Irmãos do Bosque lituanos em 1950
ArquivoEm 11 de julho, a Otan publicou um vídeo dedicado aos Irmãos do Bosque (também conhecidos como partisans nacionalistas), guerrilheiros que lutaram contra o poder soviético nos Estados bálticos depois que estes passaram a integrar a URSS, em 1940. O vídeo expõe diversos veteranos dos Irmãos do Bosque relembrando sua luta contra os “invasores soviéticos” depois que a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim.
O filme não recebeu recepção calorosa do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Após a ampla divulgação das imagens, a porta-voz da pasta, Maria Zakhárova, repudiou o vídeo e alegou que seria uma “tentativa de reescrever a história desconsiderando o resultado dos Julgamentos de Nuremberg”.
Zakhárova ressaltou também que o referido grupo incluía muitos oficiais nazistas responsáveis pela morte milhares de civis.
Faz muitos anos, porém, que a história da resistência guerrilheira é um ponto crítico nas relações entre os países bálticos e a Rússia.
Movimento desde 1905
O termo Irmãos do Bosque foi cunhado pela primeira vez na região do Báltico durante a Revolução Russa de 1905, quando muitos europeus orientais fugiram para as florestas escapando do regime tsarista. O grupo ressurgiu no verão de 1940, na época em que as três nações do Báltico foram incorporadas às União Soviética.
Tropas soviéticas entrando em Riga em 1940 (Foto: Domínio público)
Essas regiões se opunham veementemente à ideologia comunista e à perda da independência. Muitos membros da burguesia foram obrigados a fugir das cidades da Europa Oriental e refugiar-se nos bosques, onde criaram pequenos esquadrões de combate, que incluíam de cinco a várias dúzias de militantes.
Como não havia um núcleo de comando, cada facção operava de forma autônoma, embora unidas no objetivo comum de se opor à URSS e restaurar a independência de seus países. Os combatentes viviam em abrigos bem camuflados nas florestas e atacavam os soldados soviéticos em emboscadas em estradas ou pequenos vilarejos.
Os Irmãos do Bosque evitavam confrontos com esquadrões maiores e bem armados do Exército soviético; eles atacavam funcionários do Partido Comunista, unidades de infantaria pequenas e autoridades locais usando táticas de guerrilha a terrorismo.
Alemanha amiga, mas nem tanto
Os partisans nacionalistas intensificaram sua luta contra os soviéticos quando a Alemanha invadiu a União Soviética, em junho de 1941. Nos primeiros dias, as forças soviéticas foram ainda mais prejudicadas por ataques dos Irmãos do Bosque.
Soldados alemães saudados por locais enquanto marchavam Riga adentro, em julho de 1941 (Foto: Global Look Press)
Durante a ocupação alemã dos Estados do Báltico, de 1941 a 1944, uma série de guerrilhas se uniram aos nazistas da Wehrmacht. Pouco depois, várias divisões das forças nazistas contavam com cidadãos bálticos entre suas fileiras, que cometiam vários crimes no lado alemão, sobretudo contra judeus e russos da região de Pskov.
Muitos dos que forjaram uma aliança com os nazistas acabaram voltando à floresta para reintegrar o movimento – abastecidos com munições e armas – depois que ficou claro que a Alemanha não restauraria a independência de seus países.
Empenho pós-guerra
O movimento foi ganhando novo impulso à medida que as tropas soviéticas começaram a libertar territórios nas repúblicas do Báltico, em 1944, e os membros retomavam a luta com mais vigor. Desta vez, porém, não eram grupos pequenos.
Os guerrilheiros formaram unidades grandes e bem armadas, e suas fileiras estavam reforçadas com soldados das forças nazistas de origem báltica que haviam sido capturados pelo Bolsão da Curlândia (formação de soldados do Eixo que existiu na península da Curlândia, na Letônia, de outubro de 1944 ao fim da guerra).
Soldados soviéticos empunhando bandeira vermelha no edifício do Soviete Supremo da Estônia, em Tallinn, em 1944 (Foto: Global Look Press)
Entre 1944 e 1947, as tropas soviéticas enfrentaram grandes formações de guerrilhas do Báltico. Algumas delas, como o Exército da Liberdade Lituana, possuíam hierarquia, comando central e até escolas de cadetes. Ainda assim, tinham dificuldade de regularmente lidar com unidades soviéticas maiores e mais bem armadas.
A maior esperança dos Irmãos do Bosque que lideravam a luta no Báltico pós-guerra era que a Guerra Fria se transformasse em um conflito real, e muitos deles mantinham contato permanente com membros da inteligência ocidental.
No entanto, o confronto direto nunca se materializou, e o movimento de guerrilha foi, aos poucos, perdendo força. Os esquadrões, que então mais se pareciam com gangues de bandidos, deixaram de contar com o apoio dos moradores locais.
Oficiais à paisana da inteligência soviética conseguiram se infiltrar nas fileiras dos Irmãos do Bosque, gerando um impacto significativo nos números do movimento. Os últimos esquadrões do grupo guerrilheiro foram extintos em 1969.
Irmãos do Bosque, segundo a opinião pública
Por muito tempo na URSS, o movimento foi ignorado ou visto de forma negativa.
Moradores de Riga recebendo soldados soviéticos que haviam libertado a cidade em 1944 (Foto: TASS)
A primeira tentativa de retratar os Irmãos do Bosque de forma imparcial ocorreu em 1966 (apesar da censura soviética), quando o filme lituano “Ninguém queria morrer” foi lançado. A luta entre os comunistas e os partisans nacionalistas é exibida não como um choque entre o bem e o mal, mas como uma tragédia nacional – quando a sociedade encontra-se dividida, e irmãos são forçados a lutar entre si.
“Jornada nas Dunas”, de 1980, é outro exemplo de cinema soviético que retrata os Irmãos do Bosque sob uma perspectiva íntima. Nele, os guerrilheiros são vistos como pessoas comuns que amam seu país e, mais tarde, optam por lutar por ele.
No entanto, o movimento ainda divide os historiadores. De acordo com o letão Arturs Zvinklis, havia diferentes tipos de combatentes nas fileiras dos partisans nacionalistas: de criminosos a combatentes ideológicos. “Havia pessoas que acreditavam que estavam lutando pela independência da Letônia contra as forças de ocupação”, diz.
Já o historiador russo Ígor Gusev, mantém uma posição distinta. Segundo ele, não havia “absolutamente nada de heroico” em relação aos Irmãos.
Cena extraída de “Ninguém queria morrer”, de 1966 (Foto: kinopoisk.ru)
“Sei de muitos casos em que agricultores comuns foram baleados, jovens comunistas foram estupradas, e lojas foram saqueadas. Quando o banditismo é apresentado como ‘luta contra um regime totalitário’, um homem honesto só pode sentir desgosto”, diz.
A atual visão oficial sobre os partisans nacionalistas nos Bálticos – Letônia, Lituânia e Estônia – é totalmente diferente da apresentada na Rússia. Enquanto nesses três países são vistos como heróis e combatentes da liberdade, na Rússia e na Bielorrússia, os Irmãos são encarados como traidores, fascistas e criminosos de guerra.
A verdade, no entanto, poderia estar no meio-termo.
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