Depois do Brasil, a Rússia

Foto: AP

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Quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, retirou do envelope o papel que anunciava a vitória da Rússia como sede da Copa 2018, até os russos mais céticos se exaltaram. O evento promete causar uma mudança de 180 graus na vida de todo o país. A intenção de receber a Copa do Mundo foi anunciada há dois anos, mas durante a maior parte do tempo a candidatura foi considerada um despropósito. Uma zebra. A vitória, no segundo turno da votação, derrubou a favorita Inglaterra, os Estados Unidos e Espanha/Portugal. A decisão da Fifa, junto com a escolha do Catar para receber a Copa de 2022, levará quatro torneios seguidos para países em desenvolvimento. A Rússia pretende aproveitar a organização do evento para modernizar o país, investindo na infraestrutura das sedes, especialmente em transportes, e ao mesmo tempo abrir-se para o exterior, reduzindo exigências para os visitantes.


Arrumando a casa para a Copa


 

Ben Aris,Business New Europe

 

Depois de adquirir os direitos de promover as Olimpíadas de Inverno 2014 e, ainda neste mesmo ano, ser incumbida de receber um Grande Prêmio de Fórmula 1, a Rússia acaba de ser eleita sede da Copa 2018. Sediar o evento esportivo de maior visibilidade do mundo não será apenas divertido, mas também trará importantes benefícios econômicos para o país, apesar dos bilhões que o Kremlin terá que investir para instalar uma infraestrutura de padrão internacional.

 

“Estradas, pontes, aeroportos, portos e infraestrutura esportiva serão adaptados aos padrões mundiais. Isso irá aumentar substancialmente a produtividade, a oferta de empregos e elevar a tendência de crescimento”, disse o chefe do escritório de investimento do Renaissance Asset Managers, Plamen Monovski. “Historicamente, grandes gastos com infraestrutura costumam promover um acréscimo não-cíclico de 1% a 2% à tendência de crescimento”, completa.   

Estádios

Copa do Mundo 2018 pode estimular maior investimento em infraestrutura do mundo para que país corresponda às expectativas da Fifa./Foto: Lori/Legion media



O primeiro passo para o país corresponder às expectativas da Fifa será injetar capital nas instalações de transporte e turismo das 13 cidades de quatro regiões russas onde a competição ocorrerá, bem como para construir 15 novos  e modernos estádios.

“O custo pode chegar a dezenas de milhões, e a Copa do Mundo 2018 demanda muito mais urgência e um cronograma mais severo no programa de modernização do governo”, afirma o estrategista-chefe do banco de investimentos Uralsib, Chris Weafer.  

Os trabalhos para melhorar a infraestrutura russa, composta basicamente por resquícios do período soviético, já começaram. O conselho da Copa do Mundo, criado para o evento, impôs um cronograma que deverá ser seguido à risca pelo país.

Transportes

As linhas Moscou-São Pe- tersburgo e Moscou-Nijni Novgorod serão ligadas a seis das 13 cidades que irão sediar os jogos, por meio de um trem de alta velocidade (o “Sapsan”, já existente no trecho entre a capital e São Petersburgo). Além disso, uma conexão para Sôtchi, na região do Mar Negro, será inaugurada até 2013, enquanto Kaliningrado, o enclave russo à beira do Mar Báltico, será conectado às demais linhas até 2016.

A rede de estradas também será aperfeiçoada, embora se espere que a maioria dos visitantes viaje de avião, considerando a extensão do país. O Kremlin já se comprometeu a duplicar a capacidade dos aeroportos de Moscou e São Petersburgo até 2015, e triplicar o de Iekaterinburgo até 2012, com melhorias semelhantes em Kaliningrado e Samara até 2018 e 2020, respectivamente.

As capacidades dos terminais de Kazan e Sotchi serão quadruplicadas até 2018, enquanto um novo aeroporto será construído em Rostov até 2017. A única cidade-sede na porção oriental dos Montes Urais é Iekaterimburgo. 

Vistos gratuitos

O governo também já prometeu a concessão de vistos gratuitos para torcedores estrangeiros. No caso dos brasileiros, entretanto, a medida é desnecessária, já que não há mais necessidade de emissão de vistos de turismo entre Brasil e Rússia desde junho. Também será destinado um grande subsídio para os fãs viajarem longas distâncias entre as cidades-sede do evento.

O mais importante é que, com a indicação, o Kremlin terá que seguir os severos padrões de qualidade e os prazos da Fifa. “Conheço o espírito russo, e agora a Rússia está sob pressão e tem a obrigação de continuar. É hora de falar menos e trabalhar mais”, disse o holandês Guus Hiddink, ex-técnico da seleção de futebol russa, durante o encontro da Fifa que definiu a escolha.

Impulso na bolsa

Sediar a Copa do Mundo poderia resultar em uma “colisão futebolística” no preço das ações russas – atualmente as mais baratas do mundo –, já que os investidores internacionais evitam o mercado do país devido a sua imagem ruim.

O índice das 50 ações russas negociadas na Bolsa de Valores de Moscou (RTS Index) teve reação favorável após o anúncio da vitória russa e permaneceu em alta no dia seguinte.

“Não é coincidência o fato de que os maiores eventos esportivos dos últimos tempos venham acontecendo em países emergentes – isso reitera a recém-descoberta importância desas nações no cenário global e é um grande símbolo do realinhamento das influências mundiais”, disse Monovski.

“Pense nas Olimpíadas de Pequim e na Copa do Mundo da África do Sul. Em todos esses casos, a opinião internacional em relação a tais países mudou para melhor”, afirma.


“Copa do Mundo é sinal de confiança”, diz

premiê


Vladímir Pútin espera que torneio ajude estrangeiros a esquecerem má fama do país, e busca apoio financeiro privado.


Andy Potts,The Moscow News

 

A vitória da Rússia na disputa para sediar a Copa do Mundo de 2018 é um “sinal de confiança” no país, disse o primeiro-ministro Vladímir Pútin.

Ele não compareceu à cerimônia do anúncio em Zurique, na Suíça, mas participou da coletiva de imprensa no país europeu, horas depois da decisão. Putin também se comprometeu a honrar a paixão local pelo esporte. “Os russos adoram futebol. A Rússia sabe o que é o futebol e temos tudo para conduzir a Copa do Mundo 2018 com muita dignidade”, afirmou o primeiro-ministro.

“A decisão corresponde à filosofia da Fifa de difundir o esporte, em especial naquelas regiões do mundo onde o seu desenvolvimento se faz necessário”, completou.

Abaixo os preconceitos

O maior argumento da proposta russa foi o fato de muitos países da Europa Ocidental já terem sediado a Copa, enquanto as nações do leste do continente jamais abrigaram o evento.

Putin também destacou sua esperança de que a Copa de 2018 elimine, segundo ele,  conceitos errados que pairam sobre a imagem da Rússia. E isso apenas alguns dias após documentos secretos que categorizavam a nação como um “Estado mafioso” se tornarem manchetes internacionais via Wikileaks.

O primeiro-ministro afirmou que a Guerra Fria deixou uma marca permanente na visão mundial sobre a Rússia, e que essa ideia “percorre o território europeu e todo o mundo”.

“Precisamos mostrar que estamos abertos”, disse. “As pessoas virão e verão por conta própria. Quanto mais contato tiverem com a nossa cultura, mais rapidamente essa visão desaparecerá.”

Abramovich a bordo

O mais famoso fã de futebol da Rússia, o proprietário do time inglês Chelsea FC, Roman Abramovitch, recebeu um convite pessoal para participar da festa.

Com um orçamento de R$ 17 milhões para infraestrutura associado à proposta, o apoio do empresário mais rico da Rússia teria papel fundamental na redução das despesas do Estado, destacou Pútin.

“Queremos atrair empresas a fim de minimizar os gastos públicos”, afirmou. “Vamos garfar um pouco de dinheiro! Não se preocupe, Abramovitch não perderá – ele tem muito”, brincou.

Era esperada uma disputa acirrada entre Rússia e Inglaterra pelo direito de sediar o torneio. Entretanto, a divisão de votos da Fifa demonstrou o contrário. A Rússia obteve nove dos 22 votos do primeiro turno, enquanto a Inglaterra registrou apenas dois e foi eliminada.

No segundo turno, a Rússia angariou 13 votos e a maioria absoluta. Aparentemente, os votos foram obtidos tanto dos partidários da Inglaterra e da dobradinha Bélgica-Holanda. A candidatura Espanha-Portugal, cuja expectativa era de que seus parceiros latino-americanos ajudassem a garantir pelo menos oito votos, conseguiu apenas sete em ambas as votações.


Clubes ainda não são lucrativos


Estrutura financeira é fraca e maioria dos times russos ainda vive de apoio estatal, independente de ingressos e direitos de transmissão. 


Iliá Zubkó,Gazeta Russa

 

Hoje em dia, R$ 29,5 milhões compram apenas a perna esquerda de um atacante de grandes clubes como o Manchester United ou o Barcelona. Essa, porém, é a quantia que levou o clube de futebol de Moscou CSKA às quartas de final da Liga dos Campeões da UEFA.

 

Atacante do Spartak, o ex-Goiás Welliton pode ser primeiro estrangeiro a vestir a camisa russa numa Copa/Foto: ITAR-TASS



O fato apenas destaca a instabilidade financeira do futebol russo nos últimos anos. A maioria dos clubes sobrevive financiada por governos locais ou grandes corporações, tais como Gazprom, Lukoil, Rosneft ou Ferrovias Russas (RZhD). Fluxos de receita que são cruciais no Ocidente, como os direitos de transmissão, ingressos e licenciamento de camisas ainda geram pouca receita no país.

Até pouco tempo atrás, os clubes russos recebiam grandes quantias de patrocínio e saíam à cata dos melhores jogadores da Europa e da América do Sul. Mas, no início da retração financeira global, os salários anuais entre R$ 5 milhões e R$ 8 milhões dos principais jogadores excederam os lucros reais, mesmo nas equipes maiores. A maioria dos clubes, porém, cortou seu orçamento em apenas 10%, enquanto alguns se recusaram até a revisar os gastos.

“O ano de 2010 foi o primeiro em que os orçamentos sazonais refletiram o potencial real do mercado de futebol”, afirmam críticos da revista de negócios Finance. 

Agora os clubes estão começando a cair na real. Nenhum deles ampliou o faturamento  no ano passado e ninguém mais tenta bancar as multimilionárias transferências de jogadores. Nenhum contrato ultrapassou a marca de R$ 14,5 milhões em 2009 – um sinal de que os dirigentes aprenderam a se conter.

Assim como no Brasil, a comunidade esportiva da Rússia é reticente no que se refere a despesas e lucros.

No ano passado, o Dinamo de Moscou publicou um relatório de orçamento de R$ 121 milhões, mas nenhum outro clube seguiu o exemplo. Na temporada de 2010, somente o CSKA Moscou divulgou seus dados financeiros. Os contratos de patrocinadores representam apenas  R$ 287 mil em um orçamento total de R$ 313,5 milhões.Mesmo assim, para muitos times russos, esse tipo de desempenho financeiro – apoiado pelas aparições na Liga dos Campeões – é o negócio dos sonhos

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