É irônico saber que naquela altura o Ocidente, mais do que o Leste, temia que os alemães –tanto ocidentais como orientais Foto: Ullstein bild / Vostockphoto
Gorbatchov afirma que soube da queda do Muro [de Berlim] na manhã de 9 de novembro. Podemos acreditar nessa versão, uma vez que os acontecimentos em Berlim evoluíam caoticamente e ninguém em sua comitiva se atreveu a acordar o secretário-geral por causa de um acontecimento que, à primeira vista, não representava nenhuma ameaça à segurança nacional. Quando lhe foi dito que durante a noite, sob a pressão da manifestação na rua, as autoridades da RDA [Alemanha Oriental] abriram os postos de controle na fronteira com Berlim Ocidental, ele disse: "Fizeram a coisa certa".
Tudo, portanto, acontecera de acordo com seus desejos, mas sem a sua ordem ou aprovação oficial das ações de alguém. Ainda durante o Primeiro Congresso dos Deputados do Povo, Andrêi Sakharov [um dos físicos criadores da bomba de hidrogênio que mais tarde se tornou dissidente e ativista dos direitos humanos, foi enviado de Moscou para o exílio em Górki e em 1986 ganhou de Gorbatchov permissão de regressar para Moscou], comentando o comportamento de Gorbatchov, disse: "Nós nunca sabemos quais são as decisões tomadas por ele e quais surgem por sua vontade, mas como que espontaneamente por elas mesmas. Usando um termo do xadrez, ele sabe fazer a combinação necessária para obter exatamente o que quer quando surge um ‘zugzwang’."
Meu amigo Gyula Horn [político húngaro que entre 1989 e 1990 foi ministro dos Negócios Estrangeiros e entre 1994 e 1998 foi primeiro-ministro da República da Hungria] conseguiu adivinhar corretamente esse comportamento característico de Gorbatchov em situações sensíveis ou delicadas: "se você quer obter resultados e está confiante da robustez da sua decisão política, faça você mesmo.”
Nesse caso, Gorbatchov, embora não tenha ficado com os louros do líder que deitou pessoalmente por terra o muro erguido por Khruchov, pelo menos não teve que se explicar a uma oposição conservadora e aos generais em Moscou relativamente ao fato de ter “oferecido” pessoalmente ao Ocidente aquele importantíssimo trunfo estratégico soviético a preço de banana.
Gorbatchov não foi o único a pensar nos generais soviéticos e na sua possível reação ao que acontecia naquela altura. Toda a comunidade política ocidental, começando pelos líderes da Alemanha Ocidental, fora apanhada de surpresa pela facilidade com que, como que por si só, se desatava um dos nós mais emaranhados da Guerra Fria e se resolvia assim a "questão de Berlim", que serviu de motivo em 1948 para, pelo menos, duas tensas crise nas relações entre o Oriente e o Ocidente.
O Ocidente congelou na expectativa de ver como Moscou iria se comportar perante esse cataclismo estratégico. Alguns temiam que Gorbatchov, mesmo contra sua própria vontade, seria obrigado a restaurar o status quo ferido com a ajuda de tanques soviéticos. Outros, pelo contrário, temiam que se ele não fizesse isso seria removido do poder pelos militares zangados, que ainda não estavam prontos para aceitar a revisão dos resultados da última guerra. O resultado, em qualquer um dos cenários, seria de se lamentar: a perda de esperança de ver mudanças na URSS sob a influência da Perestroika e o regresso à política soviética de confronto com o Ocidente.
É irônico saber que naquela altura o Ocidente, mais do que o Leste, temia que os alemães –tanto ocidentais como orientais–, levados pela euforia da queda do muro, se esquecessem do estatuto de nação derrotada e resolvessem agora eles mesmos determinar o seu destino dali para a frente. O vulcão alemão, que acordou inesperadamente no meio da Europa, despertara, ao que parecia, os medos e complexos anti-germânicos, suavizados pelo tempo em geral e pelos anos de solidariedade atlântica. E nessa situação de "história repetida", sentida com particular intensidade a nível de reflexos por Mitterrand e Thatcher, fazia com que estes se voltassem para Gorbatchov, quase do mesmo modo como no seu tempo Roosevelt e Churchill se voltaram para Stálin.
O pânico político e emocional tomou conta das capitais da Europa Ocidental durante várias semanas e chegou até Washington, livre da síndrome anti-germânica dos europeus, mas seriamente preocupada com a perda do controle sobre um de seus parceiros estratégicos mais confiáveis na Europa. (O mais europeu dos americanos, Kissinger, em uma conversa com o embaixador soviético Dobrinini, também "aconselhou a mover" o contingente militar soviético estacionado na RDA).
Após o inesperado milagre da queda do muro, o mundo prendeu a respiração na expectativa do desenrolar dos acontecimentos. Nem em Moscou, nem em Bonn e nem em Berlim os líderes estavam preparados para o fato de a política, na qual eles acreditavam e a qual controlavam, tinha escapado de suas mãos e se derramado pela rua. Neste contexto, e para não "perder a cara", Gorbatchov tinha agora que convencer todos –dentro e fora do país– que ele continuava sendo o "senhor da situação" e que de modo algum estava subjugado à situação desencadeada por ele próprio.
Para isso era necessário alertar Bonn contra passos precipitados e, acima de tudo, não acordados com Moscou, para a unificação nacional. O Rio da História, que transbordara subitamente do seu leito, exigia com urgência a colocação de margens diplomáticas de concreto...
O Muro de Berlim caiu. As barreiras fronteiriças foram levantadas, a obtenção de um passaporte e o direito de viajar para fora do seu país foi declarado um direito constitucional dos cidadãos soviéticos. E –Oh surpresa!– as cidades do Leste não ficaram vazias nem as fábricas tiveram que ser fechadas por falta de mão de obra. Na sua essência, o governo soviético deu ouvidos ao conselho simples que eu havia lhe dado 20 anos antes, em um jornal estudantil, "quer saber se o estudante (ou cidadão) soviético amadureceram o suficiente para viajar para o estrangeiro? Deixe-os sair".
Os habitantes da Europa Ocidental descobriram que o muro caído não era apenas uma barreira policial, por trás da qual os regimes repressivos do Oriente se escondiam e mantinham retidos os seus cidadãos, mas era também a "barragem" que protegia o seu bem-estar e modelo social do reservatório de pobreza, de agressivo niilismo legal, de intolerância e de inveja social que havia se acumulado a oriente.
Em 1989, Andrêi Gratchov ocupou o cargo de vice-chefe do departamento internacional do Comitê Central do PCUS e em agosto de 1991 foi nomeado assessor de imprensa do chefe de Estado. Ficou quase o tempo todo junto de Gorbatchov e tem muito contato com a sua família.
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