Sákharov propôs um novo sistema de governo que permeava características tanto do capitalismo, como do socialismo Foto: wikipedia.org
No próximo dia 14, fará 25 anos que Andrêi Sákharov nos deixou. Conhecido no exterior com o homem que criou a bomba de hidrogênio soviética e ativista dos direitos humanos, poucos sabem que Sákharov foi uma personalidade política que teve grande contribuição para as mudanças do final dos anos 1980.
Eu e Sákharov nos conhecemos durante a preparação do I Congresso dos Deputados do Povo, na primavera de 1989. Ele tinha uma ideia precisa sobre a necessidade de tirar o país do beco sem saída do socialismo estatal e burocrático. Naquela época todos concordavam com isso. Mas nem todos imaginavam como isso poderia ser feito.
A parcela mais conservadora da sociedade, representada pelos comunistas, acreditava que era necessário reformar o sistema socialista e alcançar a sua “perfeição”. O segundo grupo, liderado na época por Mikhail Gorbatchov e Iákovlev, que faziam parte do Politburo do PCUS, defendia uma profunda renovação do país, pois compreendia que era impossível reformar o então existente sistema estatal. O terceiro conjunto de políticos, que faziam oposição ao governo, propunha o regresso do capitalismo.
Sákharov propôs uma quarta opção, que consistia em passar para um novo sistema de governo. O socialismo na forma como o conhecíamos era, por experiência própria, insustentável. O capitalismo, tal como o víamos no mundo que nos rodeava, também parecia inadequado. Sákharov apresentou então uma aproximação das vias de desenvolvimento capitalista e socialista, na qual se usaria ao máximo as vantagens de cada um dos sistemas e se eliminaria os seus defeitos mais evidentes.
Por exemplo, a privatização em larga escala de modo algum se encaixava no sistema das relações socialistas; já o capitalismo não aceitava a propriedade estatal, sem a qual era difícil imaginar o desenvolvimento da Rússia. A posição de Sákharov era, portanto, extremamente útil.
O fato de ele ser um físico notável teve papel importante. Sákharov recorreu a uma das principais conquistas da ciência do século 20: o princípio da complementaridade de Bohr – segundo o qual apenas um conjunto de fenômenos mutuamente exclusivos fornece informação completa sobre esses fenômenos como um todo. Apenas com a complementação e com a combinação das melhores qualidades de diferentes sistemas sociais era possível formar uma estrutura de governo verdadeiramente nova. Mas essas ideias de Sákharov sobre convergência nunca foram colocadas em prática.
Marca soviética com a imagem de Sákharov Foto: wikipedia.org
Voltemos a 1989. Em torno de um pequeno grupo de deputados democratas, do qual Sákharov fazia parte, foi constituída a primeira oposição parlamentar legal – o Grupo Inter-regional de Deputados. Os deputados democratas se uniram e se preparam para as eleições, sem, no entanto, existir entre eles consenso quanto ao que deveria ser feito em primeiro lugar. Um papel crucial desempenhou a proposta inesperada de Sákharov.
Quando se descobriu que os membros da oposição não tinham ideias comuns nem programa geral, ele revelou ser um verdadeiro político e avançou com uma ideia útil: não procurar aquilo que nos une de forma positiva, mas selecionar apenas o que nos une na negação. Todos nós éramos contra o poder do Partido Comunista da URSS. Por isso tínhamos que nos focar na abolição do artigo 6º da Constituição, que consagrava o poder absoluto desse partido.
Entre os problemas mais importantes que o movimento democrático precisava resolver com urgência, estava o destino da URSS. Todos nós concordávamos que a União Soviética não poderia se manter como um império. Era necessário procurar um substituto para essa formação estatal. Sákharov apresentou então a ideia da União Eurasiática e se dedicou à elaboração de sua Constituição. Mas a morte chegou e não lhe permitiu concluir o trabalho. Agora, a ideia de uma União Eurasiática surge de novo em primeiro plano, o que vem confirmar a atualidade das suas ideias nos dias de hoje.
O modelo norte-americano de ordem mundial fracassou. Nem foi tanto o modelo norte-americano, quanto o modelo que assenta no poder dos grupos do petróleo, que impõem ao mundo inteiro as regras do jogo viciadas a seu favor. É preciso fazer frente a esse padrão com algo novo, mas, por enquanto, ainda não existem alternativas trabalhadas.
Talvez a União Eurasiática, a ideia proposta por Sákharov, se torne precisamente essa alternativa. Porém, na formação dessa aliança, é necessário considerar os erros da União Europeia, que, por sua vez, repete os erros da URSS. Do mesmo jeito que a URSS tentou inserir no processo de transformação social periferias agrárias que estavam na época bastante atrasadas, também a Europa de hoje quer, mantendo o seu sistema altamente tecnológico de tomada de decisões, envolver no processo das transformações socioeconômicas países do Leste Europeu Oriental que, por seu nível de desenvolvimento, estão muito atrás dela.
Sákharov foi um exemplo de personalidade política que se dedicou integralmente à causa das pessoas. Em nome da sociedade ele recusou todos os benefícios pessoais e não perdeu tempo tentando recuperar os prêmios e condecorações oficiais, que possuía em maior número do que muita gente. Por seu grau de altruísmo, ele faz lembrar Nikolai Tchernichévski, grande revolucionário democrata russo do século 19, que, por causa de suas convicções, foi perseguido, exilado, enviado para os campos de trabalho forçado – e ainda assim não se permitiu ceder.
Gavriil Popov é o primeiro prefeito da capital eleito democraticamente e reitor da Universidade Internacional de Moscou.
Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: