A imagem convencional feita da Rússia é a de um país com uns poucos barões do petróleo super-ricos e mais de uma centena de milhões de pobres. No entanto, apesar de o país contar mais bilionários, em dólares, do que qualquer outro BRIC – o bloco econômico dos gigantes Brasil, Rússia, Índia, China - a renda do país é também mais equitativamente distribuída do que nos Estados Unidos, por exemplo.
O coeficiente de Gini, medida que avalia o nível de desigualdade na distribuição de renda num país, calcula também o conceito de riqueza. Se o comunismo tivesse funcionado, por exemplo, então todo o mundo ganharia igual, o que resultaria num coeficiente de Gini zero. Já numa sociedade perfeitamente desigual, em que uma única pessoa tem todo o dinheiro, o coeficiente de Gini seria 100.
Na Rússia, os ricos certamente ficaram muito mais ricos nos últimos 10 anos e sua bem relacionada elite abriga algumas das pessoas mais abastadas da Terra. No entanto, o boom econômico desta década, iniciado durante o mandato de presidente de Vladimir Putin (e auxiliado pela alta do petróleo), fez os pobres enriquecerem ainda mais rapidamente. Em dólares, o PIB da Rússia cresceu cerca de 7,5 vezes na última década, subindo de cerca de US$ 200 bilhões para US$ 1,5 trilhão. Ao mesmo tempo, a média dos salários aumentou 14 vezes em relação ao mesmo período, de US$ 50 para US$ 700 mensais. Liam Halligan, economista da empresa de gerenciamento de capital especializada no mercado russo Prosperity Capital Management, afirma que “dessa maneira, a proporção do PIB potencializada pela força de trabalho cresceu muito. Alguns russos hoje conhecidos ficaram muito ricos não com o trabalho, mas com o capital. No entanto, não tiraram esse capital de outras pessoas, mas do Estado”.
O coeficiente de Gini da Rússia subiu de 39,9 em 2001 para 42,3 em 2008 – um aumento menor que o dos EUA e abaixo de qualquer outro país do BRIC (46,9 da China, 53,5 da Índia e 57 do Brasil, segundo a CIA).
Um dos motivos pelos quais a Rússia tem se saído tão bem no coeficiente de Gini é que todo cidadão do país ganhou um apartamento depois do colapso da União Soviética. O problema é que até recentemente ninguém podia usar o capital representado por essa posse, literalmente preso em tijolos e argamassa. Mas com o volume de empréstimos sob hipoteca dobrando todo mês desde o começo do semestre, essa riqueza está se tornando rapidamente acessível a um número crescente de russos.
O efeito desse rápido crescimento na riqueza das massas tem sido dramático. Se o mesmo crescimento ocorresse no país de Barak Obama, a renda per capita dos Estados Unidos subiria dos atuais US$ 40 mil, segundo a CIA, para US$ 560 mil nos próximos oito anos. Qualquer presidente que promovesse esse tipo de aumento de riqueza não só seria reeleito, como canonizado. Essa imensa transformação criou uma crescente classe média na Rússia quase da noite para o dia.
Quando Putin lançou seu plano de reforma a longo prazo, preconizou que 60% da população ingressaria na classe média até 2020. Mas, segundo um relatório divulgado pelo principal banco de investimento russo, o Troika Dialog, a Rússia já estaria lá no início do segundo semestre deste ano. O Troika afirma que a classe média (definida pela renda per capita de mais de US$ 6 mil anuais) já representa 68% da população, contra 31% no Brasil, 13% na China e 3% na Índia. Qualquer que seja a definição de classe média escolhida, ainda está claro que a distribuição de riqueza russa é muito mais equitativa do que em qualquer outro dos BRIC, e por uma grande diferença.
Liberada da necessidade de simplesmente sobreviver, a classe média emergente tipicamente se torna mais política, uma vez que tem muito a perder com um mau governo. A população russa tem suportado silenciosamente as dores da transição pela maior parte dos últimos 19 anos, mas desde o ano passado começou a vir à tona uma variedade de protestos.
Manifestantes do movimento Estratégia 31 se reúnem no trigésimo primeiro dia de todo mês de 31 dias contra a recusa do Estado em permitir livres demonstrações de protesto, garantidas pelo artigo 31 da Constituição. O movimento dos direitos dos gays ganha força e o Kremlin foi várias vezes constrangido e levado a agir pela pressão dos protestos na blogosfera da Rússia. O mais significante desses exemplos foi a ordem do presidente russo, Dmitri Medvedev, para que a construção de uma rodovia cortando a floresta de Khimki fosse interrompida, depois de uma série de protestos públicos.
Tanto Putin como Medvedev estão falando agora da necessidade de promover a sociedade civil. Com o aumento de sua experiência capitalista, o Kremlin agora tenta um jogo delicado: equilibrar o relaxamento do controle centralizado enquanto monitora a opinião popular.
Ben Aris é editor-chefe do jornal Business New Europe.
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