O caminho do budismo da Imperatriz Ekaterina até a Perestroika

O budismo praticado na Rússia é o tibetano Foto: Press Photo

O budismo praticado na Rússia é o tibetano Foto: Press Photo

Gazeta Russa conta dez pequenas histórias e fatos sobre o que aconteceu com o budismo nos 400 anos de sua história na Rússia.

Os budistas glorificaram os czares e presidentes russos; foram médicos na corte imperial; sofreram repressão e viram a destruição de sua cultura sob o governo dos comunistas. Muitos foram parar nos campos de prisioneiros ou submetidos a tratamentos forçados e apenas nos 80 anos a perseguição parou.

1) Qual o tipo de Budismo praticado na Rússia?


Foto: Press Photo

O budismo praticado na Rússia é o tibetano. Ele se concentra principalmente em três regiões: nas repúblicas da Buriátia, Calmúquia e Tuva. Os primeiros budistas surgiram no século 17 graças à chegada à foz do Volga das tribos oirates –um povo nômade da Mongólia ocidental que posteriormente ficaria conhecido como calmuque– e à conquista, em meados do século 17, da região do Zabaikal (Trans-Baikal), onde viviam tribos do leste da Mongólia, os Buriates. Quando iam a caminho do Volga, em torno de 1616, os oirates construíram o seu primeiro mosteiro fixo Darkhan-Dorzhin (Sete Câmaras), perto da atual cidade de Semipalatinsk, no Cazaquistão.

2) Quando o budismo foi reconhecido?

Há 250 anos, a Imperatriz Ekaterina 2a autorizou os budistas a escolherem o seu líder –o Khambo Lama. Antes disso, todos os budistas que viviam no território da Rússia se submetiam à hierarquia mongol ou tibetana. Em sinal de gratidão, em 1766, os budistas reconheceram a Imperatriz Ekaterina como a encarnação da Tara Branca na terra. Os budistas viveram bem não apenas durante o reinado da Imperatriz Ekaterina, mas durante o reinado de todos os czares russos. Atualmente, o líder supremo dos budistas russos é Khambo Lama 23.

3) Quem tratou Nikolai 2º?

Uma das provas da influência do budismo na Rússia czarista é, por exemplo, o fato de ser Piôtr Badmaiev, natural da Buriátia, quem tratou Nikolai 2º. Badmaev não era budista, mas veio de uma família budista e o seu irmão mais velho, Aleksandr Badmaev, era um praticante de medicina tibetana que surpreendeu tanto Aleksandr 2º por suas habilidades médicas que este lhe permitiu praticar em São Petersburgo.

Foto: Press Photo

Na cidade, para onde se mudou atrás de seu irmão, Piôtr se converteu à ortodoxia, tornando-se afilhado de Aleksandr 3º, e terminou os estudos de orientalista e médico. Durante muitos anos, ele trabalhou no Departamento Asiático do Ministério das Relações Exteriores. Depois, a partir de 1875 e até o final de sua vida, praticou a medicina. Entre os seus pacientes estavam membros da família real.

4) Como os budistas influenciaram a formação do território da Rússia?

Durante o seu serviço diplomático, Piôtr Badmaev tentou convencer os imperadores russos a anexar o Tibete, a Mongólia e a China ao território russo. Nikolai 2º achava os planos fantasiosos, mas parte deles acabaram acontecendo.

Após a queda da monarquia chinesa, em 1911, a Rússia anexou o território do Tuva, a terceira região budista da Rússia, depois da Buriátia e da Calmúquia. A adesão não foi imposta pela força, uma vez que se respeitou a espiritualidade da república. É curioso ver que Taiwan, ao se considerar a sucessora do Império Qing da China, continua reivindicando para si esse território até os dias de hoje.

5) Onde o Dalai Lama 13º queria se esconder na Rússia?


Foto: Press Photo

De acordo com uma das versões, o Dalai Lama 13 teria abençoado a construção do “datsan” [templo] de São Petersburgo (construído em 1915), pressupondo que iria encontrar nele abrigo em caso de as tropas britânicas invadirem o Tibete. No entanto, veio a Revolução Russa e, depois, a Guerra Civil. Os comunistas ainda mantiveram o contato com o Dalai Lama durante algum tempo, na esperança de, com a ajuda dele, conseguirem levar a revolução mundial para o Oriente budista, mas em breve essas esperanças foram frustradas.

6) Como foi usado o “datsan” de São Petersburgo durante o século 20?

O “datsan” de São Petersburgo foi devolvido à comunidade budista. No entanto, ao longo de todo o século 20, a edificação passou por reviravoltas. Durante a Guerra Fria, foi onde se montou o equipamento de interferência das transmissões de rádio ocidentais direcionadas para a União Soviética. Em 1962, foi entregue ao Instituto de Zoologia da Academia de Ciências para sediar o Museu de morfologia funcional e vários laboratórios.

Foto: Press Photo

O edifício foi colocado sob a proteção do Estado somente em 1970. E o Dalai Lama acabou realmente visitando esse templo –só que já não o 13º, mas o seu sucessor, o 14º. Isso aconteceu em um nublado dia em setembro de 1987. As testemunhas da visita do Dalai Lama afirmam que por cima do Hotel Leningrad, onde ele ficou hospedado, apareceu inesperadamente um brilhante arco-íris.

7) Por quanto tempo existiu o "Estado budista"?

Os budistas tentaram tirar proveito da revolução e criar o seu próprio Estado. No dia 25 de fevereiro de 1919, teve início em Chita a conferência "pan-mongol", na qual foi proclamada a criação do Estado budista da Grande Mongólia, que unia o território da Mongólia Interior e Exterior, a Buriátia, Tuva e a Manchúria. Tudo poderia ter dado certo se os comunistas não tivessem sido mais organizados. Com isso, o Estado budista não durou mais do que um ano.

8) Que impostos pagavam os budistas?

Nos anos 1920 e 1930, os comunistas destruíram praticamente todos os mosteiros e enviaram para o exílio ou executaram quase todos os representantes do clero budista. Um dos meios de combate à religião era onerar as ordens religiosas com impostos. Na república da Calmúquia os sacerdotes eram obrigados a pagar imposto agrícola único, de classe, de renda e propriedade, taxa de equalização e local, imposto cível, por atividades espirituais, militar, fixo, progressivo, impostos locais de construção, pecuária, e veículos de transporte, imposto de habitação, taxas de inspeção sanitária do gado e dos produtos de origem animal –lã, couro e assim por diante.

9) Como os bolcheviques destruíram o patrimônio cultural dos budistas?


Foto: Press Photo

O mais valioso dentre tudo que foi impiedosamente destruído do patrimônio cultural budista foram as placas com xilogravuras, que só no “datsan” de Aga eram mais de 100 mil. A maioria dessas placas não tinha qualquer conteúdo religioso e era material didático: dicionários, gramáticas, obras de prosa e poesia, ensaios de história, medicina, astronomia e filosofia. Não menos importantes foram os manuscritos, alguns dos quais exemplares únicos que não existiam sequer no Tibete, assim como também o Thangka –as pinturas budistas.

10) Quando parou a perseguição aos budistas russos?

Depois do degelo de Khruchev, na década de 1960, começaram a surgir em Moscou, Leningrado e outras grandes cidades da URSS seguidores não-étnicos do Darma. Na sua maioria, eram membros da intelligentsia e eram obrigados a manter em segredo sua busca espiritual, sob o risco de perder o emprego e até mesmo a liberdade. O controle da KGB sobre os budistas foi levantado apenas no final dos anos 80.

 

Este artigo contém material do "Budismo Reprimido", do Museu do Gulag, em Moscou.

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies