Obras de Malevitch foram proibidas pelo governo soviético a partir de 1930 Foto: Iúri Smólni/RIA Nóvosti
Em dezembro de 1915, em Petrogrado, atual São Petersburgo, foi inaugurada a “Última exposição futurista de quadros 0,10”. Nela, foram apresentados pela primeira vez todos os trabalhos de Kazimir Malevitch concebidos no espírito do movimento criado por ele – o suprematismo.
O quadro que mais despertou a admiração dos companheiros de Malevitch e a desaprovação do público foi o “Quadrado Negro”, não por acaso pendurado no chamado ‘canto vermelho’, onde costumava-se colocar os ícones religiosos da tradição ortodoxa.
No início, o culto ao “Quadrado” e ao suprematismo foi disseminou apenas no estreito círculo de companheiros e discípulos de Malevitch; na Europa, os seus fãs poderiam ser contados nos dedos da mão.
Ao levar em conta o interesse-relâmpago pela arte abstrata que surgiu em alguns países – Rússia, França, Holanda, Alemanha – e desapareceu quase que simultaneamente, não fica difícil explicar por que a figura de Malevitch permaneceu, por muito tempo, fora do campo de atenção da comunidade artística internacional.
Para o seu ostracismo contribuiu também o fato de que, guardadas em museus soviéticos, as obras de Malevitch foram proibidas pelo governo a partir de 1930. O florescimento da vanguarda foi arrancado da memória do país e protegido de qualquer tipo de exportação além da chamada Cortina de Ferro.
Fama pós-guerra
Apesar dos contratempos, Malevitch conseguiu ganhar reconhecimento mundial, embora postumamente. Esse processo teve início após a Segunda Guerra Mundial, na época do boom da pintura abstrata na Europa e nos EUA.
Alguns dos trabalhos suprematistas de Malevitch tinham sido conservados, ainda antes da guerra, no Museu de Arte Contemporânea de Nova Iorque; outros estavam nas mãos de colecionadores particulares na Europa.
No entanto, a verdadeira onda de interesse pelo legado artístico do pintor russo surgiu depois de 1957, quando o Museu de Stedelijk, em Amsterdã, conseguiu finalmente receber a tão esperada e pouco conhecida coleção que se encontrava na Alemanha.
Esse conjunto de obras de Malevitch foi transportado em 1927 para uma exposição individual em Berlim, que terminou antes da data programada. Até que fossem levados de volta para a URSS, os quadros ficariam aos cuidados do arquiteto alemão Hugo Häring. O pintor russo, no entanto, não pode regressar para buscá-los.
Mais tarde, conseguiram esconder dos olhos dos nazistas esse arquivo artístico, que acabou por sobreviver à guerra e, no final do conflito, foi parar no museu holandês. Uma ampla mostra dos trabalhos e a sua publicação em livro geraram uma reação indescritível.
Isso aconteceu ainda que a maior parte dos trabalhos de Kazimir Malevitch tivesse ficado guardada na URSS, fora do alcance do público ocidental até a perestroika. Não é à toa que, por mais que seja paradoxal, a obra é menos apreciada na Rússia do que no Ocidente.
Para sempre quadrado
O “Quadrado Negro”, caracterizado pelo autor como “um recém-nascido vivo e majestoso”, impressionou nem tanto pela aparência, quanto pelos sentidos: “Eu me transformei no nulo das formas e fui além do nulo na criação.” Em outras palavras, a obra é uma espécie de objeto mágico, que permite se livrar da velha arte.
Se, por um lado, pode-se dizer que os minimalistas americanos das décadas de 1950 e 60, como Carl Andre e Donald Judd, absorveram muito do estilo suprematista, por outro, nos trabalhos conceituais do francês Yves Klein ou do americano Mark Rothko, não há praticamente nada que lembre a geometria abstrata de Malevitch.
O inovador pintor alemão Joseph Beuys anunciou em um de seus manifestos que “Tudo é arte” e, nesse aspecto, indiscutivelmente, repetiu Malevitch. Mas a atitude dos suprematistas de recusar os “excessos figurativos” pode ser considerada um prólogo ao surgimento do conceitualismo.
Embora distantes, são claros parentes do “Quadrado preto” as obras do Neo-Geo, movimento artístico norte-americano do final do século 20. E há também áreas como o design e a arquitetura, em que a influência do “ícone da vanguarda” perdura há décadas, embora não seja absoluta.
Pode-se citar, por exemplo, a estrela da arquitetura Zaha Hadid, que mais de uma vez declarou a sua paixão pela arte de Malevitch. Tanto é que, em uma exposição individual de Hadid no museu Hermitage, em São Petersburgo, uma versão do “Quadrado” figurava como epígrafe.
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