"Para recepções oficiais, cada produto é testado. Dois dias antes de um banquete, eu preciso apresentar o peixe e a carne que serão servidos e, um dia antes, os legumes e as frutas" Foto: restorate.ru
Para além do sabor, o chef de cozinha Konstantin Makridin tem que obedecer uma série de regras ao elaborar seus pratos. Isso porque tudo o que sai da sua cozinha entra na boca dos principais políticos e formadores de opinião do país. Makrídin é o chef de cozinha do Kremlin, e responsável pela alimentação dos integrantes da Administração Presidencial russa. Ele conta como é seu dia a dia e quais os cuidados que precisa ter ao executar seu trabalho:
Por que você decidiu se tornar chef?
Acabei não concluindo o ensino médio comum, e ingressei na escola profissionalizante da Academia de Plekhánovskaia, onde me graduei no ano 2000.
Ganhei bastante experiência ao trabalhar com italianos do restaurante do hotel Kosmos. O hotel teve seu tempo de glória, mas, quando trabalhei lá, mais parecia uma fábrica, com poucos serviços oferecidos e um cronograma apertado. No buffet de café da manhã, com toda a comida exposta em bandejas de ferro, podíamos ter entre 2,5 mil e 3 mil pessoas.
Em seguida, trabalhei no hotel Renaissance Monarch Centre. Mas, depois de alguns anos no ali, entendi que era preciso seguir em frente. Foi quando me ofereceram o trabalho no complexo de produção do Kremlin.
'Complexo de produção' é algo que soa intimidante.
Mas é realmente um complexo de produção. E é o maior da Rússia destinado à alimentação pública, empregando mais de 600 pessoas. Você pode imaginar quantas pessoas alimentamos? Estamos falando do Teatro Bolshoi e da [rua para pedestres onde se localiza o prédio da Administração Presidencial] Stáraia Ploschad, onde se alimentam os integrantes da administração presidencial.
E como é realizado o controle de segurança?
É complicado. Há uma categoria de produtos que nunca posso usar, como nozes, mel ou cogumelos brancos, que são proibidos. Eu adoro esses ingredientes, mas não posso incluí-los no cardápio de nenhuma recepção, porque eles podem conter agentes cancerígenos, radiação etc.
Para recepções oficiais, cada produto é testado. Dois dias antes de um banquete, eu preciso apresentar o peixe e a carne que serão servidos e, um dia antes, os legumes e as frutas. Ou seja, antes de cada recepção os médicos do Serviço Federal de Segurança levam uma amostra de cada produto para análise. Se alguma coisa não passa no teste, eu tenho que providenciar a substituição em caráter de urgência. Eles também ficam sentados na cozinha assistindo enquanto eu cozinho.
E quanto às normas de preparo? Eu sei que, na Europa, a carne pode ser preparada a temperaturas mais baixas do que as exigidas aqui...
Em qualquer hotel europeu, a temperatura de preparo de um steak, se nos referirmos ao grau de cozimento medium rare [um pouco mal passado, quase ao ponto], é de 50 a 55 graus Celsius. No caso do medium [ao ponto], é de 60 graus Celsius.
Para os nossos padrões, isso é inadmissível. Isso porque nossos médicos mais velhos dizem que a carne tem sangue e não está bem cozida. Mas é exatamente assim que se come o verdadeiro steak!
Temos nossa própria médica, e os padrões dela são a regra. É claro que, às vezes, nós discutimos por causa da carne. Ela olha e diz: “Você não cozinhou direito a vitela de novo!”. E eu respondo: “Liubov Ivánovna, se eu cozinhá-la mais, ela ficará intragável".
Nós fazemos o sous vide, isto é, o cozimento a baixas temperaturas a vácuo. Com a temperatura baixa a fibra muscular não é reduzida drasticamente, mas cozida muito lentamente, de forma branda.
Você busca receitas russas antigas para surpreender as visitas nas recepções?
É claro que sim! Mas, no final das contas, raramente faço. A gente sempre viaja pela Rússia. No ano passado estive em Kazan, Sôtchi e Astracã suprindo os jornalistas. Uma das maneiras de nos prepararmos foi estudando o paladar de Astracã antes de elaborar o cardápio. O [tipo de esturjão da região] Acipenser goza de popularidade lá, então teve, obrigatoriamente, que fazer parte do cardápio. Da mesma maneira aconteceu com queijos ou legumes locais. Os pratos, porém, tinham que ser sofisticados.
E o que você sugere como aperitivo para acompanhar a vodca, por exemplo?
Ninguém inventou ainda nada melhor que arenque no pão [de centeio tradicional russo] "borodino", pepino em conserva ou panquecas com caviar. Quando estive na França ministrando uma master class, por exemplo, preparei pepinos em salmoura suave. Para isso precisei levar comigo endro e folhas de groselha. Isso não se encontra em Paris.
Você pretende participar de algum evento gastronômico internacional em um futuro próximo?
Sim, recebi algumas propostas e estou analisando. Recentemente, fui convidado para um encontro do Club des Chefs des Chefs, o clube dos chefes de cozinha dos chefes de Estado. Fui inscrito nesse evento como chefe de cozinha do presidente Pútin, mas não sou eu o cozinheiro particular dele. Pútin tem uma pessoa para essa função, cozinho para ele apenas em grandes recepções.
Você tem preferência pela cozinha de algum país?
Sim, pela do Azerbaijão e da Geórgia, que têm um sabor intenso. Ninguém cozinha como eles. Uma vez, vi como um boxeador georgiano ficou sovando a massa para fazer [os pasteizinhos cozidos recheados] khinkáli... Ele gastou uma tremenda energia, que esforço!
Quando conversei com os georgianos sobre especiarias, perguntei o que eles usavam. Eles responderam: "Alho, coentro e um tempero que não sabemos como se chama em russo, o chamchure". Vasculhei toda a internet e, afinal, descobri que o chamchure é feito de uma hortaliça, o fenacho, que cresce em uma determinada região da Geórgia e dá o toque especial dos pratos da região. É esse tipo de originalidade que eu adoro e valorizo.
Publicado originalmente pela Interview Russia
Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: