A história dos cantores-compositores russos

Na União Soviética, os novos cantores e compositores dos anos 1950 e 1960 eram estudantes, sendo que os maiores responsáveis pela criação do gênero no país não foram os alunos das faculdades de filologia e literatura e sim jovens biólogos, físicos e historiadores.

A história dos cantores-compositores na União Soviética remonta ao início da década de 1950. Mas esse não é um know-how genuinamente russo. Naquela época, surgiram intérpretes que cantavam canções de autoria própria acompanhados de um violão em muitos países. Eram chamados de “liedermacher” nas antigas Alemanha Oriental e Ocidental, de “cantautores” na Itália e América Latina, de “auteur-compositeur-interprète” na França e de “singer-songwriters” nos EUA.

Na União Soviética, o novo gênero musical foi criado por estudantes, sendo que os maiores responsáveis por seu surgimento não foram os alunos das faculdades de filologia e literatura e sim jovens biólogos, físicos e historiadores. Inicialmente, a canção do poeta era dedicada ao romantismo e à beleza da vida, que não podiam ser percebidos com facilidade no âmbito das difíceis condições de existência da sociedade soviética, mas dos quais a geração mais jovem precisava tanto.

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O poeta Bulat Okudjava, que compôs mais de 200 canções, se tornou a principal expressão de seus valores. Em primeiro lugar, suas canções foram difundidas entre os intelectuais da União Soviética por meio de fitas gravadas e em seguida no estrangeiro, entre as pessoas que falavam russo. O primeiro disco de Okudjava foi lançado em Paris, em 1968, mas somente a partir de meados dos anos 1970 os seus trabalhos passaram a ser lançados na URSS.

Clubes de canção

Rapidamente, as canção dos novos autores tomaram conta do ambiente estudantil e turístico e tornaram-se parte da cultura cotidiana dos intelectuais soviéticos, parte das caminhadas e dos encontros em volta da fogueira. Elas foram tão difundidas que em diferentes cidades do país surgiram Clubes da Canção Amadora, que foram criados com a participação da KGB, que tinha o intuito de monitorar as tendências dos estudantes. E realmente havia o que monitorar.

Já nos anos 1960 surgiram compositores com canções em que soava a crítica ao regime. O poeta e cantor Aleksandr Galitch (cujo sobrenome verdadeiro era Ginsburg) havia começado, nos anos 1950, como um dramaturgo talentoso e requisitado pelo teatro soviético. Mais tarde, passou a escrever canções que se tornaram politicamente mais afiadas. Ele foi proibido de apresentar concertos públicos, os seus textos não eram publicados em álbuns de músicas, não lhe permitiam gravar discos e campanhas de difamação eram promovidas contra ele na imprensa. De um bem sucedido escritor soviético, Galitch se transformou em um dissidente. Em 1974, ele foi privado da cidadania soviética durante a sua participação em um seminário na área de humanidades na Noruega. Galitch foi forçado ao exílio, onde morreu alguns anos mais tarde.

Por muito tempo seus textos continuaram proibidos na URSS. Mais um cantor e ativista do movimento de direitos humanos, Iulii Kim, foi obrigado a publicar suas produções usando um pseudônimo até 1985. Nos relatórios operacionais da KGB ele era citado sob o codinome "Violonista". Em seus textos soava uma franca sátira sobre a realidade soviética e algumas canções eram dedicadas especificamente aos dissidentes soviéticos.

Após a abertura

Depois da Perestroika, o desenvolvimento do gênero na Rússia tomou um curso tranquilo. A quantidade de poetas-cantores é mensurada em centenas e nada os impede de promover concertos, gravar discos, se apresentar no rádio e na televisão e  realizar festivais. O festival mais famoso leva o nome de Valeri Grushin, um estudante que morreu em um rio da Sibéria salvando crianças que se afogavam. Ele é realizado nas imediações de Togliatti (cidade russa que fica na margem esquerda do rio Volga e tem esse nome em homenagem ao comunista italiano Palmiro Togliatti) e reúne até 200 mil participantes não só da Rússia, mas também de países estrangeiros.

Muitos cantores famosos da geração mais velha já não estão vivos, mas as suas canções mantêm a antiga popularidade. Um dos fundadores do gênero, Iúri Vizbor, faleceu muito cedo, deixando mais de 300 canções. Durante toda a sua vida, concomitantemente com a docência e o trabalho científico, o cientista-metalúrgico Viktor Berkovski compôs  músicas para os versos de diferentes poetas, não só de canções, mas também melodias para o teatro e o cinema.

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Evguêni Kliatchkin, ao criar canções com os versos de Iosif Brodski (poeta russo naturalizado estadunidense, cujo pseudônimo é Joseph Brodski), revelou a poesia deste para muitos leitores, num tempo em que todos os canais oficiais de publicação estavam fechados para Brodski. Às vezes, Vladimir Vissótski é agregado à corte dos cantores e compositores, no entanto, ele próprio não se considerava um. Ao contrário dos outros, Vissótski era um requisitado ator profissional e o mais popular autor e intérprete da URSS. Em uma enquete realizada em 2010 pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinião Pública, Vissótski ocupou o segundo lugar na lista dos ídolos do século 20, depois de Iúri Gagarin.

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Kim continua a realizar seus concertos como antigamente. Também cientista geofísico e autor de canções, Aleksandr Gorodnitskii (ele criou uma série para televisão sobre a canção dos cantores e compositores) não cessa a sua atividade criativa nem a popularização do gênero. Tatiana e Serguêi Nikitini também seguem dando concertos. A sua canção “Ao Som da Música de Vivaldi”, escrita em conjunto com Berkovski e que deu o nome a um concerto em Londres, agradou tanto Paul Mauriat que o maestro gravou uma versão instrumental dessa composição. Já o filme “Moscou Não Acredita em Lágrimas”, com música de Serguêi Nikitin, recebeu um Oscar.

 

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