Ursos-pardos são vistos com cada vez mais frequência nas ruas das cidades siberianas Foto: Lori / Legion Media
O urso-pardo, um símbolo da Sibéria e da Rússia, não faz parte da lista de espécies ameaçadas e não encontra-se em perigo de extinção como, por exemplo, o leopardo-das-neves. Eles são vistos com cada vez mais frequência nas ruas das cidades siberianas, e sem querer acabam confirmando as famosas lendas sobre a região. Acompanhados pelos pesquisadores do parque nacional Stolbi, cuja divisão encontra-se a apenas 7 quilômetros da cidade de Krasnoiársk, nós entramos na taiga (espécie de vegetação também conhecida por floresta de coníferas, encontrada em regiões de clima frio) e seguimos os atalhos dos animais selvagens para conhecer as mudanças no comportamento e estilo de vida dos ursos-pardos, saber mais sobre a caça de animais como esporte, sobre a administração da zona florestal e problemas do parque por sua localização próxima a uma grande cidade.
Seguindo o fluxo do rio Mana chegamos na estação Manski do parque nacional Stolbi, que abriga os guardas florestais e recebe visitas regulares de pesquisadores que buscam monitorar o estado do ecossistemas e as condições climáticas, observar os habitantes da taiga e a condição do complexo natural em geral, assim como efetuar o registro anual da população de ursos-pardos.
Foto: Anna Grúzdeva
O parque nacional Stolbi encontra-se na beira da ampla região serrana Altae-Saianskaia, local de junção da baixada Západno-Sibírskaia com o planalto Srednesibirskoe, e é famoso pelas florestas selvagens compostas por epíceas, pinheiros alvares e cedros, bem como altos pinhos e bétulas de folhas verdes recém-nascidas após os longos meses de inverno, que preenchem as margens do rio dominadas pelos pequenos grupos de pescadores. O espaço entre os morros é coberto pelas águas cinzentas do rio Mana.
Vladímir Kojétchkin, nosso guia e anfitrião, é pesquisador sênior do parque nacional e especialista em ecologia de carnívoros de grande porte, cargo que assumiu em 1979 e desde então defendeu a tese de doutorado focado em pesquisa de glutões, um animal raro e difícil de ser estudado. No entanto, ao longo dos últimos anos, o urso-pardo se tornou o principal objetivo das suas investigações.
Foto: Anna Grúzdeva
Saindo da cidade, o visual de Kojétchkin sofre uma mudança drástica: o refinado doutor em ciências biológicas se transforma num guarda florestal com mochila velha, calças grossas com cinto apertado, moletom cinza de gola ampla e botas de borracha.
Fronteira Berli
O segmento da fronteira denominada de Berli encontra-se na região sul do parque nacional e está livre dos pescadores: a partir da margem direita do rio Mana, acima da linha divisória, começa a zona de proteção ambiental, onde a entrada dos seres humanos é proibida.
"O trabalho do guarda florestal exige muitas habilidades. Precisamos saber nos abastecer com as lenhas, monitorar os atalhos, assim como cuidar do gado e observar os fenômenos naturais... os jovens atuais não estão preparados para isso, portanto é difícil achar alguém disposto a morar e trabalhar no parque nacional", lamenta Kojétchkin.
Foto: Anna Grúzdeva
A velha casa do guarda florestal, localizada próximo à fronteira, possui uma aparência semelhante a de um lar de camponês com um enorme fogão, estoque de lenha, velhos casacos pendurados nas paredes e esquis descansando ao lado do aparelho de televisão. O ambiente interno da casa tem cheiro de madeira úmida.
O famoso mito sobre os ursos passeando pelas ruas das cidades siberianas já quase deixou de ser uma lenda e, no decorrer da última década, está se tornando uma realidade de muitos moradores, que encontram os representantes da espécie perto das suas residências, casas de veraneio, assim como nas autoestradas e nas trilhas dos parques nacionais.
Dois anos atrás, a zona turística do parque nacional Stolbi foi interditada devido ao aparecimento de um urso que não entrou em hibernação. Além disso, as notícias anuais envolvendo o símbolo da Rússia preocupam os moradores tanto do Krai de Krasnoiarsk, quanto das unidades federativas de Tomsk, Kemerovo, Omsk e demais regiões siberianas.
Foto: Anna Grúzdeva
"Qual é o motivo do surgimento dos ursos nas cidades? Na verdade, a proximidade dos povoados às reservas naturais afeta a quantidade e diversidade de alimentos para o urso", explica Kojetchkin. "Há duas ou três décadas, estes animais tinham mais opções, pois existiam vários tipos de frutas, enquanto atualmente elas quase deixaram de nascer. A quantidade de nozes também diminuiu, e os animais sentem falta de proteína. Nos períodos da maior escassez de alimentos tivemos dois casos de aparecimento de ursos nos cemitérios, onde eles desenterravam os recém-mortos para se alimentar. Imagine só: os participantes de um funeral encontram um urso desenterrando os cadáveres.
Caminho do rei da taiga
Para os moradores da Sibéria, assim como para toda a população russa, o urso é muito mais que um animal: é um símbolo da força do país para os cientistas políticos, marca registrada para os agentes de propaganda, uma maneira de aumentar a audiência do jornal noturno para os canais de televisão e uma forma de assustar os turistas para os moradores locais. No entanto, zoólogos veem o urso-pardo como apenas uma espécie de carnívoros de grande porte que habita em quase todas as zonas florestais do país.
"Eu não considero o urso-pardo o rei da taiga", diz Vladímir Kojétchkin, surpreso. "Pois existem também os glutões, lobos e linces... no entanto, o urso-pardo possui uma população maior que a de todos os carnívoros do nosso parque nacional.”
Medidas de segurança
Zoólogos e caçadores experientes concordam que a melhor maneira de evitar o encontro com um urso consiste em não procurá-lo. Durante o passeio pela taiga observe o ambiente, o movimento dos arbustos, ouça os ruídos, principalmente os rugidos vindos de longe. Se um urso estiver próximo, mas ainda não o percebeu, afaste-se devagar e silenciosamente, não corra.
Ao longo dos séculos, as histórias de seres humanos e ursos-pardos tiveram uma ligação muita próxima, pois ambos consumiam os mesmos alimentos, habitavam os mesmos abrigos e caçavam um ao outro com certa frequência. Não é nenhuma surpresa que os povos nativos da Sibéria, os evenques em particular, tratassem o urso com respeito, chamando-o de "amaka" ou "avô", enquanto os camponeses russos, primeiros colonizadores da região, no período entre o final do século 19 e início do século 20, se referiam a este animal como dono das florestas. Para eles, a caça ao urso havia sido uma maneira natural de sobrevivência, sempre acompanhada por rituais complexos e festas religiosas.
Com o aparecimento das cidades, a caça ao urso se transformou num esporte nobre e emocionante, devido ao perigo que este animal apresenta para os caçadores solitários, mesmo aqueles acompanhados por cães. No entanto, no século passado, principalmente em meados da década de 80, o governo da Rússia começou a autorizar a caça apenas com a emissão de licenças para este fim, diminuindo a quantidade de caçadores profissionais e levando ao crescimento da população de ursos nas florestas selvagens. Hoje em dia, os ursos costumam entrar em povoados e se alimentar de cabras, cavalos, vacas e porcos, assim como de vez em quando costumam assustar os turistas e moradores das cidades ao cruzarem com eles por acaso.
Foto: Anna Grúzdeva
"A caça é uma maneira de controle natural da população dos animais. Porém, é uma atividade complexa e mal paga", explica Kojétchkin. "A população rural se muda para as cidades, os caçadores experientes com cães treinados se aposentam, enquanto os jovens não têm interesse em exercer a profissão. Por outro lado, há um exército de caçadores amadores ricos que não se dão ao trabalho de se esforçar, preferindo aguardar o aparecimento de um urso no espaço aberto dentro de um barco apenas para depois matá-lo com uma arma equipada com mira ótica. E eles chamam isso de caça", lamenta.
Publicado originalmente pela suburbia.ru
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: