Foto: Mikhail Metzel_AP
Durante o último verão na Rússia as temperaturas bateram recordes e o calor passou de 38 graus, algo nunca antes visto desde que medições começaram a ser feitas, há 130 anos. Houve mais de 26 mil focos de incêndio, uma quantidade também sem precedentes.
Agora que os desastres foram contidos, os russos estão avaliando os danos que atingiram desde o Kremlin até as menores prefeituras e os motivos que tornaram a situação tão fora de controle.
Em 2007, uma nova lei florestal tirou de serviço 70 mil guardas-florestais, a primeira linha de defesa do país contra incêndios. Como resultado hoje há apenas 22 mil bombeiros na Rússia. Em comparação, a Alemanha, um país muito menor, conta com 27 mil. Também não há qualquer tradição de treinar bombeiros voluntários, como acontece nos Estados Unidos.
Diante da falta de estrutura, os moradores das aldeias russas precisaram lutar contra o fogo com o equipamento que estivesse à mão – pás e picaretas – para construir frágeis barreiras.
Os equipamentos de combate a incêndios também estavam deteriorados e os bombeiros relatam que as estradas de acesso estavam encobertas pela vegetação e lagos que reabasteceriam o suprimento de água, cheios de entulho e lama.
Para tentar conter o fogo, as equipes de emergência que levavam o equipamento de socorro e de combate a incêndios fizeram pontes aéreas com a Bielorrússia, a Itália e outros países europeus.
Além disso, dois aviões militares norte-americanos e um avião fretado pelo governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, aterrissaram em Moscou carregados com tanques de água e roupa de proteção contra incêndios, entre outros equipamentos.
“Sempre lembraremos deste gesto, essa mão que nos foi estendida num momento muito difícil”, afirmou Valeri Shuikov, vice-chefe do departamento internacional do Ministério para Situações de Emergência russo.
O primeiro-ministro Vladimir Putin visita aldeia afetada pelos incêndios/Foto: Saha Mordovets_Getty/Fotobank
Na região ao redor de Moscou, terrenos há muito drenados pelos soviéticos foram consumidos pelo fogo. Como consequência, a capital foi coberta por uma espessa fumaça. Mais de 50 pessoas foram mortas nos incêndios e, por conta das chamas e da fuligem, o índice médio de mortes dobrou em julho na capital, segundo o Instituto de Estatística de Moscou. Milhares de pessoas perderam suas casas e alguns fazendeiros, classe que recentemente retomou fôlego na Rússia, viram-ve à beira da falência. Cerca de 800 mil hectares foram destruídos, incluindo um terço da colheita de trigo do país.
Diante da falta de recursos, muitos voluntários se apresentaram. Centros de socorro, salas de teatro e escritórios dotados de ares-condicionados abriram suas portas para moradores acalorados. Movimentos de caridade conseguiram enviar suprimentos para as regiões mais duramente atingidas. Moscou adquiriu um ar fantasmagórico, formado por muito mais do que moléculas de oxigênio e gás carbônico. "Parecia que eu estava em um filme de terror", descreveu a estudante Anastasia Shishkova.
O jornal Izvestia noticiou uma corrida para a compra de aparelhos de ar-condicionado, cujo preço saltou de aproximadamente US$ 400 para US$ 1,6 mil. Os moscovitas que não tinham o aparelho recorreram aos chuveiros para se refrescar, e, em consequência, o consumo diário de água da cidade pulou de 280 mil metros cúbicos para 400 mil metros cúbicos a cada 24 horas.
Foto: Alexandr Rumin_ITAR-TASS
Os líderes foram lentos em reagir à crise, e quando voltaram a atenção para a catástrofe foram confrontados com uma opinião pública furiosa. A internet ficou carregada de raiva, e tanto o primeiro-ministro Vladmir Putin como o presidente Dmitri Medvedev rapidamente mudaram seu perfil público.
Putin jogou-se à ação, visitando pessoalmente as regiões mais atingidas, prometendo generosa compensação monetária às vítimas e fixando cronogramas para a extinção dos incêndios. O primeiro-ministro foi mostrado na televisão decolando num avião de combate ao fogo e jogando água sobre um foco de incêndio. Também ordenou ao ministro das comunicações, Igor Shegolev, que instalasse câmeras nos locais onde as habitações estavam sendo recuperadas, com um link direto para seu escritório.
Conforme o politólogo Nikolai Zlobin destacou no jornal Rossiyskaya Gazeta, os incêndios levantam questões fundamentais sobre a presteza do país em encarar crises não-militares que ameacem a segurança de seus cidadãos. Em resumo, os incêndios expuseram fraquezas nas estruturas do governo, em todos os níveis, diante de uma emergência nacional.
“Quando tais ameaças são inesperadamente exacerbadas, o Estado e seus cidadãos tornam-se vulneráveis e indefesos, e a situação ameaça fugir ao controle, tornar-se ingovernável e levar à desestabilização”, escreveu Zlobin. “É por isso que lições para o futuro devem ser aprendidas a partir deste difícil verão.”
Funcionários russos agora estão falando, não pela primeira vez, em reinundar os charcos e melhorar a capacidade do país no combate aos incêndios. E cientistas russos, notando o espectro do aquecimento global, advertem para o fato de que o longo verão de calor deste ano poderá ser seguido por outros.
“O clima está ficando mais quente e uma extrema instabilidade está crescendo com ele”, alertou o dr. Alexander Ginsburg, vice-diretor do Instituto de Física da Atmosfera, em Moscou.
Para a maioria dos pesquisadores da Rússia, o Protocolo de Kyoto não tem fundamento científico.
Yuri Medvedev, Rossiyskaya Gazeta
O clima enlouqueceu. Sufocou a Rússia com um calor nunca antes visto, atacou a América do Sul com frios impensáveis e provocou fortíssimas enchentes na Ásia. Mas a tendência de culpar o aquecimento global por todas essas desgraças não é generalizada. Veja abaixo o que Yuri Israel, diretor do Instituto de Clima Global e Ecologia e membro da Academia de Ciências da Rússia, pensa sobre o assunto.
Gostaria de destacar, em primeiro lugar, que os períodos de altas temperaturas caracterizam somente o tempo atmosférico, e não, de forma alguma, o clima. O tempo pode se alterar praticamente todos os dias, mas o clima permanece estável durante um período muito longo. Hoje existem, aproximadamente, dez cenários diferentes para as possíveis alterações climáticas. O mais otimista prevê que em 100 anos a temperatura média aumentará 1,5ºC. O mais pessimista estipula o aumento de 4,5ºC. Nesse caso, o gelo do Ártico começará a derreter, principalmente na parcela ocidental, onde fica a Groenlândia. Se medidas não forem tomadas, as consequências podem ser catastróficas para muitas regiões litorâneas da Terra. No entanto, o processo de degelo não levará décadas, conforme afirmam os autores dos “contos de terror climáticos”, mas milhares de anos. Eu imagino que o homem, nesse ínterim, encontrará meios de combater o aquecimento.
Muitos cientistas afirmam que o planeta, em vez de aquecer, está esfriando, e que se inicia mais um ciclo de gelo. Essa versão se fundamenta em dados geológicos de milhares de anos. Não há provas diretas do resfriamento por vir, mas há indiretas. Por exemplo, 10 mil anos atrás se completou mais um ciclo de gelo da Terra, iniciando-se a fase de aquecimento. A temperatura média máxima foi atingida há 5,5 mil anos e, a partir daquele momento, iniciou-se a sua queda gradual. Aconteceram, é claro, picos de aquecimento, mas em geral pode-se observar a tendência para a queda.
A Rússia é gigantesca e, por isso, as mudanças climáticas trarão consequências diversas. Em algumas partes serão positivas, em outras, não. Na maior parte do território do norte e noroeste, bem como nas regiões do Volga, Nechernozemie, Montes Urais e em grande parte da Sibéria, o suprimento de água aumentará. Por outro lado, as regiões de Belgorod, Kursk, Stavropol, Krasnodar e Kalmikia sofrerão graves transtornos de abastecimento.
Em geral, espera-se que na região da Terra Negra o rendimento das safras de grãos diminua de 10% a 13%, na Sibéria, em 25%, e nas regiões restantes, que a safra aumente de 10% a 20%. Com o aquecimento, as fronteiras do cultivo de certos cereais e leguminosas de climas mais quentes se deslocarão para o norte e vai haver um aumento da área de cultivo de beterraba, soja, girassol, alfafa etc. Além disso, em algumas regiões do sul, será possível desenvolver a agricultura subtropical. Ao mesmo tempo, o combate às pragas será mais difícil, surgindo também a ameaça de gafanhotos.
Durante séculos a temperatura no planeta aumentou e diminuiu. Entre os anos de 1900 e 1910, a temperatura média do planeta estava em queda. Depois veio o aquecimento, que durou até os anos 40, e a média subiu em praticamente um grau centígrado. Tudo isso apesar de ser uma época de guerras, quando a indústria funcionava em ritmos baixos e o lançamento de gases de efeito estufa era menor. Como, então, explicar esse aumento? Os partidários do aquecimento não conseguem responder. Em seguida, a temperatura começou a cair, enquanto a indústria, ao contrário, renasceu, e as fábricas voltaram a funcionar. A temperatura permaneceu em queda até 1975, quando voltou a crescer rapidamente, mantendo essa tendência até agora. Enormes somas são gastas para estabilizar o lançamento de gases do efeito estufa. Mas o resultado dessa mobilização continua sendo uma grande incógnita.
No seminário da Academia de Ciências da Rússia (ACR) dedicado ao assunto, os maiores estudiosos do país anunciaram que o Protocolo de Kyoto não tem fundamento científico. Essa não é a minha opinião, mas a da comunidade científica mais respeitada da Rússia. Em 2004, o presidente da ACR encaminhou uma carta às autoridades do país informando que os cientistas russos discordam do protocolo. Por que o documento, apesar disso, foi ratificado? Penso que seja uma questão de política.
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