comente, sabe-se que uma guerra com a Otan ou com a China é pouco provável não só por razões políticas, mas também porque a Rússia careceria de recursos para tal. Todas as partes envolvidas sabem muito bem que, se eclodisse um conflito como esse, Moscou teria que contar com seu arsenal nuclear.
Ao mesmo tempo, existe um perigo crescente de conflitos locais e regionais. Todas as ex-repúblicas soviéticas, exceto os Estados bálticos, sofrem com a ameaça de movimentos étnicos e separatistas, bem como de regimes autoritários e instáveis. A Rússia não pode ignorar esses fatos e deve se envolver na maior parte desses conflitos, como ocorrido em agosto de 2008.
Esses são os tipos de conflitos para os quais o exército de Serdiukov deve se preparar. Além do mais, o exército já está envolvido em uma situação desse gênero no Cáucaso do Norte, onde rebeliões étnicas separatistas e ataques terroristas quase diários transformaram a região em uma zona de guerra.
As reformas militares de Serdiukov são uma continuação das reformas econômicas e políticas da década de 1990, respondendo aos apelos de modernização atuais. Elas podem ser o maior projeto da última década relacionado ao Estado, talvez só com exceção à tentativa razoavelmente bem-sucedida de levar a paz à Tchetchênia. Em um contexto histórico-militar mais amplo, as reformas conduzidas por Serdiukov e Nikolai Makarov, chefe do Estado-Maior do Exército, representam a transformação mais radical e profunda pela qual o exército já passou desde os tempos de Leon Trótski e do líder bolchevique Mikhail Frunze.
O que é particularmente interessante é a reação dos líderes do país às mudanças. O Kremlin, que geralmente evita qualquer ação que possa provocar agitação social ou perturbar o status quo da burocracia, tem dado forte apoio a Serdiukov - apesar das muitas críticas a seu projeto e da oposição histérica dos militares.
Esse apoio é demonstrado tanto em termos políticos quanto financeiros: mesmo durante o período mais difícil da crise econômica de 2009, o financiamento a essas reformas continuou a ser prioridade orçamentária. Além disso, a julgar pelos recentes planos de abastecer as Forças Armadas com equipamento moderno e cumprir a obrigação legal de prover moradia a todos os oficiais aposentados, esse apoio deve continuar no futuro.
A verdadeira pergunta é: por quanto tempo esse apoio financeiro e político vai continuar? Talvez as mudanças tenham sido aprovadas com tanta rapidez devido ao medo de que as reformas enfraqueçam ou sejam desvirtuadas. Como o reformista Serguei Witte, primeiro-ministro da Rússia Imperial de 1905 a 1906, disse certa vez: “Na Rússia, as reformas devem ser realizadas logo e com muita pressa. Caso contrário, a maioria irá falhar ou esmorecer”.
Ruslan Pukhov é diretor do Centro de Análises Estratégicas e Tecnológicas e editor do jornal Resumo da Defesa de Moscou.
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