Dostoiévski (1962), por Iliá Glazunov
Pável Balabanov/RIA NôvostiEm agosto de 1865, o filho do comerciante Guerássim Tchistov, um cismático (“raskólnik”, em russo, ou seja, adepto à corrente religiosa dos ‘fiéis antigos’), foi acusado de assassinato premeditado de duas senhoras – uma lavadeira e uma cozinheira – com o objetivo de roubar a residência da patroa delas. Objetos de ouro foram roubados de dentro de um baú de ferro, e as vítimas foram mortas com a mesma arma: um machado.
Muitos críticos acreditam que foi justamente essa história tirada da crônica cotidiana que serviu de base para o romance “Crime e Castigo”.
Inspiração nos círculos culturais de hoje
Um dos eventos em que celebram os 150 anos da primeira edição desse clássico é a peça “Crime e Castigo – Uma vida para Ródion Raskólnikov”, um monólogo imaginado como sequência do romance, que ficará em cartaz em São Paulo até 14 de dezembro.
No enredo, o protagonista Ródion Românovitch Raskólnikov, então com 60 anos, faz um retrospecto de sua vida, marcada pelo assassinato das duas mulheres e posterior prisão na Sibéria.
Segundo o escritor e pintor alemão-suíço Hermann Hesse, Dostoiévski conseguiu, por meio de sua famigerada obra, capturar a imagem de toda uma época da história.
O francês Albert Camus confessou que os romances do russo lhe causaram verdadeira comoção na alma, sentimento que carregou em toda a sua produção literária. O mesmo ocorria com escritor de ficção e romances policiais Boris Akunin, cuja releitura “F.M.” (Fiódor Mikhailovitch), reproduz o crime de Raskólnikov, porém transforma o investigador Porfiri Petrovitch em personagem principal.
“Crime e Castigo” exerceu também grande influência na esfera teatral e cinematográfica. Encenada por toda a Europa, a peça ganhou destaque especial com a produção de Paul Ginisty apresentada no teatro parisiense Odeon, em 1888. E foram dezenas as adaptações para o cinema, sendo a primeira delas lançada ainda durante o Império Russo, em 1909.
O cineasta americano Woody Allen, conhecido pelo apreço por Dostoiévski, traz paralelos claros com “Crime e Castigo” em “Match Point” (2005) e “Homem Irracional” (2015). Mas é o drama do diretor soviético Lev Kulidjanov, de 1969, que continua sendo considerado a melhor versão.
Protagonista Raskólnikov na adaptação de Kulidjanov Foto: Kinopoisk.Ru
Trabalho forçado antes, durante e depois
Dostoiévski passou quatro anos, de 1850 a 1854, cumprindo pena em um campo de trabalho forçado na Sibéria por ter distribuído uma carta proibida do crítico e articulista Vissarion Belínski. Em “Recordações da Casa dos Mortos”, o autor descreve as terríveis condições a que esteve submetido na época e que o influenciaram.
Os males de sua época – pobreza generalizada, aumento da criminalidade e embriaguez – tinham presença forte em todas as suas obras.
Em 1865, Dostoiévski sugeriu a Mikhail Katkov, então editor da influente revista literária “Rússki Véstnik” (Mensageiro russo), que publicasse o pequeno conto “O relatório psicológico de um crime” na revista – aos poucos, o relato foi se transformando em um grande romance.
O escritor deixou de lado todos os outros trabalhos literários e durante todo o ano de 1866 se dedicou aos novos capítulos publicados gradualmente na “Rússki Véstnik”. Em suas palavras, trabalhava “como um condenado”, sem ir a lugar algum ou aparecer em público.
No ano de seu lançamento, em 1866, “Crime e Castigo” havia se tornado a obra mais discutida pela comunidade literária russa.
Manuscritos revelam crimes e castigos diferentes
Ao todo, foram preservados três cadernos de notas com rascunhos e observações sobre “Crime e Castigo”. Mas, na realidade, são três versões manuscritas do romance.
Os cadernos de rascunhos demonstram claramente quanto tempo o próprio Dostoiévski empreendeu na busca pela resposta para a principal pergunta do romance: por que Raskólnikov cometeu o assassinato? Por que ocorreu essa cisão (o sobrenome Raskólnikov vem de “raskol”, que significa “cisão” em russo) na alma do protagonista?
Em cada uma das versões existe uma interpretação diferente.
Na primeira, o herói mata uma criatura insignificante para que, com o dinheiro dela, trouxesse felicidade a muitas criaturas maravilhosas.
A segunda versão ainda apresenta um Raskólnikov movido por ideias humanistas de livrar o mundo de uma velha cobiçosa e gananciosa, em benefício dos humilhados, mas essa ideia paradoxal de matar por amor aos outros já estaria sendo revestida pelo desejo de poder.
Na terceira versão, Dostoiévski leva esse pensamento ao clímax: a chamada “ideia de Napoleão”, ou convicção de que existem pessoas que detêm o poder e estão acima da lei. A tentativa de entender se ele será capaz de matar e se ele tem esse direito corrói Raskólnikov.
Tudo indica também que o autor estava bastante confuso em relação ao final do romance. Em um dos manuscritas existe até uma anotação na qual Raskólnikov decide se suicidar.
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