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VideoLand/screenshot/youtube.comA crítica internacional os enche de prêmios. A nacional, de hostilidade. Até os diretores mais aclamados já passaram por isso. Uma URSS ultrajada, uma biografia “mentirosa” do último tsar, uma Rússia bêbada ou um monólogo obsceno: qualquer coisa pode ser motivo para um filme cair nas garras de uma crítica - e uma opinião pública - feroz.
1. Matilda (Aleksêi Utchítel, 2017)
Fonte: YouTube/KinoGuru All Trailers
A história do amor entre o tsar Nikolai II e a bailarina Matilda Kchesisnkaia já é alvo da fúria de críticos e espectadores há mais de um ano. Na Rússia, o filme de Aleksêi Utchítel, que deve ser lançado em outubro, tem um destino complicado: enquanto ele era rodado, a Procuradoria fazia inspeções sobre as suspeitas de “ofensa aos sentimentos dos fieis”, o público acusava os realizadores de mentirosos e escárnio do “sagrado”, cartazes eram queimados junto a retratos do diretor e ações de protesto eram efetuadas.
O curioso é que ninguém viu efetivamente o filme: a estreia oficial ocorrerá em 6 de outubro deste ano no Teatro Marínski, em São Petersburgo. As conclusões precipitadas sobre seu teor vieram, inicialmente, da sinopse, depois, do trailer, onde uma cena impressionante dos cômodos imperiais rendeu a “Matilda” comparações com “Emmanuele”.
O Ministério da Cultura já prevê o êxito do filme no “Oscar” (claro, se o comitê russo o indicar), porque “o filme joga na lama a história russa, e filmes que fazem isso têm chances de ganhar”.
Já os críticos falam das boas bilheterias que ele deve render – justamente devido à polêmica.
2. Levitã (Andrêi Zviaguintsev, 2014)
Fonte: YouTube/PalaceFilms
Um província cinza nos rincões da Rússia, um prefeito corrupto, um padre avarento, uma paisagem grandiosa e rios de vodca: o drama social de Andrêi Zviaguintsev sobre as relações com o Estado e a grande batalha do “pequeno homem” russo contra o sistema também angariou tantos prêmios internacionais quanto injúrias na pátria.
Se, por um lado, “Leviatã” arrebatou a “Palma de ouro” de Cannes, o “Globo de Ouro”, o FIORESCI, o prêmio da Associação de Críticos de Cinema de Londres e esteve entre os finalistas do Oscar, por outro, choviam cartas abertas sobre a maldade do filme, indigno de estar em cartaz, ações de ativistas ortodoxos furiosos, funcionários públicos indignados etc.
“Leviatã” era assunto de discussões em toda cozinha, sobretudo de russos ofendidos com a quantidade de álcool. “A gente não bebe tanto assim”, escrevia-se em profusão na internet enquanto se afirmava que o diretor estava fora da realidade russa.
Os funcionários públicos viram, incrédulos, que o filme foi rodado com dinheiro estatal, algo que mais parecia um “masoquismo de Estado”. Mas, ao que parece, o que mais ofendeu é que o filme, coroado no Ocidente, era sobre o pior da Rússia.
3. O Dia de Yuri (Kiríll Serebrennikov, 2008)
Fonte: YouTube/MappealTv
Ao invés de sair por turnê pela Europa, uma cantora de ópera - a protagonista de “O dia de Yuri” – resolve, depois de um drama pessoal, ficar em uma província russa e buscar sua salvação e penitência entre os moradores locais, caipiras alcóolatras e paroquianos de diversas igrejas.
O filme sobre a vida em uma cidade sem graça russa acabou sendo um dos mais polêmicos e contraditórios do afamado diretor, mas, dessa vez, levou quatro prêmios no festival de Locarno.
Ele foi acusado, ao mesmo tempo, por sua espiritualidade e pela falta dela, por enaltecer a Rússia e destruí-la etc.
4. Cargo 200 (Aleksêi Balabanov, 2007)
Fonte: YouTube/MVDEntertainmentGrp
O filme de terror sobre a realidade russo-soviética, que foi exibido no Festival Internacional de Cinema de São Paulo, foi visto como um choque de culturas e sinônimo das trevas russas da Perestroika.
No final da era Brejnev, em 1984, um policial psicopata estupra e rapta a filha de um comunista de renome, coloca um cadáver na cama, sobre ele voam moscas, a TV transforma o povo em zumbis, e uma guerra no Afeganistão está a todo vapor.
Os críticos da imprensa estatal e o público em geral caiu com tudo sobre esse retrato de uma época - um paralelo com a Rússia atua.
O filme foi exibido no Festival de Veneza (fora da competição) e foi premiado em Roterdã. Na Rússia, alguns dos atores corriqueiros nos filmes de Balabanov se recusaram a participar imediatamente das filmagens.
Depois de finalizado, também se tornou um dilema a distribuição em cinemas, que, no final das contas, ocorreu. Como resultado, o filme estremeceu o país.
5. Síndrome astênica (Kira Muratova, 1989)
Fonte: YouTube/simona de pascalis
Kira Muratova foi uma eterna aporrinhação para os censores. Seu “cinema incorreto”, com neblinas líricas, alienações e questões difíceis, como “o que é opinião pública”, era amado pelo Ocidente e pelos representantes da contracultura russa.
Para driblar a censura, alguma coisa ficou escondida nas prateleiras, outra foi mutilada pelos editores, mas a própria Muratova continuava em desfavor na terra natal.
Com seu “Síndrome astênica”, iniciou-se a trajetória de festivais da diretora, que foi premiada em Berlim, mas a discussão sobre a permissibilidade dos palavrões nas telonas também continuava.
A Perestroika de Gorbatchov conseguiu digerir o filme sobre velhas ideologias absurdas e a singularidade do novo, mas resignou-se quanto à fala de baixo calão da protagonista por muito tempo. Assim, inicialmente ele era mostrado legalmente apenas no “clubes de filmes”. Depois, Muratova venceu e o diálogo no metrô se manteve.
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