Reforma ou só uma mudança de nome?

Para os críticos, faltou submeter o órgão a controle externo

Para os críticos, faltou submeter o órgão a controle externo

Alterações nas leis limitarão a autoridade dos oficiais e introduzirão direitos para os detidos. Melhoras poderiam ajudar instituição a pôr um fim ao descrédito e aos dias de infâmia na sociedade civil.

Instituição amplamente ridicularizada e vista como irremediavelmente corrupta na Rússia, a polícia vai passar por uma série de reformas que começam a entrar em vigor em março. 

Cortes de pessoal e aumento de salários foram anunciados, e uma nova “Legislação Policial” foi publicada na internet para fomentar a discussão pública. Com o intuito de inspirar confiança, o presidente Dmítri Medvedev sugeriu trocar o atual nome “milítsia”, um resquício soviético, para “polítsia”, termo usado na era tsarista.

O texto final da legislação incorporou essas mudanças, bem como sugestões publicadas na internet por cidadãos comuns. A autoridade de um policial será agora restrita a seu distrito, as pessoas terão o direito de fazer uma ligação gratuita quando detidas e os russos poderão gozar de algo semelhante aos norte-americanos direitos Miranda (a obrigatoriedade da polícia anunciar, de forma expressa, clara e integral, os direitos de um suspeito).

Corrupção

No último levantamento realizado pelo instituto de pesquisas Centro Levada, 60% dos russos se disseram insatisfeitos com a atuação da polícia, e somente 10% afirmaram confiar no desempenho do órgão.

“Eu gosto do meu trabalho. Tenho que conversar com as pessoas e fazer o bem”, diz o sargento Mikhail Menshênin, 25 anos. Junto com o policial Aleksandr Kuzminov, 23, ele é responsável pela patrulha de um distrito a sudoeste de Moscou.

Menshênin, que tem um filho de dois anos, ganha 25 mil rublos por mês, (cerca de R$ 1,4 mil), uma quantia insuficiente em uma das cidades mais caras do mundo. “Embora seja psicologicamente intenso, o trabalho dificil é recompensado. O salário pode não ser ótimo, mas nós ganhamos bônus. Se você der o melhor de si, pode ganhar o bastante”, diz o sargento. Segundo ele, os prêmios podem variar de 5 mil rublos (aproximadamente R$ 285) pela solução de um caso de roubo a 15 mil (R$ 855) no feriado nacional "dia do policial".

Mas a solicitação rotineira de pequenas quantias de dinheiro em troca de algum favor - como, por exemplo, para livrar cidadãos de pequenas infrações no trânsito - tem causado incômodo em muitos russos.

“O que você espera de nós considerando o quanto ganhamos?”, pergunta Aleksei, tenente em um diferente distrito e que não quis revelar seu sobrenome. “Os bons policiais apenas aceitam suborno em relação a coisas pequenas. Sabe como é, alguns rublos de alguém que está violando as regras de imigração ou algo do gênero, apenas para que se chegue a um acordo favorável a ambos”, ameniza.

A reforma da instituição foi anunciada por Medvedev logo depois de um incidente envolvendo um major chamado Denis Ievsiukov. Depois de uma discussão com a mulher, que se queixava de sua longa jornada de trabalho depois da promoção a chefe de polícia, Ievsiukov, de 32 anos, abriu fogo em um mercado. Sua ação deixou três mortos e tomou as manchetes.

Ceticismo

Alguns legisladores, contudo, não acreditam que as medidas possam conter a corrupção ou diminuir o descontentamento público.

“Em vez de um novo poder, teremos a mesma milítsia com novo nome”, disse à Gazeta Russa Gennádi Gudkov, vice-presidente do Comitê de Segurança da Duma (câmara dos deputados na Rússia) e membro do partido de oposição Rússia Justa.

Segundo Gudkov, o partido pró-Kremlin impediu as tentativas de submeter a polícia a uma vigilância pública maior. "Propusemos aumento de supervisão por meio de organizações de base, mas eles negaram", lamenta.

Alguns oficiais superiores da polícia também não acreditam que a reforma irá inaugurar uma nova era.“Se nós não modificarmos as outras instituições juntamente com a polícia e esclarecermos quem é responsável pelo o quê, nenhum corte de funcionários ou aumento de salários produzirá efeito”, disse o chefe de polícia do distrito sudoeste de Moscou, Iúri Matiúkhin. Segundo ele, poucas instituições têm tentado combater a corrupção interna tão incisivamente como a polícia. “Desafio qualquer um a mostrar um segmento do governo russo que esteja fazendo mais e de modo tão transparente na luta contra a corrupção e pela melhora de seus índices”, desafia.

“O que é necessário é um controle externo em relação à polícia realizado por organizações públicas”, diz o especialista em segurança do Centro Carnegie de Moscou, Nikolai Petrov. “Nós não temos senso de responsabilidade como nos Estados Unidos, onde os corregedores são eleitos e afastados caso não estejam realizando seu trabalho corretamente”.

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