O filósofo Roman Taran, que ganhou popularidade com teorias sobre “Matrix”, “Titanic” e outros.
Arquivo pessoalNativo de São Petersburgo, Roman Taran, 41, começou a ganhar popularidade nas redes com um vídeo indignado sobre a série “Westworld”, que publicou no YouTube.
Formado em filosofia, Taran viu pouca aplicação de seus estudos na prática e foi trabalhar em marketing. Agora, suas considerações filosóficas sobre séries de TV o têm levado de volta às raízes.
Seu canal de YouTube, cujo nome, em português, significa “Significado oculto: Cinema e Realidade”, tem 76 mil seguidores. Mas seu vídeo mais popular, sobre o filme “Matrix”, foi assistido mais de 840 mil vezes.
Taran falou à Gazeta Russa sobre suas reflexões:
O que você quer dizer com “sentido oculto” e como você o encontra nos filmes?
Para mim, a relação entre o cinema e a realidade é importante. Na verdade, o cinema, como os mitos, tem objetivos e lida com o sentido da vida humana, personificando as necessidades internas das pessoas.
Revelar essas necessidades e o mecanismo para satisfazê-las é encontrar o sentido oculto de um filme.
Quando você começa a analisar um filme, sua posição quanto a ele pode mudar. No processo, de repente acontece de o filme que você achava “engraçado” ou “sublime e profundo” conter algumas ideias desagradáveis, na realidade. E você percebe que há muito poucos filmes com mensagens positivas.
Em um de seus vídeos, você diz que “Titanic” é um dos filmes mais perigosos porque promove a pobreza e a inveja baseado na desigualdade social. Você acredita que James Cameron teria posto intencionalmente esse sentido no filme?
Na verdade, não fui em quem encontrou esse sentido no filme, mas o multimilionário Randy Gage, que eu cito no vídeo. Em Hollywood, fazer filmes é um negócio. E o negócio tem que te trazer lucros garantidos. Assim, os diretores e roteiristas são bem versados em psicologia e sabem quais temas e imagens podem engatilhar uma reação no espectador.
Taran: “Em Hollywood, fazer filmes é um negócio. E o negócio tem que te trazer lucros garantidos”. / Foto: Arquivo pessoal
“A Rose está comendo na sala de jantar da primeira classe. Ela está cercada por toda aquela gente sombria, enfadonha, rica, que está bebendo conhaque, fumando charutos e tagarelando futilmente sobre partidas de polo e coisas superficiais e sem sentido... Joack se aproxima e diz a Rose: ‘Venha comigo lá embaixo para a terceira classe e eu te mostro como se divertir!’ Em seguida, o filme corta para os pobres que, claro, estão cantando, dançando e se divertindo e nos mostrando um jeito muito mais legal e divertido de viver... Os ricos não são divertidos. É com os pobres que você quer sair. E se você quiser ser aceito e se encaixar na multidão (algo que a maior parte das pessoas tenta por toda vida...), então você se dará melhor sendo um pobre.” [Taran lê do livro de Gage “Why You’re Dumb, Sick and Broke...And How to Get Smart, Healthy and Rich!”]
Tem um monte de pobres, e eles são a principal audiência do cinema. Para que o espectador tenha empatia com o protagonista, o personagem principal tem que ser uma pessoa comum e seus oponentes têm que ser da minoria rica. A inveja é o sentimento mais impossível de erradicar. Assim, é muito fácil manipular as pessoas brincando com seus sentimentos de inveja.
Como você resolveu que o personagem Neo, de “Matrix” , é um terrorista?
No início, eu estava meio confuso por causa do “Matrix”. E me vi meditando um dia sobre a natureza dos personagens do filme e percebi que os membros do bando de Morpheus praticamente não tinham acesso à realidade, assim como aqueles na Matrix. Sua existência é baseada em sua crença no que seu líder lhes diz. Essa situação me pareceu muito similar com a dos terroristas que são recrutados.
Foto: Screenshot do canal “Sentido oculto”/YouTube
“Morpheus fala a Neo sobre o mundo ‘verdadeiro’. E é importante que Neo seja forçado a levar seu mentor a esse mundo. Na verdade, Morpheus mostra a ‘realidade’ a Neo usando um programa de simulação. Mas a questão que isso levanta é sobre se essa imagem de realidade também não poderia ser simulada” [diz Taran em um trecho do vídeo].
Como resultado, esse vira o vídeo no canal que ganha mais comentários. Mas, infelizmente, a julgar pela reação dos usuários, descobri que nem todo mundo é capaz de ver as coisas de um mesmo ângulo. Os adolescentes deixaram respostas muito negativas.
Este é um grande exemplo de como o cinema afeta o modo de pensar das pessoas. É suficiente mostrar às pessoas um personagem que, aparentemente, realiza milagres e luta contra o sistema para que esse mesmo personagem se torne alguém que as pessoas idealizam. Os espectadores se identificam tanto com o protagonista que qualquer dúvida expressada sobre seu heroísmo ou virtude é mal visto.
Em sua análise da série “Westworld”, você diz, entre outras coisas: “Se um personalidade existe mas não se desenvolve, isso leva a uma existência mecânica. Uma pessoa que não se desenvolve não difere de um robô operando de acordo com determinados programas”. Mas, no final da primeira temporada, um dos androides transpõe todos os obstáculos e acaba matando seu criador. Isso é um desenvolvimento genuíno?
Na cultura atual, o filme permite que os espectadores “exterminem” conflitos internos e fantasias que eles são proibidos de colocar em prática em sociedade. Em outras palavras, filmes sobre violência, na realidade, reduzem a intensidade das fantasias dos espectadores, além de protegê-los de realizá-las.
Além disso, o desenvolvimento (no sentido de escapar das limitações de um estágio anterior) efetivamente significa um assassinato simbólico da pessoa que o personifica – normalmente, o pai. Pode-se lembrar de Platão, que percebeu que, transgredindo o limites filosóficos das ideias de Parmênides, ele estava de alguma maneira matando seu pai.
Também se pode lembrar das relações entre Freud e Jung ou Husserl e Heidegger, para citar alguns exemplos óbvios. Em cada um desses casos, os “pais espirituais” sentiram as consequências do ódio de seus pupilos contra eles, em um sentido real e físico: eles foram emocionalmente assassinados.
A violência nos filmes preenche uma função sobretudo simbólica: ela expressa a ideia de um crime ou, em outras palavras, de uma transgressão de algum limite. Até na vida cotidiana, se você for traído por uma pessoa de quem gostava, você diz “ele realmente me matou”, e experimenta algo similar. Em um trabalho de ficção, esse tipo de experiência tem a forma de um assassinato de verdade.
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