Alguns observadores da Rússia não se cansam de repetir que o país enfrenta uma “crise demográfica”. Recentemente, a divisão russa da emissora de rádio BBC advertiu em tom agourento que “a Rússia está morrendo rapidamente”. O autor chegou afirmar que a população decrescente vai debilitar a posição internacional e até alterar as fronteiras do país.
Com a previsão do censo dos Estados Unidos de que a população mundial atingirá entre 8,5 bilhões e 10 bilhões em meados do século e um suprimento cada vez menor de recursos naturais, eu diria que países com menos, e não mais, bocas a alimentar, petróleo para consumir e água potável para beber estarão numa posição privilegiada.
A Rússia seguramente tem abundância de recursos: vasto território, água potável (detém 20% do suprimento mundial só no lago Baikal), florestas intermináveis, próspero mercado agrícola, petróleo e gás, população instruída e armamento nuclear para se defender. Poderia, portanto, ser um dos países mais bem equipados para enfrentar futuras crises ambientais.
Mas – insistirão os críticos – a questão não é o número de residentes, e sim a força de trabalho decrescente, que impedirá o crescimento econômico nas próximas décadas. É aí que a recente política do governo, que parece ter sucumbido à histeria que cerca o tema, gera motivos de preocupação.
Quando era ainda vice-premiê, o atual presidente Dmitri Medvedev apoiou a aprovação de uma série de medidas para reverter tendências demográficas negativas: multas de trânsito mais severas para reduzir o índice de mortalidade nas rodovias, uma batalha contra o consumo de álcool e maiores investimentos nos programas de saúde.
Como resultado, em 2009 a população russa cresceu pela primeira vez e, depois de cerca de dois anos do lançamento do projeto, a expectativa de vida masculina aumentou, segundo a Agência Estatal de Estatística da Rússia.
Desde então, o Estado também vem distribuindo premiações de aproximadamente US$ 12 mil para mães que têm mais de um filho. Eu diria, porém, que, além de pagar os cidadãos para que tenham mais filhos, o governo deveria dedicar-se à melhoria da produtividade. Esse indicador permanece criticamente baixo, equivalendo a apenas 16% daquele da União Europeia, segundo a empresa Capital Partners.
Entre as propostas que o governo deveria seguir para desenvolver de modo considerável a economia russa, o padrão de vida e a influência global estão:
• Fazer contato com a Diáspora no exterior: poucos russos no exterior estão dispostos a mandar seus filhos – os quais geralmente têm o talento crítico, a experiência prática e o entusiasmo gerencial de que a Rússia carece desesperadamente – sequer para visitar, menos ainda morar num país onde podem ser apanhados de surpresa na rua e jogados no exército. Isso os deixa com a escolha de abrir mão da cidadania russa ou evitar totalmente o país. O Estado deveria emendar a legislação sobre o recrutamento militar e a residência para atrair cidadãos talentosos de dupla cidadania.
• Encorajar operários estrangeiros altamente especializados, principalmente gerentes, a viverem e trabalharem no país. Qualquer expatriado que more em Moscou pode relatar histórias de terror quanto à obtenção de residência e uma permissão legal de trabalho. Embora o Estado recentemente tenha feito esforços no sentido de facilitar as regras de concessão de visto para trabalhadores altamente qualificados, muito mais pode ser feito. Um relatório de 2009 da revista de negócios McKinsey Quarterly afirma que 80% do abismo de produtividade da Rússia em relação aos Estados Unidos deve-se simplesmente ao mau gerenciamento.
• Desenvolver a assistência social de modo que os mais de 730 mil órfãos russos possam tornar-se membros produtivos da sociedade na vida adulta. O site Iorphan.org informou que apenas 10% dos órfãos da Rússia se tornam cidadãos íntegros, enquanto a maioria descamba para as drogas, a violência e o suicídio. À parte a óbvia necessidade humana de evitar essa tragédia, um melhor planejamento familiar e políticas de adoção poderiam salvar esse segmento da sociedade.
• Desenvolver programas para integrar portadores de deficiência à sociedade. A economia da “inovação” pregada por Medvedev não se baseia em fábricas ou no campo. Muitos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento podem ser desempenhados em casa, pela internet, e garantir uma conexão de internet grátis de alta velocidade para incapacitados físicos nas principais cidades russas e provê-los de cursos universitários online são coisas que podem ser feitas já. Novas redes de transporte e edifícios também podem ser construídos levando em conta a acessibilidade.
O esforço por modernização de Medvedev é a melhor oportunidade para finalmente mudar a discussão da demografia russa – de quantidade para qualidade.
Artem Zagorodnov é editor executivo de Russia Beyond The Headlines.
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