Técnica antiga usada é atualmente usada para afugentar pássaros em aeroportos russos Foto: ITAR-TASS
Na Rússia, as aves de rapina, especialmente os falcões-gerifalte, eram muito valorizados. Reza a lenda que quando o falcoeiro de Ivan, o Terrível, Trifon Patrikeev, perdeu o falcão-gerifalte preferido do czar durante uma caçada, o tsar concedeu um prazo de três dias para que Trifon encontrasse o animal, caso contrário seria decapitado. Durante três dias inteiros, Trifon procurou o pássaro e, ao final do último dia, conformou-se com o seu destino e foi dormir. O seu padroeiro, São Trifon, apareceu para ele em um sonho com o falcão-gerifalte sobre o ombro, dizendo e"Eis aqui o seu falcão", e devolveu o pássaro para Trifon. Pela manhã, o falcoeiro realmente encontrou a ave pousada em um galho. De tão alegre que ficou, Patrikeev construiu um templo de pedras em homenagem ao santo, que há mais de 500 anos continua em pé na rua Trifonovskaia, em Moscou. A artir daí, São Trifon passou a ser retratado nos ícones com um falcão e a ser reverenciado pelos caçadores.
A falcoaria alcançou o verdadeiro florescimento no reinado do tsar Alksêi Mikhailovitch, pai de Pedro, o Grande. Na época, o tsar tinha uma coleção de três mil falcões e açores. Cada pássaro era especializado em diferentes tipos de presas: uns caçavam aves e outros, lebres.
Os predadores eram capturados no norte, basicamente na região de Arkhangelsk e na Sibéria. Porém, foi estabelecido um procedimento diferente em relação ao seu transporte para Moscou. Eles eram transportados no interior de caixas especiais, estofadas por dentro, para que o passarinho ficasse no macio. Os cobradores de impostos que acompanhavam as aves, tinham ordens de "cuidar dos pássaros com grande zelo", alimentá-los na hora certa e não permitir que os cocheiros viajassem rápido demais.
Para alimentar a coleção viva do tsar, os camponeses tinham que entregar, na qualidade de imposto, dois pombos de cada quintal. Os pombos eram levados para um local especial, o Pátio dos Pombos. Lá, eram mantidos milhares de pombos, que estavam destinados a tornarem-se alimento para os predadores.
Aleksêi tinha muito orgulho de sua coleção de pássaros. Por exemplo, ao embaixador August von Meierberg, do Estado alemão da Saxônia, foi dada uma grande honra, permitindo-lhe ver algumas aves. Naquela época, na Rússia, não se confiava muito nos europeus. Acreditava-se que um seguidor da Igreja Católica poderia ter mau olhado; por isso, aos embaixadores não eram apresentadas nem as mulheres nem as aves. Mas o tsar estava tão interessado nas negociações com os alemães que acabou permitindo que algumas das mais bonitas aves fossem mostradas aos embaixadores e até que fossem reproduzidas em desenhos.
Além da caça, os falcões serviam como um importante instrumento da diplomacia. O tsar enviava-os, na qualidade de presentes, aos monarcas do Ocidente e do Oriente. E o xeque persa, Abbas, estava mantendo conversações especiais com a coroa russa para que os comerciantes russos fossem autorizados a vender as aves de rapina aos estrangeiros.
Desde então, Moscou preservou muitos topônimos relacionados à falcoaria. O bairro de Sokolniki (Sókol é falcão em russo) foi um dos locais preferidos pelo czar para a prática da falcoaria. Na mesma região situava-se o povoado Sokolnitchikh. Ao leste da capital encontra-se a montanha Sokalinaya e, na periferia de Moscou, existe uma aldeia chamada Chiriaevo. De acordo com uma versão, lá se perdeu um falcão-gerifalte, favorito do tsar, cujo nome era Chiriae, mas outra versão diz que a vila pertencia ao falcoeiro Semion Chiriaev. A estação de metrô Sókol, por sua vez, não tem nenhuma relação com a falcoaria, pois recebeu esse nome em homenagem a aldeia de artistas construída por volta de 1920.
O filho do tsar Aleksêi Mikhailovitch, Pedro o Grande, já possuía outras diversões. Era preciso guerrear com os suecos, turcos e persas, e ele já não tinha tempo para pensar em caçadas. O número dos componentes da coleção do tsar diminuiu por causas naturais, afinal, os pássaros não vivem por muito tempo.
Atualmente, pode-se observar os verdadeiros falcões de caça e ter uma ideia de como era a falcoaria na época dos czares, no Museu e Reserva Kolomenskoye, que antigamente era uma propriedade do tsar. Ali foi criada a exposição "A falcoaria do czar Aleksêi Mikhailovitch", pois Kolomenskoie tinha sido um dos lugares onde os tsares praticavam a falcoaria.
Agora na Reserva vivem 11 pássaros domesticados - açores, um buteo, falcões balabans, e até mesmo uma coruja. Em Kolomenskoie trabalham dois falcoeiros, o experiente Viktor Mikhailovitch Fedorov e seu assistente, Volodia Skripkin.
"Cada pássaro tem o seu caráter, não é diferente do cão ou do ser humano”, diz Fedorov. Uma ave é mais sossegada; outra é chamada por ele de "dama geniosa”.
Viktor Fedorov conta para os visitantes da exposição que a falcoaria é um processo complexo e bonito. Os tsares saíam para a caça acompanhados por exércitos inteiros - à frente iam os cães de caça, em seguida vinham os caçadores à cavalo. Os cães farejavam a caça, e os caçadores tocavam os tambores para assustar a presa, por exemplo, uma perdiz. Quando ela subia para o céu, o tsar soltava o falcão. Ele espreitava a presa a espera do momento certo para atacar. Finalmente, depois de observar o pássaro ou a lebre, o falcão se lança para baixo. Vindo de uma grande altitude o falcão acerta a presa como se fosse um míssil. A velocidade de sua queda é tal que ele, literalmente, destroça a presa.
Mas a ave de rapina não traz a presa em seu bico para seu dono, o cão faz isso por ele. Depois disso, temos apenas que pegar o próprio falcão. Antigamente, com essa finalidade, amarravam-se guizos às suas patinhas. Hoje em dia, os caçadores usam dispositivos de rastreamento para esse fim e os ricaços do Oriente, usam helicópteros que seguem os pássaros.
No entanto, a profissão antiga não foi esquecida. Nem todo mundo sabe, mas as aves de rapina servem agora ao Estado russo. Por exemplo, no Kremlin há uma unidade inteira do Serviço Federal de Segurança integrada por falcões-balabans, seu objetivo é espantar corvos e "regular" o número de pombos. Alguns aeroportos também mantêm suas unidades de falcões, particularmente, o Domodêdovo. Ali são criados açores para espantar as aves menores, protegendo a vida dos passageiros que é posta em risco com os corvos que acidentalmente ficam presos nos motores.
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