Visão humanista da vida soviética chega ao Brasil

Vladímir Lagrange fez carreira trabalhando para veículos de imprensa soviéticos Foto: arquivo pessoal

Vladímir Lagrange fez carreira trabalhando para veículos de imprensa soviéticos Foto: arquivo pessoal

O fotógrafo russo Vladímir Lagrange e sua obra aterrissam no país para exposição de registros cotidianos do povo soviético.

"Pela primeira vez na vida, atravessarei a Linha do Equador e o Oceano. Talvez eu veja o Cruzeiro do Sul." É assim, com poesia, que o premiado fotógrafo russo Vladímir Lagrange descreve a visita para mostrar sua obra no Brasil pela primeira vez.

Entre 18 de março e 25 de maio, a Caixa Cultural do Rio de Janeiro abriga a exposição "Assim Vivíamos". São 65 imagens em preto e branco escolhidas a dedo, que mostram cenas do cotidiano da antiga União Soviética. Esta será a primeira vez que a América Latina recebe uma mostra individual de Vladímir Lagrange.

Interesse (Larange, 1960)

"Tudo isto para mim é como estar em outro mundo", diz. O espírito de Lagrange, onde quer que que o fotógrafo esteja, é sempre o da descoberta, do olhar para o outro.

"Gostaria de ver a beleza natural da cidade, mas também de conhecer pessoas simples, como as que vivem em favelas. Acredito que a vida cotidiana delas também é interessante e que, por meio de seus retratos e das relações entre elas, eu teria uma impressão mais ampla da realidade brasileira."

A vida em preto e branco

Nascido em 1939, Lagrange iniciou a carreira aos 20 anos, numa época em que não havia bons filmes fotográficos em cores à disposição na URSS.

"Isso determinou minha escolha [pelo preto e branco]; todos meus colegas usaram a fotografia em preto e branco. Até hoje, tenho uma certa nostalgia em relação a esse tipo de fotografia".

"[O fotógrafo americano do início do século passado Ansel Adams] dizia que a fotografia em cores é literal demais, que não deixa espaço para interpretação pessoal", relembra Lagrange. Toda sua obra é em preto e branco, e é assim que ele pretende retratar o Brasil enquanto durar sua estadia.

"Ele está trazendo sua câmera e está muito ansioso para fotografar o país", conta Luiz Gustavo Carvalho, curador da exposição.

Carvalho, que é pianista, conheceu a obra de Lagrange em 2007, durante os quatro anos em que viveu em Moscou. "Lagrange é um fotógrafo russo de extrema importância para o entendimento da sociedade soviética após a morte de [Iosif] Stalin [em 1953]".

Senso de humor

O desejo de Carvalho de trazer a obra de Vladímir Lagrange para o Brasil surgiu após outra exposição curada por ele recentemente, a do fotógrafo lituano Antanas Sutkus.

"A ideia de mostrar a arte de Lagrange veio quase como um complemento a essa exposição, no sentido de que Sutkus oferece uma visão da União Soviética desde um país dominado, enquanto Lagrange traz a visão de dentro da Rússia".

Jovens bailarinas, 1963

Ambos seguem a tradição humanista. Lagrange mostra, sempre com muito respeito, o cidadão comum da União Soviética com um toque de humor de maneira sutil.

Na análise de Carvalho, esse aspecto constitui outro ponto forte. "O senso de humor é algo delicado porque, na fotografia, pode cair muito facilmente na paródia, na anedota, na caricatura. E de uma maneira perspicaz, sempre guardando o humanismo, as obras dele não caem nestes domínios."

A sensibilidade de Lagrange é notável tanto quanto a sua técnica. "O dinamismo com o qual ele compõe as imagens é muito interessante. Elas são extremamente elaboradas, inclusive no que diz respeito à geometria das formas. O jeito como ele brinca com os contrastes e as perspectivas também é muito particular", explica Carvalho.

Fotojornalista

Vladímir Lagrange fez carreira trabalhando para veículos de imprensa soviéticos, o que deixa margem para a dúvida: seu trabalho, então, é jornalismo ou arte?

"Quando tiro fotografias, não penso nessa distinção. Esse é o trabalho dos críticos e historiadores. Mas, na minha opinião, a fotografia em si é a arte, não importa a tendência seguida pelo autor. Se for realismo, vanguarda, pós-modernismo etc., o importante é não deixar o espectador indiferente", explica. "É preciso dar algum impacto, trazer algo novo na visão do espectador, que gere reflexão.”

Quanto à censura, questão que também costuma rondar sua obra Lagrange diz que a autocensura, proveniente "da educação e princípios morais", era mais forte que a exercida pelos editores. "A censura era mais para escritores, artistas, cineastas. Na revista, nós não éramos muito perturbados com isso. Hoje em dia, passa algo errado na mídia no meu país, mas isto é já outra história."

Política e ideologia à parte, para esse fotógrafo russo, o trabalho é um "remédio contra todas as doenças e a velhice", sempre lhe trazendo novidades.

"Estou chegando muito bem-humorado e com o coração aberto. Para mim, esta viagem será um encontro com outro mundo. Tudo o que sei vem dos filmes, literatura, geografia, história. Nunca encontrei um brasileiro na minha vida! Mas estou certo de que o tempo passado no Brasil irá me mostrar o que liga nossos países".

Exposição Vladimir Lagrange - “Assim vivíamos”

Abertura para convidados: 17 de março, às 19h

Mesa-redonda: 18 de março, às 15h (com participação de Vladimir Lagrange)

Visitação: 18 de março a 25 de maio de 2014 (de terça-feira a domingo)

Horário: das 10h às 21h

Local: CAIXA Cultural Rio de Janeiro

 

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