Ilia e Vera, filhos de Anna, querem fortalecer a democracia/Foto: Kommersant
Vera Politkovskaia esperava um bebê quando sua mãe, a jornalista Anna Politkovskaia, foi assassinada. Era 7 de outubro de 2006, e Anna chegava em casa com os braços cheios de compras. Na portaria do prédio, para onde as duas haviam se mudado havia apenas uma semana, ela foi baleada e morta em plena luz do dia. “A gente estava redecorando nosso apartamento como parte da preparação para a chegada do bebê,” lembra Vera, que hoje tem 30 anos. Cinco meses depois do atentado nasceu Anna, batizada em homenagem à avó, e que logo completará 4 anos.
Anna Politkovskaia era uma das principais repórteres da Nôvaia Gazeta, o mais importante jornal investigativo do país. Por causa de sua apuração da guerra da Tchetchênia e do sequestro em um teatro de Moscou, em 2002, ela começou a receber ameaças de morte e planejava encerrar a carreira para proteger a família.
O caso foi julgado, mas três dos homens apontados como suspeitos acabaram absolvidos. Para Ilia, 34, filho mais velho de Politkovskaia, sua mãe é o maior exemplo da ameaça que sofrem os jornalistas russos.
Na Rússia, pelo menos 35 jornalistas foram assassinados entre 2000 e 2009. O país é o quinto mais perigoso do mundo para jornalistas, segundo o Instituto Internacional de Imprensa. No último relatório anual da ONG Repórteres Sem Fronteiras, divulgado em outubro, a Rússia ficou em 140º lugar no ranking da liberdade de imprensa - o Brasil ficou em 58º.
Anna Politkovskaia continuou a cobrir os acontecimentos na região do Cáucaso muito tempo depois de a imprensa estrangeira ter deixado o local. Ela relatava em muitas de suas reportagens como o chefe de governo da República da Tchetchênia, Ramzan Kadirov, vinha violando os direitos humanos dos habitantes da região. Para tanto, tinha ajuda de gente como a colega Natália Estemirova, que também foi assassinada, em 2009.
“Até então, não havia quaisquer provas de que o presidente tchetcheno, Ramzan Kadirov, estivesse por trás do assassinato,” disse Ilia, pouco antes de Kadirov aposentar o título de presidente se para tornar apenas “chefe” da Tchetchênia - com a intenção, segundo ele mesmo, de não deixar a população local esquecer que seu país é a Rússia, e seu presidente, Medvedev. “Os investigadores têm buscado os assassinos em si, e não os mandantes do crime. Talvez o público só descubra a verdade daqui a muitos meses ou até anos”, acrescentou Ilia.
Vera ainda mora no mesmo apartamento que reformava quando o crime aconteceu. Assim como os pais, ela se tornou jornalista, apesar da formação em música pelo Conservatório Estatal de Moscou.
Já Ilia é sócio numa grande agência de relações públicas. “Política? Não é para mim, e o mesmo vale para o jornalismo. Não quero passar minha vida inteira à sombra dos meus pais.” Vera também se mantém afastada da política, mas por outro motivo. Para ela, o sistema é inteiramente corrupto. “Tem muita sujeira aqui,” diz.
Os filhos de Anna Politkovskaia, entretanto, são unidos por um desejo comum: promover a democracia na Rússia.
“Até o momento, estou muito pessimista,” admite Vera. “A liberdade de expressão não melhorou desde 2006 e na televisão, por exemplo, as coisas só pioram. Os grandes canais recorrem instintivamente à autocensura. Eu pessoalmente não cubro acontecimentos políticos. Acho que só podemos conquistar liberdades políticas se formos às ruas em protesto.”
Ilia, entretanto, se mostra mais cético quanto aos movimentos sociais: “A campanha para proteger a floresta de Khímki, por exemplo, foi muito bem organizada, o que não acontece com frequência na Rússia. No entanto, temos que entender que a mídia só cobrirá acontecimentos que não ameacem o poder das autoridades. Claro, ainda tem a internet e muitos blogs não censurados, mas sua audiência ainda não é muito grande.”
Quatro anos depois da tragédia, Vera e Ilia ainda estão abalados, e o caso parece longe de uma conclusão.
“Conhecemos todos os que estavam envolvidos em seu jornalismo investigativo. Mamãe sabia que poderia ser morta. Ela inclusive me mostrou em que lugar do apartamento guardava seus documentos mais importantes. ‘Caso seja preciso’, como ela dizia. Mas eu nunca poderia imaginar que acabaria assim.”
O chefe da Comissão Russa de Investigações, Aleksandr Bastrikin, ordenou uma “imediata e detalhada análise de todos os casos criminais em que jornalistas figurem como vítimas”, afirmou seu porta-voz, Vladímir Markin.
A decisão de retomar as investigações desses casos foi tomada depois de encontro com a Comissão de Proteção dos Jornalistas, em que o grupo teria apresentado “novas informações”, segundo Markin.
Crimes ocorridos antes do estabelecimento da Comissão de Investigações na Rússia, em setembro de 2007, bem como aqueles suspensos ou encerrados, também serão revistos.
Durante o encontro, Bastrikin também discutiu o relatório da comissão de investigações sobre diversos outros casos sem solução.
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