Chefes e cozinheiros tentaram refazer antigas receitas usadas por escritores clássicos russos e seus personagens Foto: Maria Afónina
É possível sentir o gosto da literatura? Uma exposição de livros sobre culinária intitulada "Alimento da alma", realizada recentemente no parque moscovita “Tsaritsino”, foi dedicada justamente a essa questão. Chefes e cozinheiros tentaram refazer antigas receitas usadas por escritores clássicos russos e seus personagens.
Pernil de cordeiro para Sobakevich
O escritor Nikolai Gógol gostava muito de comer, apesar de sofrer de dores no estômago. Em seu "Almas Mortas", ele descreve em detalhes o almoço do protagonista Chichikov, organizado pelo latifundiário Sobakevich.
"Chegando à mesa de entradas, o hóspede e o proprietário tomaram vodca, acompanhada de comida, conforme é costume em todas as cidades e aldeias da Rússia, com verduras em conserva e outros, ou seja, todos os tipos de picles e outras graças excitantes... 'Meu querido, esse ‘chi’ [sopa de repolho] de hoje é muito bom', disse Sobakevitch ao experimentar a sopa e servir um grande pedaço de 'niania', o famoso prato feito de estômago de cordeiro recheado com trigo-sarraceno, cérebro e pernas.'
'Pegue o cordeiro', continuava ele a dizer a Chichikov. 'Essa é a paleta recheada com trigo-sarraceno! Este não é aquele prato de cordeiro que preparam para boiardos, que fica no mercado por quatro dias! Tudo isso é uma invenção dos médicos franceses e alemães. Inventaram o regime de tratar por meio da fome! Eu os mataria por isso! Eu, quando tenho porco, sirvo o porco inteiro; cordeiro, sirvo o cordeiro inteiro; ganso, o ganso inteiro!'".
Depois do cordeiro com trigo-sarraceno, servem “vatrouchka” [bolinho feito de queijo branco],e “peru do tamanho de um bezerro, recheado com ovos, arroz e fígado”.
O estômago moderno mal aguentaria tal refeição, mas a receita de carneiro com trigo-sarraceno foi reconstituída. A vice-editora da revista culinária “Gastronom” e escritora de livros da área, Marianne Orlinkova, tentou preparar o prato sem o típico fogão russo:
"Em primeiro lugar, é preciso ferver o trigo-sarraceno em uma panela, tendo colocado sal antes. Adicionar cebola picadinha ao trigo-sarraceno, e tampar em seguida. Levar a panela por uma hora ao forno, pré-aquecido a uma temperatura de 100 graus. Adicionar manteiga ao trigo-sarraceno, preferencialmente uma colher de manteiga derretida para cada xícara de cereal.
Pedaços de cordeiro e costela de cordeiro devem ser assados em uma panela sem óleo. É bom fazer vários cortes na parte gordurosa do carneiro. Acrescentar sal e pimenta a gosto. Adicionar o trigo e o suco que a carne solta ao carneiro."
Essa receita pode ser encontrada no “Almanaque de Gastronomia” de Inácio Radétski (1877), que estudou culinária na França e depois trabalhou como chefe de cozinha do Duque Maximiliano de Leuchtenberg, da nobreza de São Petersburgo, dos duques Paskevitch e Wittgenstein.
Em seu almanaque, Radétski coletou receitas de 30 jantares palaciano, que contabilizam 330 pratos variados, "caros e baratos", segundo o próprio.
Mas nem todo mundo podia comer carne de carneiro e peru no século 19 como os heróis de Gógol.
Na verdade, havia pouca carne, então, depois de abater e salgar animal, faziam-se com ele rolos ou salsichas, e apenas uma parte era ingerida imediatamente.
As pessoas se alimentavam principalmente de vegetais e diferentes tipos de cereal.
Festa de aniversário sem bolo?
Foto: Maria Afónina
Iúlia Vronskaia, outra convidada do evento, é autora do projeto “Bolo de Anque ou segredos da cozinha das grandes propriedades: Excursões Gastronômicas". O aplicativo gastronômico para iPhone traz as receitas de Sofia Tolstaia, esposa do conde Lev Tolstói, cardápios criados com base na literatura etc.
Vronskaia recomenda o bolo de Anque, feito a partir da receita de Sofia. A receita foi indicada a Tolstói por seu médico de família, Nikolai Anque.
Dize-se que todas as celebrações na família Tolstói eram um tour gastronômico. O bolo era um dos principais elementos da vida familiar. A receita vem a seguir:
Recheio:
Misturar um terço de manteiga com dois ovos e meia libra de açúcar; misturar a casca de dois limões e o suco de três limões. Ferver até tomar a consistência de mel.
Voronskaia diz que, apesar de ter um livro de receitas, Sofia Tolstaia não cozinhava muito. Diz-se até que Sofia cozinhava somente quando seu cozinheiro ficava bêbado.
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