A vida na Rússia antes da Primeira Guerra Mundial

Os setores políticos e econômicos da Rússia batiam recordes de eficiência, o crescimento anual do produto interno bruto alcançava de 10% a 20% Foto: Getty Images/Fotobank

Os setores políticos e econômicos da Rússia batiam recordes de eficiência, o crescimento anual do produto interno bruto alcançava de 10% a 20% Foto: Getty Images/Fotobank

Em 2014, a população russa comemora centésimo aniversário do início da Primeira Guerra Mundial. Como o país passou os primeiros sete meses do ano antes do começo das atividades militares? O historiador Lev Lurie responde a esta pergunta.

O ano de 1914 teve um começo bastante calmo, com toda a atenção da Europa voltada para o esporte. A comunidade internacional acompanhava o campeonato mundial de patinação em Berlim, onde um atleta russo, Vassíli Ippolitov, conquistou um dos prêmios. Os patinadores artísticos competiam na cidade de Helsingfors, hoje conhecida como Helsinki, enquanto as patinadoras faziam as suas apresentações em São Moritz, na Suíça. Por outro lado, a seleção russa de futebol participava de jogos amistosos nos solos norueguês e sueco.

Os setores políticos e econômicos da Rússia batiam recordes de eficiência, o crescimento anual do produto interno bruto alcançava de 10% a 20%, superando os índices da China moderna. De acordo com as memórias do jornalista inglês Maurice Baring, “a Rússia estava vivendo a melhor época da sua existência em termos do crescimento econômico e bem-estar da população".

No entanto, as grandes diferenças entre as classes sociais deixavam poucas oportunidades para a mobilidade social dos cidadãos russos. Os operários de usinas e fábricas não podiam ocupar os cargos mais altos, o proletariado se sentia oprimido e os camponeses desejavam as terras dos nobres fazendeiros e revoltavam-se por qualquer motivo.

Segundo o diário do imperador russo, o seu 1914 teve um início comum e não dava nenhum motivo para se preocupar. O monarca "teve o grande prazer" de se encontrar com Grigori Raspútin múltiplas vezes e tomar café da manhã com o embaixador da Alemanha no dia do aniversário do rei Wilhelm.

No começo do ano, Nicolau 2º permaneceu na sua residência de Tsarskoe Selo e em seguida viajou rumo à Crimeia. O monarca compartilhou as novas experiências com o seu diário pessoal: "Visitamos muitos rebanhos de gado, manadas de cavalos e até vimos os bisões e zebras. Me sinto embriagado de tantas novidades e da variedade impressionante de animais". Após a Crimeia, os próximos destinos da família real incluíam a Romênia, Peterhof e os recifes finlandeses para os quais eles viajaram no próprio iate, o Standart.

O imperador russo dedicava muito tempo ao trabalho, porém não deixava de descansar.

"Passamos dias resolvendo quebra-cabeças, feitos de madeira, jogamos dominó e dados. Na época de inverno, junto com o príncipe herdeiro, construímos uma torre gelada no lago Tsarskoselski, enquanto no verão o usamos para dar banho no nosso elefante. Andei de canoa, fiz natação e joguei tênis. Também anotei os resultados de todas as minhas caças: 33 faisões, 22 perdizes e um coelho, o total de 56 presas. Passei as noites com a família assistindo a ‘cinematografia alegre e interessante’", escreveu Nicolau no seu diário.

Artes

Em apenas 200 anos passados desde a época do Pedro 1º, o país que teve as áreas de pintura, literatura, teatro, música sinfônica e balé quase inexistentes alcançou e superou a própria Europa. Durante o reino do Alexandre 2º, a sociedade ocidental reconheceu a música e a prosa dos compositores e escritores russos, enquanto os diretores europeus ficaram impressionados com o grande talento do seu colega russo, Konstantin Stanislavski. Serguêi Diágilev apresentou ao mundo o famoso balé russo. O ano de 1914 é considerado o ápice do crescimento surpreendente da Rússia, que conquistou fama internacional pelo talento dos seus dançarinos, poetas e artistas.

O movimento futurístico vivia os seus melhores anos. Poucos encontros poéticos acabavam sem discussões e atos excêntricos por parte dos participantes.

Após 1917, muitos historiadores contemporâneos tentavam encontrar os prenúncios da abolição de monarquia russa e das grandes mudanças políticas e sociais no país. No entanto, apesar da aparência de ordem absoluta, as ruas de São Petersburgo já apresentavam os primeiros vestígios da revolução.

O sábio Petr Durnóvo, antigo ministro das Relações Interiores, avisou o Nicolau 2º sobre "os camponeses que querem dominar as terras alheias e os operários das fábricas que sonham em arrancar o capital e os lucros dos seus empregadores”. Apesar de o ex-ministro considerar essas intenções apenas simples desejos, ele acreditava que bastava o governo deixar as forças opostas tomarem conta da mente da população, e a Rússia cairia numa grande desordem.

No dia 7 de julho, começou a greve geral, que contou com a participação de 10 mil pessoas, enquanto no décimo dia do mês a quantidade de grevistas aumentou para 135 mil e recebeu apoio da capital azerbaijana Baku. Os manifestantes apresentavam apenas uma exigência –o fim da monarquia absoluta. No dia 10 de julho, os tumultos atingiram o seu ápice e foram acompanhados de atos de violência.

Os vândalos, chamados por Vladímir Lênin de "jovens trabalhadores", pararam a circulação de bondes pela cidade, apedrejaram um dos cobradores até a morte e quebraram 200 vagões dos 600 em operação. Na época, os bondes eram o único meio de locomoção de São Petersburgo acessível aos operários e trabalhadores, portanto, a suspensão do seu funcionamento resultou no fechamento das fábricas.

Os policiais sofriam agressão por parte da população, que parou apenas com o início da Primeira Guerra Mundial.

Na opinião de historiadores, a intervenção dos deputados parlamentares poderia ajudar na introdução das mudanças ao sistema político do país, evitando o derramamento de sangue e as consequências graves dos eventos de 1917. Talvez a Rússia não participasse da guerra.

A entrada do diário do Nicolau 2º referente ao dia 25 de julho diz: "Na noite da quinta-feira, a Sérvia recebeu um ultimato austríaco, cujas oito exigências nunca poderiam ser aceitas por um estado independente. O seu prazo terminou hoje às 6 da tarde. Todas as nossas conversas foram apenas sobre isso." Hesitando, o monarca russo tomou a decisão de prestar apoio à Sérvia, sua aliada ao longo dos séculos, que, por sua vez, apresentou ao agressor o seu próprio ultimato. A Alemanha ficou do lado da Áustria e uma semana depois anunciou o início da campanha militar contra a Rússia. Em apenas 10 dias a guerra se tornou mundial.

 

Publicado originalmente pela revista Ogoniók

 

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